sábado, novembro 29, 2008

No país dos sovietes (9)

Brigade KGK (1931)
Female delegate, stand to the fore!
Publisher: Ogiz-Izogiz, Moscow/Leningrad(Lithography, 99x69 cm., inv.nr. BG E5/578, coll. Rose)
"Poster directed at women farmers, delegated to the meeting of 'the crack brigade of forewomen of Sots-Stroitelstva' [something like 'the construction of socialism'], where discussions are to be held concerning 'the realization of full collectivization and the liquidation of the kulaks [private farmers] as a class'. Packed in an avant garde design, the political jargon of the poster is stifling. "

sexta-feira, novembro 28, 2008

Quique...

Quique Flores parece-me um treinador organizado, rigoroso, extremamente profissional. Com conhecimento do futebol que se joga a alto nível, cosmopolita. Enfim, competente. Em função disso, a equipa e cada um dos seus elementos sabem perfeitamente o que devem fazer em campo, talvez de um modo demasiado cibernético, em função de um plano elaborado ao pormenor. Receio que essa sua força se transforme também na respectiva fraqueza quando o jogo não decorre de acordo com o plano prévio: a equipa tem então dificuldade em reagir por si própria, em adaptar-se às circunstâncias, em procurar por ela as soluções para o imprevisto. Foi assim contra o FCP quando Katsouranis resolveu “asneirar”, o que não estava no programa. Foi assim ontem quando um golo no primeiro minuto “baralhou” o “plano de batalha”.

Pois, prova-se que os grupos são sempre espelho dos verdadeiros líderes... Para o bem e para o mal.

A música em Kubrick (5)

"Singing In The Rain", de Gene Kelly e Stanley Donen (1952)
Não me lembro de um filme citar expressamente a música original de um outro, o que não quer dizer isso nunca tenha acontecido. Significa apenas que não tenho de tal facto memória. Podia dizer que era da idade já madura, mas admito mais seja das carências culturais. Apenas me recordo de no remake de 1999 de “The Thomas Crown Affair” (o de McTiernan, com Pierce Brosnan e Rene Russo) ser propositadamente citada “The Windmills of your Mind” canção tema do filme original de Norman Jewison, de 1968, que se tornou um “hit”. No caso de “Singing In The Rain”, Kubrick cita não só a música como, ao citá-la, nos remete para uma das sequência mais famosas da história do cinema – e para um filme também ele histórico. Ao fazê-lo em “Clockwork Orange” tem a coragem de dizer: “vejam, olhem bem em quem eu devo uma parte do que sou, e a quem vocês devem tanto da vossa felicidade”. Por isso mesmo, aqui fica o citado em vez da citação.

Bloco de Esquerda, contestação e poder

Tendo em atenção o que se passou em Lisboa, podemos afirmar ser o Bloco de Esquerda apenas um partido com vocação contestatária, incompatível com o poder, com um projecto de governação? Melhor seria se assim fosse, mas penso ser necessário ir um pouco mais além. O que a ruptura entre o Bloco e Sá Fernandes vem demonstrar é que, no limite, aquele continua fiel, demasiado fiel embora sob a capa de uma pós modernidade que tem dificuldade em assumir como essência quando as contradições se agudizam, a um projecto de poder vanguardista/leninista que não aceita compromissos mas vive e se alimenta de e para a ruptura. É pois nessa ruptura que se exprime o seu projecto de poder, tal como aconteceu com os bolcheviques em 1917. Ao contrário do PCP, que é um partido claramente moldado pelo “revisionismo” estalinista e, por isso, sempre disposto a engolir sapos e elefantes, manadas de mamutes se necessário for, por umas migalhas na partilha do poder de estado, onde realmente melhor se expressa a sua vocação, e a subordinar a “luta de massas” a esse objectivo, o Bloco, embora assumindo alguma modernidade nas questões de sociedade (e foi esse o segredo do seu êxito no eleitorado jovem e urbano), tem dificuldade, em função da sua “marca de origem” leninista, "classe contra classe", em assumir um projecto de poder outro que não o da ruptura e do não compromisso. É fundamentalmente isto – e não o ser um partido de contestação pura e simples em vez de um partido com vocação de poder - que separa o PCP e o Bloco, e que separa este da democracia liberal tal como a entendemos. Será também isto que separa as forças que estão na origem do Bloco? PSR e UDP, de um lado, e Política XXI?

Roger Corman classics (38)

" The Masque of the Red Death" (1964)

quinta-feira, novembro 27, 2008

História(s) da Música Popular (107)

Dionne Warwick - "Wishin' and Hopin' (Bacharach & David)

Dusty Springfield - "Wishin and Hopin'" (Bacharach & David)

The Merseybeats - "Wishin' and Hopin'" (Bacharach & David)
Bacharach & David (X)
Ora o prometido é devido e, por isso, aqui continua a ligação entre Dionne Warwick (ou Warrick) e o “Mersey Sound”, via Bacharach & David. “Wishin’ and Hopin’” foi o “B” side do 2º single de Dionne, sucesso nada comparável com “Don’t Make Me Over”. Mas nada que desencorajasse os britânicos: os Merseybeats (1964) e a inevitável Dusty Springfield (idem) gravaram o tema e talvez sejam as suas versões que o tornaram mais conhecido. De notar que os Merseybeats começaram por ter Brian Epstein como manager (outros grupos e intérpretes de Liverpool o fizeram) e gravaram também uma versão de “Mr. Moonlight”, um original de Dr. Feelgood & The Interns tornado famoso pelos Beatles, eles mesmos.

Pois aqui ficam as três, uma mais “soul” (a de Warwick), outra mais “pop” (de Springfield) e dos Merseybeats, claramente "Liverpool sound".

Les Belles Anglaises (XVII)







Triumph Spitfire (1962-1980)

Paulo Bento

Para aqueles que desvalorizam as questões de liderança, devo dizer que o Sporting foi nos seus dois jogos com o Barcelona a imagem perfeita do seu treinador: uma equipa provinciana!

quarta-feira, novembro 26, 2008

Manuel Alegre e a "sua" esquerda

Post de 16 de Fevereiro deste ano:

"Não acredito que Manuel Alegre ainda não tenha compreendido que a divisão fundamental nas sociedades actuais não é mais entre “esquerda” e “direita”, entre capitalismo e socialismo, mas entre duas concepções antagónicas de organização do estado e dessa sociedade: um modelo aberto e democrático, que só pode basear-se na livre iniciativa capitalista pois é essa a sua essência, aquilo que lhe deu origem e o criou - com gradações que vão desde os ideais ultra-liberais até àqueles que, por colocarem o seu ênfase na protecção do cidadão, poderemos considerar integrados no “modelo social europeu - e um outro essencialmente centrado no “poder do Estado”, que também pela sua própria essência conduz fatalmente a universos concentracionários e conservadores, a sociedades fechadas e repressivas. Longe, muito longe, por inadequados aos tempos que correm e ao mundo actual, vão portanto os tempos do anti-fascismo, das frentes populares e dos programas comuns de esquerda.

Quer isto dizer que, do ponto de vista estrutural, existe uma contradição inultrapassável entre os projectos de sociedade do PS, por um lado, e os do PCP e do Bloco de Esquerda, por outro, o que não impedindo acordos pontuais, por vezes mesmo coincidência de pontos de vista em algumas áreas políticas, põe em causa um caminho comum, uma partilha institucional. Não poderá deixar de ser assim a não ser que se decida abdicar dos princípios fundadores. Já quanto aos partidos considerados á sua direita existirão divergências políticas, aqui e ali mesmo estratégicas, em muitos casos visões e concepções diferentes do mundo em ocasiões em que o dramatismo se acentua, mas, no essencial, na questão-chave, uma coerência e coincidência de pontos de vista quanto aos princípios institucionais definidores.

Claro que Manuel Alegre, que viveu Argel e o Portugal de 75 e fez até hoje da política a sua profissão, conhece tudo isso e mais algumas coisas, todas elas muito bem. Mas também percebeu, ao fazer este seu apelo institucional a uma esquerda tal como ele conservadora, que a situação actual do país e a política que o governo do PS se vê “obrigado” a implementar, com repercussões evidentes nas bases do partido e no seu eleitorado, lhe concede uma “oportunidade de negócio” que não podia deixar indiferente o seu incomensurável "ego". Também sabe, para seu bem e mal de Sócrates, que este, ao ceder à sua chantagem no caso do Ministério da Saúde, não fez mais do que escancarar portas até aí somente entreabertas. Assim sendo, Sócrates terá o que merece. Quanto a ambos, esperando a Alegre não lhe suceda o mesmo que ao sapo, não consigo chegar a perceber se o país mereceria qualquer coisa de melhor."

"M" e "Peer Guint"

"M", de Fritz Lang (1931)
O “Gato Maltês” também gosta muito do expressionismo alemão no cinema e recorda com saudade os tempos em que, pela primeira vez, viu os seus filmes, na sala da antiga cinemateca no Palácio Foz. E, às vezes, põe-se a vasculhar e descobre coisas interessantes. Descobriu este “trailer” de “M”, de Fritz Lang, no You Tube, e este é mais um daqueles casos em que a música (neste caso, a bem conhecida “suite” Peer Guint, de Grieg) e o silêncio – ou os silêncios – jogam um papel fundamental na criação de um ambiente de climax/anti-climax, jogando com uma montagem, por vezes, muito "einsensteiniana". Passam por aqui “Aniki-Bobó” (“Aniki-bebé, Aniki-bobó... eu sou polícia, tu és ladrão”), muito posterior, “Outubro”, mas, principalmente, aquele ambiente sombrio, ameaçador (as sombras são sempre ameaçadoras porque se pressente algo do qual só se conhecem os contornos – lembram-se de “O Ovo da Serpente”?), premonitório do que estava para chegar – e que não era nada de recomendável. Reparem como as crianças, no seu jogo, são filmadas num plano "picado", acentuando o facto de estarem indefesas e perante um olhar controlador de alguém, e como esse plano "liga" com a sombra do criminoso curvando-se perante a inocente vítima.

Enfim, e para que conste, aqui ficam 3’ 21’’ do melhor cinema que já se fez e alguma vez se fará.

A fé dos homens...

Carlos Silvino acredita nos “rapazes”, o mesmo acontecendo com Catalina Pestana. Por seu turno, Cavaco Silva acredita em Dias Loureiro, este em Oliveira e Costa - que acredita nas teias que teceu - e Constâncio em António Marta, tão piamente como a Srª Felgueiras acreditou na justiça. Provavelmente, todos acreditam em Deus e este, na sua infinita bondade, também acredita em todos. É assim este país: é tudo uma questão de crença!

terça-feira, novembro 25, 2008

As capas de Cândido Costa Pinto (51)

Capa de CCP para "O Caso do Cão Uivador", de Erle Stanley Gardner, nº 23 da "Colecção Vampiro"

A música em Kubrick (4)

Erika Eigen - "I Want To Marry A Lighthouse Keeper"
“I Want to Marry A Lighthouse Keeper” é um bem disposto original de Erika Eigen, e do seu grupo Sunforest, incluído no álbum “Sound of Sunforest”, de 1969. Faz parte da banda sonora de “Clockwork Orange” e, em certa medida, é elemento contrastante com a restante música do filme, embora “La Gazza Ladra”, pelo seu ritmo dançável e saltitante, não deixe de sugerir com ele algumas similitudes. Exactamente por isso, seleccionei no ""You Tube este remix, que acho bem expressa o estilo divertido do tema.

Os erros, ou as opções, de Cavaco Silva

Na sequência daquilo que por aqui já afirmei, o que me causa alguma, para não dizer, total perplexidade é a nomeação de alguém como o perfil de Manuel Dias Loureiro para conselheiro de estado por parte de uma personalidade, como é o caso de Cavaco Silva, que sempre fez do rigor e credibilidade parte do seu património político e pessoal. Principalmente, se tivermos em conta o que isso representa de contrastante com os restantes quatro conselheiros de estado por si nomeados. Esse é, de facto, o seu erro político original, que está a pagar caro e não soube, não pôde ou não conseguiu corrigir, antes pelo contrário, com as suas intervenções posteriores. Se, também como aqui já disse, a nota emitida a propósito do BPN é despropositada e, porque não dizê-lo, acaba, ao contrário do que se pretendia, por gerar um efeito comprometedor ou, pelo menos, lançar a suspeição onde ela não existia, as afirmações da tarde de ontem, remetendo para uma lei cuja interpretação está muito longe de ser consensual, arriscam-se a ser lidas como uma opção em duas possíveis, seja, um puro e simples gesto de confiança em Dias Loureiro. Acresce ainda que ao receber pouco depois o conselheiro de estado dando azo a que este afirme, após a audiência, que não vê razão para apresentar a sua demissão, Cavaco Silva sujeita-se a que seja essa sua opção, de confiança em Dias Loureiro, a confirmar-se e fazer caminho junto da opinião pública. Exagero? Talvez nem tanto, já que nos últimos tempos, mormente no caso da Madeira, o Presidente da República, sob a capa da “cooperação estratégica”, não tem esbanjado qualquer oportunidade para demonstrar onde residem, de facto, as suas lealdades políticas e pessoais.
Nota: Já depois de publicado este post, li que o Presidente da República saiu publicamente em defesa de Dias Loureiro, não dando sequer azo a quaisquer dúvidas interpretativas sobre a audiência de ontem e posteriores afirmações do conselheiro de estado. Abre assim caminho a todas as especulações.

segunda-feira, novembro 24, 2008

Dias Loureiro: um conselheiro contrastante

Quando releio o nome dos Conselheiros de Estado designados por Cavaco Silva (Marcelo Rebelo de Sousa , Leonor Beleza, João Lobo Antunes, Anacoreta Correia e Manuel Dias Loureiro) algo atrai de imediato a minha atenção. Pelo seu perfil pessoal e carreiras política e profissional, pelo bruaá (uma vez mais, a expressão pertence-lhe) sempre associado ao seu nome, pelo trajecto percorrido no mundo dos negócios por si confirmado na entrevista à RTP1, Manuel Dias Loureiro aparece como alguém que se diferencia claramente dos restantes quatro conselheiros, quase como se tratasse de um nome “contra-natura”. Apenas uma curiosidade...

Liedson e Paulo Assunção na selecção portuguesa?

Já em tempos aqui defini aquelas que considero serem as únicas condições limitativas à utilização de jogadores de futebol naturalizados, e que não tenham feito a maioria do seu trajecto formativo em Portugal, na selecção portuguesa: uma objectiva, isto é, que legalmente o possam fazer perante as leis do estado português, da FIFA e da UEFA; outra subjectiva, quer dizer, dependente da vontade de FPF, o que, para além de critérios técnicos relacionados com o perfil dos jogadores, envolve questões mais sensíveis de identificação entre público e equipa e que podem variar e evoluir ao longo do tempo. Refiro novamente esta questão quando se fala nas eventuais chamadas à selecção de Liedson e Paulo Assunção. A integração de Deco e Pepe fez-se, com integral sucesso, quando a selecção tinha uma liderança forte, atravessava um período de êxitos e o seu relacionamento com o público estava em alta, facilitando a sua aceitação, algo de muito diferente com o que acontece nos tempos que vão correndo. Para além disso ambos eram, e são, jogadores de 1ª linha a nível internacional, actuando em grandes clubes europeus (Deco foi nessa época campeão europeu pelo FCP, recorde-se), que tinham começado a jogar no campeonato português ainda adolescentes e, quando da sua chamada, em plena fase ascendente das respectivas carreiras. Não querendo excluir liminarmente a possibilidade de Liedson e Paulo Assunção virem a jogar por Portugal, desde que para isso legalmente habilitados, é bom recordar que, antes de ser tomada qualquer decisão, se tenham em conta não só as especificidades de carreira destes jogadores como também a situação conjuntural da selecção portuguesa. Não o fazer pode significar o caminho mais curto para o insucesso, com claro prejuízo de ambas as partes, jogadores e selecção.

Roger Corman classics (37)


" The Haunted Palace" (1963)

domingo, novembro 23, 2008

O Presidente da República, Dias Loureiro e o BPN

Nos últimos tempos, o Presidente da República parece demonstrar alguma dificuldade no modo como utiliza os meios de intervenção e influência de que dispõe. Nos casos em que se esperaria, e requereria, uma intervenção pública, como nos casos da Madeira, terá optado, e preferido, exercer a sua influência de modo mais discreto. Noutras, em que talvez esse modelo resguardado se revelasse preferível, como, por exemplo, na questão do estatuto dos Açores, preferiu o dramatismo encenado de uma comunicação ao país. Agora, quando ninguém questiona, nem nunca questionou, séria e credivelmente, a sua honestidade, e teria sido bem melhor para si e para o país utilizar a sua influência discreta para conseguir a renúncia de Dias Loureiro ao cargo de conselheiro de estado, onde este chegou por sua indicação, resolveu emitir um comunicado desmentindo qualquer eventual ligação ao BPN. Ao preço a que andam os desmentidos, seria bem melhor para todos que se tivesse mantido em silêncio.

A música em Kubrick (3)

Abertura da ópera "William (Guilherme) Tell" (2ª parte), de Gioachino Rossini. Orquestra Filarmónica de Berlim dirigida por Claudio Abbado
Ora já que estamos em Rossini e “Clockwork Orange”, deixemo-nos ficar. “William (ou Guilherme) Tell" foi a última ópera composta por Rossini, em 1929 (o compositor viveu, no entanto, até 1868), e para quem viu o filme de Kubrick fácil é encontrar uma boa razão para a escolha da abertura desta ópera, com libretto de Etienne de Jouy e Hippolyte Bis, para a respectiva banda sonora. William Tell era um rebelde, alguém que se revoltava contra a autoridade, sendo assim quase imediato estabelecer um paralelismo com a personagem "Alex" da obra de Stanley Kubrick. Aliás, quando da sua estreia, a ópera teve, aqui e ali, alguns problemas com a censura da época, tal como aconteceu com o filme de Kubrick em alguns países, incluindo a Grã-Bretanha (Kubrick retirou-o de distribuição) e os USA (problemas com a classificação etária). Também em Portugal, é claro, onde foi proibido. Algo que hoje em dia nos fará apenas sorrir pelo ridículo…

sexta-feira, novembro 21, 2008

Manuel Dias Loureiro

Há frases assassinas, que se colam a quem um dia as pronunciou acompanhando-o para sempre, definindo uma personalidade. Manuel Dias Loureiro pronunciou um dia uma dessas frases (“pai, já sou ministro!”), anunciando de imediato ao que vinha e ao que ia, e a sua vida política e profissional posterior, para quem estava atento aos “bruáá” (a expressão é sua, na entrevista a Judite Sousa), nada mais fez do que confirmar aquilo que essa frase tinha “alto e bom som” anunciado. A entrevista de hoje à RTP1, ou melhor e para começar, a pura e simples necessidade da sua existência e, depois e para terminar, o contraste entre a ingenuidade que pretendeu assumir e a demonstração simultânea de como se negoceia e enriquece à sombra do estado e do serviço público, mesmo quando de forma legal, nada mais fez do que prolongar essa primeira imagem de há tantos anos. Em última análise, louve-se-lhe a coerência.

História(s) da Música Popular (106)

Dionne Warwick - "Don't Make Me Over" (Bacharach & David)

The Swinging Blue Jeans - "Don't Make Me Over" (Bacharach & David)
Bacharach & David (IX)
“Don’t Make Me Over” foi o primeiro tema de Bacharach e David para Dionne Warwik. Várias curiosidades. O verdadeiro apelido de Dionne é Warrick e não Warwick. A confusão - isto agora penso eu - ter-se-á gerado pela semelhança da pronúncia: em inglês de Inglaterra – nos USA não estou certo - o “W” do meio não se lê, neste caso. É “Warick”, tal como se lê “Chisick” e não Chiswick, e, por isso, o nome saiu Warwick na capa deste seu primeiro single e assim ficou. Para a vida! O tema foi-lhe entregue por Bacharach e David em troca de ter sido Dionne a gravar o “demo” de “Make It Easy On Yourself”, cujo original foi posteriormente oferecido a Jerry Butler. Interessante também que este tenha acabado por ficar para história como intérprete de “For Your Precious Love” e tenham sido os Walker Brothers a popularizar “Make It Easy On Yourself”, pelo menos na Europa. Por fim, existe uma interessante coincidência nas duas primeiras gravações de Dionne/Bacharach e David: tanto “Don’t Make Me Over” como o “B” side do seu segundo single, “Wishin’ and Hopin’”, deram origem a versões por parte do chamado "Mersey Sound". No primeiro caso por parte dos “Swinging Blue Jeans” e no segundo dos “Merseybeats” (mas também de Dusty Springfield, a versão europeia mais conhecida). Mais tarde (1966) aconteceria o mesmo a outro tema de Bacharach e David para Dionne Warwick: “Trains and Boats and Planes”, tendo desta vez a cover version sido gravada por Billy J Kramer & The Dakotas.

Bom, resta acrescentar que o tema não passou de #21 e, portanto, o melhor estaria ainda para vir.

Queiroz e o significado de vestir a camisola da selecção

Segundo li ontem, Carlos Queiroz propunha-se falar aos jogadores sobre o significado de vestir a camisola da selecção nacional. Espero bem já tenha desistido, pois cobrir-se-ia de ridículo e teria apenas como retorno mal contidos sorrisos de desdém, perdendo mais um pouco da autoridade que eventualmente ainda lhe possa restar. Scolari (lá vem outra vez o raio da comparação) fê-lo de modo bem mais inteligente, e com resultados positivos: sul-americano – que é – utilizou algum do manancial disponível nas catacumbas da "agit-prop" populista, expondo os jogadores a banhos de multidão de um nacionalismo primário e a acções de solidariedade social. Não se espera Queiroz faça o mesmo, mas, se for inteligente (o que começa a tornar-se em pertinente e permanente dúvida), por certo encontrará algum método mais seu, evitando cobrir-se de ridículo ao debitar palestras sobre o orgulho pátrio a jovens futebolistas milionários.

Roger Corman classics (36)

"The Terror" (1963)

O "gesto de boa vontade" da ministra da educação e o futuro político do governo

Ora vamos lá, mais uma vez, tentar ser claros. A flexibilidade demonstrada ontem pela ministra da educação, o seu estender de mão aos professores e respectivos sindicatos, tem essencialmente um fim em vista: trazer para o seu lado a massa anónima de hesitantes (a “maioria silenciosa” hoje em dia transformada em “povo da SIC”) e aqueles que, como o Presidente da República e as associações de pais, têm apelado ao diálogo e à distensão. Ao fazê-lo, em coordenação com a oportunidade de exprimir as suas posições na “Grande Entrevista” da RTP1, Mª de Lurdes Rodrigues poucas ilusões teria – e terá – no acolhimento que este seu gesto possa gerar nos sindicatos, mas ele permite-lhe que se coloque na posição de “eu e o ministério estamos abertos ao diálogo, vejam a reacção negativa dos professores”, assim esperando robustecer a sua fragilizada posição junto dos sectores que referi. Devo dizer que é uma atitude, à partida, inteligente, mas que esbarra com algumas dificuldades que me parecem difíceis de ultrapassar.

Em primeiro lugar, demonstra claramente que a ministra, ao contrário do que acontece com os sindicatos, não pode, não quer ou não tem coragem de assumir a ruptura, com todas as suas consequências, assim demonstrando à saciedade que as partes estão a negociar em condições de desigualdade absoluta: de fragilidade a ministra e de força os representantes dos professores. Dificilmente estes deixarão de aproveitar a situação, “carregando onde lhes possa parecer mole”. Como na vida de todos os dias, é sempre quem não deseja o rompimento de uma relação, ou aquele a quem um eventual rompimento mais fragiliza, que faz cedências. Esse “horror” ao rompimento, aliás, foi bem visível na entrevista à RTP1, evitando a ministra um discurso de tom essencialmente político (refugiando-se em questões técnico-administrativas), até porque aí se não deve sentir particularmente à vontade, o que é uma das suas fraquezas, e procurando sempre responder ao afrontamento dos sindicatos com "modos" de teor conciliatório.

Por outro lado, qualquer modelo de avaliação que procure alguma justiça nos seus resultados não pode deixar de exigir alguma complexidade inicial na sua definição e implementação, complexidade essa que poderá vir a ser reduzida à medida que os seus agentes se vão familiarizando com o processo e a sua aplicação e adaptação ao terreno vá demonstrando os seus vícios e virtudes. Mesmo admitindo o actual modelo seja demasiado burocratizado (o actual colectivismo centralista dificilmente autoriza que o não seja e a necessária mudança, se não quisermos brincar aos aprendizes de feiticeiros, é trabalho para uma década), uma simplificação excessiva poderá, assim, trazer consigo muito maior injustiça, logo, um aumento da contestação nas escolas. Ou então, pura e simplesmente, transformar-se em algo apenas formal, sem qualquer significado prático.

Que deve fazer, então, um governo que parece cercado à sua esquerda e à sua direita, com alguma contestação no próprio partido que o apoia e a quem o Presidente da República parece não perder oportunidade de tirar o tapete, assim pela “calada” e quando vê a oportunidade de o poder fazer sem grande risco? Retomar a iniciativa perdida, assumindo a possibilidade de ruptura. O que significa assumir o conflito como uma questão política, definir um programa com medidas simples de emergência para a gestão das escolas e, através do primeiro-ministro, explicar politicamente e de forma muito directa aos portugueses o que está em causa e o que se encontra em jogo, com todas as suas consequências. Ah, e depois disso pedir o apoio dos portugueses através de eleições antecipadas, fazendo de um programa com medidas simples e consequentes de modernização da gestão escolar e de melhoria da escola pública, entendível por todos, uma das suas bandeiras eleitorais. Caso contrário, corre o risco ainda maior de deixar apodrecer a actual situação e definhar com ela. Agora escolha, apesar do medo, esse medo que tudo parece tolher.

quinta-feira, novembro 20, 2008

Anglophilia (53)



William Turner (1775-1851)

A mania de inventar...

Acabei agora de ver a primeira parte de um jogo de futebol em que a selecção portuguesa resolveu jogar sem um nº 6, sem um nº 9 e com três jogadores iguais no meio-campo e outros três também mais ou menos iguais no ataque. É claro que está a perder.

quarta-feira, novembro 19, 2008

Uma afirmação à taxista!

Mais grave, bem mais grave do que a talvez ironia de ontem no almoço da Câmara de Comércio Luso-Americana, foram estas afirmações “à motorista de táxi” que põe em causa a verdadeira essência do estado democrático e passaram quase despercebidas: “enquanto o sistema jurídico não for eficaz, o polícia está transformado num palhaço, porque prende um indivíduo e meia hora mais tarde está na rua.” Ou seja, adeus independência do poder judicial, um dos pilares fundamentais do estado de direito. Para Manuela Ferreira Leite, a função desse sistema judicial será, isso sim, apenas caucionar as decisões previamente tomadas pelas polícias. É o reino do arbítrio, o estado policial em todo o seu esplendor. Pena não ter sido confrontada!

A música em Kubrick (2)

Gioachino Rossini - Abertura "La Gazza Ladra" - Filarmónica de Viena dirigida por Claudio Abbado
Devo dizer que o meu conhecimento das óperas de Gioachino Rossini (1792-1868) é relativamente primitivo: não tenho uma única gravação e nunca assisti a qualquer representação integral, ao vivo ou via TV, de uma delas (e são muitas). Mesmo no caso do célebre “tornedó", acho me ficaria pelo “foie gras”, de preferência com um bom Sauternes, dispensando a bem insípida carne de lombo. Mas adiante.

Parece que quando da estreia de “Clockwork Orange” acesa polémica se levantou sobre o recurso à utilização de sintetizadores nas versões de Walter Carlos das aberturas de “La Gazza Ladra” e “William Tell”. Francamente, não me lembro, mas o Hugo Santos se encarregou de trazer o assunto à discussão um outro dia no Ié-Ié. E ainda bem que o fez, já que isso me permite vir a terreiro defender a sua utilização e, com este post, mostrar à evidência quão inadequadas estariam as versões orquestrais “académicas” (chamemo-lhes assim) num filme que, pelo seu conceito, lhes está nos antípodas. Outra curiosidade é que “Clockwork Orange” será talvez o filme de Kubrick que mais recorre à música erudita de “gosto popular”: ambas as aberturas de Rossini o são, como também o é a 9ª Sinfonia de Beethoven. Poder-se-á falar do “Danúbio Azul” de “2001”, também popular, com certeza, mas nesse último filme Kubrick recorre também a algumas peças de Ligeti, por exemplo, que se afastam nitidamente desse paradigma.

Bom, para que se possa avaliar da eventual justeza das minhas afirmações, aqui fica a abertura da ópera “La Gazza Ladra”. A interpretação é da Filarmónica de Viena dirigida por Claudio Abbado (ena!!!)

O "Gato Maltês", José Pacheco Pereira e o creme "Nívea"

O blog “Gato Maltês” está hoje muito “ligeirinho”, o que não é necessariamente sintoma de boa disposição mas mais de afugentar fantasmas. Mas adiante. José Pacheco Pereira falava ontem no seu “Vírus”, no RCP (rubrica radiofónica a não perder), da utilidade insuspeita do creme “Nivea” no tratamento das capas em couro dos livros antigos, restituindo-lhes a humidade e, assim, evitando que secassem e partissem. O “Gato Maltês” - que gosta muito de livros (também de discos e filmes) embora o mais antigo que possui seja apenas uma edição de 1907 de “O Mandarim” de Eça de Queiroz e com uma encadernação recente - com a queda que tem para os sapatos, o que implica o seu tratamento esmerado, não pode deixar de sugerir outras duas aplicações do celebrado creme da caixinha azul relacionadas com este item do vestuário masculino. Pois aqui ficam, muito ao género “Guia de conselhos práticos para tratar do seu calçado”.
  • Aplique-o (ao “Nívea”) na sola dos sapatos (quando esta for de couro, evidentemente). Assim, a sola humedece, fica mais flexível e quebra com muito menos facilidade, evitando romper-se (e um par de solas novas "como deve de ser" é bem caro!). Tenha, no entanto, o cuidado de deixar secar e só tornar a utilizar os sapatos no dia seguinte, dando então os primeiros passos com o cuidado suficiente para não malhar com o corpinho (ou o corpanzil) nos escorregadios e ondulados passeios lisboetas.
  • Use-o, do mesmo modo como aplica graxa nos sapatos “de cidade”, nos chamados “docksides” (ou “sapatos de vela”, à portuguesa), desde que estes não sejam de camurça ou "nubuck". Ficam como novos e duram eternidades. Devo avisar os mais tementes que a receita não é minha, mas da Timberland que vende um creme específico para o efeito. A história é muito simples: aqui há uns anos (mais de dez?) tendo-se acabado a minha bisnaga do dito creme, desloquei-me à loja Timberland para comprar uma nova. Como estava esgotado em Portugal, o solícito empregado sugeriu usasse creme “Nívea” em sua substituição. Mau negócio para a Timberland, já que, a partir daí, fiel ao “Nívea” fiquei. É melhor e mais barato!

    E pronto. Dixit et fecit.

Sarah Palin vs Ferreira Leite


No "Bicho Carpinteiro", Joana Amaral Dias assinala algumas semelhanças entre Sarah Palin e Manuela Ferreira Leite. Veja aqui e agora as diferenças!

terça-feira, novembro 18, 2008

"Mio Dio, come sono caduta in basso!"

Se as declarações de Manuela Ferreira Leite sobre a democracia ou a respectiva ausência não foram objecto de uma interpretação errónea, nada mais tenho a acrescentar ao que muitos vão dizer sobre as suas convicções democráticas. Ou melhor, a ausência delas. Abstenho-me, por isso, de contribuir para o aumento do ruído.

Se, de facto, o PSD tem razão e foram mal interpretadas, Ferreira Leite demonstra uma vez mais, e de forma recorrente, a inabilidade para exprimir as suas ideias em público, reforçando apenas a convicção daqueles que, como eu, sempre pensaram que estamos na presença de alguém honesto mas politicamente medíocre, sem qualquer sucesso, do qual se possa minimamente orgulhar, obtido durante as suas passagens pelos governos que integrou.

Roger Corman classics (35)


"The Raven" (1963)
"The Raven" - movie trailer

Helena Matos e avaliação de professores (uma vez mais)

Helena Matos volta hoje no "Público" (só para "assinantes") a confundir avaliação de escolas e avaliação de professores. Por isso, volto também a transcrever o que aqui escrevi no dia 15 de Março deste ano.
"...o mercado, mesmo que funcionando de forma perfeita o que só acontecerá na cabeça de Helena Matos ou nos “modelos” económicos que se utilizam como simplificações da realidade (haverá sempre constrangimentos sociais, geográficos, etc e, mesmo que os não houvesse, o resultado final seria sempre “os melhores alunos para as melhores escolas” com toda a discriminação daí resultante que é contrária à inclusão que o ensino público deve promover), apenas poderia avaliar escolas e nunca os respectivos professores, do mesmo modo que esse mesmo mercado pode avaliar empresas, premiando com o sucesso as mais competitivas, mas não cada funcionário e colaborador dentro de cada uma delas, algo que estas não se dispensam de fazer sem que alguém se lembre, talvez com a natural excepção da CGTP, de acusar as respectivas administrações de estarem a recorrer a um “mecanismo autoritário ou de controlo”."

segunda-feira, novembro 17, 2008

A PSP e as claques

O meu entusiástico aplauso à PSP pela acção levada a efeito contra os “No Name Boys”. Apenas pecou por tardia. Fico ansiosamente à espera de acção semelhante contra as Sturmabteilung do FCP e o seu Oberster SA-Führer, Madureira.

A Guerra Aqui (Mesmo) Ao Lado (37)

Votad al frente Popular. Amnistí
G.R.S.A. Poster, 4 colors; 101 x 69 cm.
"In the 1930s, the Comintern began focusing on the growing threat of fascism in Western Europe. As part of a strategy to check the spread of fascism, the Comintern supported the formation of unified political parties with any other leftist political groups committed to opposing fascism. In Spain, the Popular Front (Frente Popular) brought together various parties on the political left in January 1936 to focus on winning the upcoming national elections. The strategy was successful as the Popular Front secured 34.3% of the vote and a majority of seats in the Cortes. Short after taking power, the Popular Front leaders began taking bold political steps, to the dismay of many moderates and political conservatives, such as freeing of leftist political prisoners from jail without any due process of law, giving back to Cataluña much of its previous political and administrative autonomy, and taking more initiative on agricultural reforms. As part of their political strategy, the Popular Front sought to dominate the Spanish government and push out all political conservatives. This agenda was dramatically made clear when Manuel Azaña, a prominent member of the Popular Front, took presidency away from the moderately conservative Niceto Alcalá-Zamora. In this political assault on conservatives, many Spanish Army officers began considering a plan to restore a more conservative Spanish government. Within months, the plan became a reality as General Franco and several other disaffected Spanish officers attempted the coup d'etat that eventually became the Spanish Civil War on July 17, 1936.

In the poster, a poor woman and her child gaze up at a prisoner as she castes her ballot into a voting box. The message of the poster is straightforward: "Vote for the Popular Front." The image seems to be a reference to Popular Front's aims to grant amnesty to all political prisoners and to release them from prison. As we know, the Popular Front achieved this goal after winning a political majority in the elections in February of 1936. In the bottom left corner, a businessman, identified by his top hat, watches the scene while a conspicuous outline of the crown floats next to the businessman's top hat. The proximity of these two icons - the top hat and the crown - may be the artists attempt to underline the association between conservative political parties and business interests. This association helps to emphasize the Popular Front's desire to be represented as a party of the laborer and the working class. The term "amnesty" is a clear reference to the Popular Front's plan of freeing political prisoners. One of the benefactors of this policy was Lluis Companys, the President of the Generalitat of Cataluña, who had been jailed in 1934 over a dispute regarding the autonomy of the Catalonian government.

A group with initials, G.R.S.A., produced this poster. It is unknown what these initials stand for or who is the artist of the image."

Sugestão

No meio de tanto dinheiro esbanjado sem sentido, porque não contrata o ministério da educação a uma empresa credível de consultoria internacional (por exemplo, Roland Berger, Boston Consulting Group, McKinsey, A. T. Kearney) um estudo sobre a reorganização do ensino público, nele incluindo toda a definição da carreira docente, com respectivo modelo de avaliação de desempenho, estatuto do aluno, organização das escolas e do próprio ministério, etc, etc? Estou certo os resultados pouco ou nada agradariam aos professores, quiçá também não demasiado ao ministério, mas seria bem interessante analisar as conclusões.

A música em Kubrick (1)

Vera Lynn - "We'll Meet Again"

The Byrds - "We'll Meet Again"
Devo começar por dizer que, não sendo um indefectível de Stanley Kubrick, também não poderei dizer que, por vezes, ele não me entusiasmou, muito menos que não o considere um cineasta com uma importância muito particular, única, na história do cinema. Curiosamente, também, os meus filmes favoritos de Kubrick sejam, se a memória de algumas críticas que li in illo tempore não me atraiçoa, alguns dos mais mal amados por essa mesma crítica, como “Barry Lyndon” ou o último “Eyes Wide Shut”, um notável “manifesto” sobre o desejo e o prazer filmado por quem estava perto da morte. Outros considero-os bastante datados, tais como “2001” ou “Clockwork Orange”: não os consigo ver hoje sem pensar no porquê de tanto me terem impressionado, o que não invalida que não tenham sido os mais marcantes. Claro que o humor de “Dr. Strangelove” ainda hoje me diverte tanto como quando o vi pela primeira vez algures na Europa (estava proibido em Portugal), não tendo, este sim, perdido a sua actualidade apesar do fim da guerra fria. Também para “Paths of Glory” e “The Killing” vão algumas das minhas preferências moderadas, deixando para o fim dois que positivamente pouco ou nada me dizem (“Full Metal Jacket” e “Shining”) e um, “Spartacus” que constituirá todo ele um capítulo da história de Hollywood, tanto por questões ligadas às actividades políticas de Dalton Trumbo (foi um dos 10 de Hollywood e escreveu o argumento sob pseudónimo - era comum isso acontecer em casos semelhantes ou, então, existir um “testa de ferro” que se apresentava como autor, situação bem retratada no filme “The Front” de Martin Ritt/Woody Allen) como dos percalços de produção: esteve para ser dirigido por David Lean, começou a ser realizado por Anthony Mann e acabou nas mãos de Kubrick, não sem que grandes problemas entre este e Trumbo (mais tarde vi um demasiado pacifista, mas perturbador, “Johnny Got His Gun” realizado por este) tenham surgido. Por essas razões foi, durante muito tempo, um filme muito acarinhado pela esquerda comunista (Trumbo foi membro do Partido Comunista Americano), o que, acho, o sobrevalorizou enquanto filme. Claro que o tema é a luta dos escravos pela liberdade, o que lhe confere um valor e um mérito político próprios, mas, descontando isso e alguma retórica, o filme, desculpem-me a heresia, não andará muito longe de um excelente “sword & sandals”.

Bom, mas o que me traz aqui hoje é o papel da música em Kubrick e, principalmente, o modo como soube utilizar com maestria e a propósito temas previamente existentes, uns adaptando-os, quando isso era essencial ou importante para a estrutura do filme (seria impensável um “Clockwork Orange” com as versões originais e sem Walter Carlos e os sintetizadores) noutros casos mantendo as versões ou interpretações de origem (estou a lembrar-me da “Musica Ricercata”, de Ligeti, em “Eyes Wide Shut”). Pese embora hoje possamos achar (eu acho) demasiado óbvias e fáceis algumas dessas ligações (estou a lembrar-me do “Danúbio Azul” e de “Also Sprach Zarathustra”, este último, a partir daí, usado um pouco por todo o lado para “aberturas dramáticas”, desde congressos políticos a reuniões de empresa), muitos da minha geração chegaram à música erudita através de Kubrick. Por outro lado, e se me permitem que pessoalize (para todos os efeitos este é um blog pessoal), Kubrick dá-me a oportunidade de conjugar duas das minhas paixões da vida: a música e o cinema.

Passando ao modus operandi, e para que esta nova rubrica não se torne demasiado óbvia, sempre que possível tentarei aqui apresentar interpretações diferentes daquelas que foram utilizadas por Stanley Kubrick nos seus filmes e, para começar por algo bem simples, “We’ll Meet Again”, que acompanha a sequência final de “Dr. Strangelove”, parece-me uma boa solução. Kubrick utilizou, com óbvia ironia para quem se lembra da sequência, o original de Vera Lynn (1939), uma optimista canção de despedida para os soldados britânicos que iam combater na Europa, na WWII. Curiosamente, e tendo por aqui apresentado excertos de “Lipstick On Your Collar”, convém lembrar que a canção foi também utilizada na série “The Singing Detective” de Dennis Potter. O tema foi objecto de variadíssimas versões posteriores (Byrds, Turtles, Johnny Cash). Por isso, junto também a dos Byrds, do álbum “Mr. Tambourine Man”, talvez a minha favorita. E por Kubrick por aqui continuarei, nos tempos mais próximos, sem qualquer preocupação cronológica.

domingo, novembro 16, 2008

Roger Corman classics (34)

"The Young Racers" (1963)

"E Alegre se fez triste" - a entrevista ao DN e TSF

Se é possível detectar uma teoria, um fio condutor ideológico no discurso político de Manuel Alegre, através da análise da sua entrevista de hoje à TSF e DN (ver também o "Público"), eles estarão certamente muito próximos de um certo justicialismo peronista, de um populismo com traços marcantes de alguns regimes sul-americanos de meados do século XX. Um certo nacionalismo conservador, muito evidente no permanente apelo aos oito séculos de História, à existência de Portugal enquanto país independente. À pátria, tão presente na sua poesia de combate e resistência. A necessidade de valorização da “terra” enquanto factor de riqueza e a referência constante a uma certa autarcia de recursos (neste caso, diferente do apelo do PCP ao desenvolvimento do “sector produtivo”, pois no caso dos comunistas esse desenvolvimento é condição sine qua non da continuidade da sua existência enquanto ideologia e partido). A obrigatoriedade de se referir à defesa da continuação de Portugal como membro da UE para que se não veja no seu discurso muito mais que apenas um eurocriticismo soft. A crítica à, soit disant, incapacidade de sindicatos e partidos (de Mário Nogueira, posteriormente, ouviu o que não queria, fazendo figura de principiante político face ao PCP ) para enquadrarem e dirigirem os cidadãos e os movimentos reivindicativos. O elogio à autonomia popular e o papel de certo modo messiânico que a si mesmo se atribui nesse campo, etc, etc. É, como disse, um discurso político pouco habitual na Europa dos dias de hoje (excepto, talvez, em algumas sociedades do antigo bloco soviético – não sei) e, juntamente com a importância política e social ainda reconhecida ao PCP e a extrema dificuldade do Bloco de Esquerda em assumir, de vez, um discurso e uma prática política pós-modernas, um sintoma inequívoco do nosso atraso.

sábado, novembro 15, 2008

"Lucy in the Sky with Diamonds" (20)

Byrds

Um "post" com 8 meses. No entanto, muito actual

Escrito a 8 de Março deste ano após a 1ª grande manifestação dos professores:
"O governo deve preparar-se para uma guerra longa na área da educação, só assim, pela determinação e pelo desgaste, tendo alguma possibilidade de a vencer. Mas, para o fazer deve retomar rapidamente a iniciativa, deixar a defensiva e a timidez que o têm caracterizado nos últimos dias e enfrentar directamente a contestação, cara a cara e olhos nos olhos, à Thatcher. Chamando as “coisas pelo seu nome”. Desafiando o conservadorismo e o poder dos sindicatos, mas também utilizando o didactismo e a pedagogia sempre que necessário e evitando as operações propagandísticas e os eventuais tiques de autoritarismo gratuito. Só assim ganhará para si o respeito da maioria dos portugueses, para o caso de, eventualmente sem condições de levar para diante as reformas no sector da educação, se vir obrigado a pedir a convocação de eleições antecipadas, aproveitando o actual momento de desnorte e fragilidade da oposição. Um cenário que pode parecer longínquo, mas que uma análise mais profunda, depois do dia de hoje, não afastará assim tanto do horizonte e até talvez possa vir a ser a solução definitiva. É que, depois deste dia, talvez se compreenda também, um pouco melhor, porque Guterres se demitiu e Barroso “fugiu” para Bruxelas, ou porque D. Carlos I resolveu chamar João Franco a formar governo."

As "cambalhotas" da crítica política

Curioso, curioso mesmo, é ver o modo como a comunicação social tantas vezes verbera o comportamento dos partidos políticos, a sua lógica de funcionamento frequentemente centrada em objectivos próprios enquanto corpo institucional esquecendo o país, e, depois, nas suas análises e comentários, acaba por reproduzir esses mesmos comportamentos e basear as suas críticas nessa mesma lógica de pensamento, defendendo implicitamente esse corpo normativo inorgânico que antes tanto criticara. Querem um exemplo? Muito simples. Depois de passarem décadas a criticar os partidos por governarem de acordo com e para as sondagens, para agradar aos seus próprios militantes e, principalmente, quadros no poder, acabam por centrar a sua crítica, o seu ataque à ministra Mª de Lurdes Rodrigues, há que dizê-lo sem qualquer pejo de ferir os que nunca foram virgens vestais, na hipótese do PS perder a maioria absoluta se não ceder na questão dos professores. Quer isto dizer, como afirmei em post anterior, que a crítica centra-se agora não naquilo que tinha sido sempre criticado (governar em função das sondagens), mas exactamente no seu contrário, isto é, na tentativa de, governando, implementar as suas próprias ideias. Chama-se a isto criticar de acordo com as circunstâncias e em função dos objectivos. Mais corriqueiramente, chamar-lhe-ia desonestidade.

sexta-feira, novembro 14, 2008

O Orçamento de Estado e a fábula do sapo e do escorpião

Fernando Teixeira dos Santos acaba de afirmar que não é fácil fazer previsões neste momento. Claro que não é. Mas, pelo menos, não parecia ser difícil excluir, à partida, as mais improváveis, e o que o governo fez foi basear o orçamento de estado em algumas delas. Infelizmente, parece-me, sem necessidade, já que podendo compreender o governo não possa, nem deva, transmitir uma imagem de pessimismo derrotista, também ninguém lhe exige, antes pelo contrário, que seja fantasioso. Ao tê-lo sido, está a colocar em causa a imagem daquele que será, talvez, o seu ministro mais bem sucedido e, por consequência, do governo no seu todo. Sem necessidade, repito, por isso me parecendo a ideia pode não ter partido do Ministro das Finanças. À bon entendeur... É que, provavelmente, estaremos perante a enésima repetição da tão conhecida história do sapo e do escorpião, e fazer algo de diferente seria contra a natureza de alguém. Wishful thinking, deveria ter sido o comentário apropriado a emitir por Teixeira dos Santos na altura certa. Ou, utilizando o jargão das empresas para casos semelhantes, o papel, ou a "pen", aceitam tudo. A realidade, os portugueses e a oposição é que certamente não. É que não havia mesmo necessidade...

Bernardo Marques (9)

Capa de Bernardo Marques para "Amores Infelizes" de João Gaspar Simões (1934)

Ainda a avaliação dos professores - ou as questões de princípio

When I woke up this morning, como diria qualquer bluesman fiel á sua música e aos seus princípios e valores, fi-lo, como sempre, com recurso a um noticiário da TSF, neste caso o das 7.30h. Fiquei logo a perceber que o tema do dia, que depois confirmei ir ser o do Fórum - que não ouvi - seria o perigo do PS perder a maioria absoluta por mor da contestação dos professores e, agora, segundo parece, de alguns alunos. Duas notas.
  • Primeiro, parece-me que existe aqui algum raciocínio virado upside down, pois pergunto-me se o objectivo será um partido conseguir uma maioria absoluta para governar de acordo com as suas ideias ou esse mesmo partido governar, se calhar sem ideias, de modo conseguir uma nova maioria absoluta. Cruel dilema, como dizia o Narciso Canalizador/Vasco Santana do “Pátio das Cantigas”, mas não me parece que uma maioria absoluta - ou, pura e simplesmente, ser governo – sirva de alguma coisa se não for para governar tentando tudo para implementar as suas ideias. A memória Guterrista parece se desvaneceu cedo, mesmo para aqueles que o criticavam, e muitos ou mesmo quase todos já se terão esquecido de como a história acabou.
  • Segundo, vejo e oiço demasiada gente que defendeu a actual equipa ministerial passar agora ao ataque esquecendo o essencial (a reforma do sector em defesa da qualidade da escola pública) e assumindo o acessório (a discussão sobre a “bondade” deste processo de avaliação). Talvez o problema seja, quando tudo parece complicar-se, começar desde já a abandonar o navio e preparar o transbordo para o seguinte. Ou então concluir que nada melhor para deteriorar a qualidade da escola pública do que deixar tudo como está. Mas a questão a colocar àqueles que contestam o proposto sistema de avaliação, que, admito - mais, acredito - tenha falhas e seja demasiado burocrático e complexo, é antes a seguinte: os sindicatos e os professores aceitam, como princípio, um sistema de avaliação, com quotas e parâmetros objectivos e subjectivos, em que os professores sejam avaliados pelas respectivas hierarquias, i. e, conselhos directivos, não-eleitos pelos professores, e coordenadores de disciplinas e/ou directores de turma (peço desculpa se não é esta a denominação exacta)? Em que o vencimento e progressão na carreira seja, fundamentalmente, resultado dessa avaliação? Em que a antiguidade seja um factor com baixa ponderação e a nota de curso perca relevância ao longo dos anos? Em que as diferentes universidades de licenciatura tenham ponderação diferenciada? Em que o facto de terem exercido funções de chefia e coordenação, nos últimos anos, seja valorizado? Em que o progresso efectivo dos alunos seja parte dessa avaliação?

    Se sim, o diálogo estará aberto, com certeza. Se não...

João Martins Pereira (1932-2008)



Com ele, com salutares discordâncias e concordâncias, mas sempre com inteligência, aprenderam muitos da minha geração a conhecer melhor Portugal.

A "Grande Entrevista" com Carlos Queiroz

Se existe algo em que todos poderão estar de acordo em relação a Luís Filipe Scolari é que ele foi capaz de separar claramente as águas: havia os dele, que defendia a todo o custo, e os outros, que ignorava ou votava ao ostracismo, por vezes não hesitando em críticas públicas. Tinha as suas ideias e só as mudava em circunstâncias extremas, pouco se importando com pressões e influências. Tinha amigos e inimigos, e nomeava estes em público. Afrontava as críticas e os críticos com rara frontalidade, usando frases que fizeram história. Por vezes procurava mesmo fazer “sair da toca” os seus inimigos. Talvez por isso tenha sido bem sucedido e, quanto a mim (algumas discordâncias à parte), estabelecido um saudável contraste com aquele que é, maioritariamente, o comportamento dos portugueses.

Lembrei-me disto ao ouvir ontem, na RTP (“Grande Entrevista” com Judite Sousa), o discurso redondo e enfadonho, muito ao estilo “português suave”, de funcionário público, de Carlos Queiroz, cheio de frases feitas e oco significado ao estilo “é uma honra e uma missão treinar a selecção” e “todos os jogadores têm sido inexcedíveis e dado o máximo” (se fossem professores eram todos “excelentes”, acrescento eu). Mais, “que quando vai assistir a um jogo tem de se sujeitar aos lugares que lhe disponibilizam e não pode recusar sentar-se ao lado de um presidente de clube”. Talvez seja exactamente por este tipo de discurso que apenas tenha tido êxito como adjunto, onde a liderança não tem peso específico. Será que já ouviu dizer que um excelente número dois raramente será um bom número um? Oxalá seja ele uma das excepções, mas começo a duvidar seriamente.

quinta-feira, novembro 13, 2008

Quim Barreiros teve um antepassado!


Conjunto António Mafra - "O Vinho da Clarinha"

Para a maior parte da minha geração - a dos Beatles e da “British Invasion” - tudo o que não fosse música de origem anglo-saxónica, com uma ou outra incursão, nem sempre muito convicta, pela chamada “canção de texto” de língua francesa, era considerado blasfémia, traição à música que moldava e estava na base das mudanças em curso, nos valores e comportamentos. Mais tarde, já pela segunda metade dos anos 60, começámos a ouvir melhor José Afonso, ainda no tempo das baladas coimbrãs, antes da rendição definitiva aos “pais fundadores”, juntando a este, já Abril se aproximava, Adriano, José Mário Branco e Sérgio Godinho.

Mas isto acontecia connosco, jovens urbanos, estudantes pertencentes a uma elite. Havia um outro Portugal, o dos bairros populares, o do folclore rural. Também o da geração dos nossos pais, que venerava Sinatra, Tony Bennett, as grandes orquestras, o festival de San Remo e até talvez tivesse alguma abertura para com os Calvários e Madalenas, o Eugénio Pepe e o Galarza, enfim, a música pré rock & roll.

No meio disto tudo, como classificar António Mafra? Era “bimbo”, claro, com ressonâncias de ruralidade, ou melhor, pertencia àquele território do norte, do Porto-cidade onde a ruralidade ainda se misturava (e, aqui e ali, isso ainda acontece) com uma vivência urbana mal e recentemente assumida. Diria que é um hinterland muito específico, que talvez esteja em extinção e não é possível encontrar em qualquer outro lado. Mas, o tom fácil das melodias e o jocoso, muitas vezes brejeiro, das letras cedo também nos "caiu o goto", num tempo em que pequenas coisas hoje inocentes eram suficientes para afirmarmos a nossa identidade de geração, a nossa irreverência fosse face aos mais velhos ou ao regime. Por isso lhe achávamos graça e, volta e meia, lá se incluía um tema numa festa de garagem ou o trauteávamos, para escândalo geral, no autocarro que nos levava e trazia do liceu. Foi, podemos dizê-lo com total verdade, um antecessor de Quim Barreiros, mas com uma outra elegância, um sentido de humor mais “fino”, como diriam no norte.

Mais tarde, por via do correr dos anos e do nosso envelhecimento, da adaptação de Sérgio Godinho de um dos seus temas (“O Carteiro”), virou kitsch, o “piroso artístico”, como diz um amigo meu. Fosse o que fosse, seja o que seja, quando saiu uma sua colectânea em CD corri a comprá-la e, tal como acontece com os filmes de Vasco Santana e António Silva, não consigo deixar de rir cada vez que oiço um dos seus temas.

Pois aqui deixo a minha homenagem pelo tanto que me divertiram e, como estamos no S. Martinho, nada mais apropriado do que este tema, bem definidor do que era a música do grupo.

Qualidade dos professores e avaliação

Ontem à noite, durante um debate sobre a avaliação de professores na RTP N, a determinado momento foi inserida uma legenda em rodapé onde se podia ler que para a colocação de professores, a realizar em 2009, apenas a nota de curso e a antiguidade eram consideradas. Difícil imaginar algo mais iníquo e injusto. Em primeiro lugar porque se considera como um dos factores principais de selecção algo que pode ter acontecido há muitos anos, há décadas, mesmo, sem qualquer repercussão anos depois nas qualidades pedagógicas e didácticas do professor e sem distinção entre prestígio, qualidade e posição no ranking das universidades onde foi obtida a licenciatura. Em segundo lugar, porque antiguidade está muito longe de ser sinónimo de qualidade, como todos sabemos. Por último, porque em parte alguma se entra em linha de conta com a capacidade de cada um, enquanto professor incluindo aqui todas as tarefas que lhe incumbem, avaliada nos anos mais recentes da sua carreira. E, no entanto, nunca nada disto foi considerado injusto pelos sindicatos e pelos professores ao ponto de os mobilizar como hoje. E porquê?

Sem uma avaliação credível todos vão progredindo sem grande esforço e temos de ter em consideração que a maioria dos professores não serão indivíduos muito predispostos à competitividade. Pelo contrário – haverá excepções –, dedicaram-se ao ensino por não encontrarem colocação em outras actividades, quer por via do curso que escolheram, quer por serem oriundos de universidades com pouco prestígio ou com más classificações de curso. Muitos também por comodismo, e no ensino encontraram assim uma carreira que vai ao encontro da sua personalidade e a potencia. Há excepções, claro, e conheço uma ou outra, mas apenas servem para confirmar a regra. Ora a antiguidade nivela por baixo, algo que lhes é favorável dado o seu background, e sabem que perante uma avaliação credível, com quotas, apenas uma minoria progredirá com rapidez, já que, como na vida, raros são os génios e poucos são os que conseguem sobressair da multidão. Pode ser duro de ouvir, mas é a realidade que tem de ser dita.

Por outro lado, sem o actual modelo colectivista – em que o professor e a escola têm uma capacidade de escolha muito limitada, em que apenas a antiguidade conta, a nota de curso persegue o professor para toda a vida como um anátema, ambos tornando inútil qualquer esforço de melhoria por ausência de recompensa, e não existe avaliação pelos superiores hierárquicos, etc, etc – o poder dos sindicatos tenderá a diminuir de modo drástico, como aconteceu nos sectores exteriores à função pública. Daí as queixas que se ouvem, vindas dos sindicatos e repetidas “por simpatia”, sobre o “mau ambiente” e o “pôr professores contra professores” que o novo modelo pode gerar. É uma luta pelo poder em que, por circunstâncias várias, como se viu acima, a Fenprof e o PCP conseguem conjunturalmente agregar uma frente alargada.

O novo modelo de avaliação é burocrático, ocupa tempo, causa injustiças, etc, etc? É provável, mas essa está longe de ser a questão-chave, face ao que acima se descreveu, e não será nada que a colaboração e o bom senso não consigam ultrapassar. O ministério tem as suas responsabilidades no conflito? Admito que sim; a surpresa seria o contrário. Mas a maior de todas essas responsabilidades é pensar que estava a lidar com gente honesta, qualificada, competitiva e, portanto, com qualidade. Como se comprova, na grande maioria dos casos não está.

Les Belles Anglaises (XVI)










Jaguar SS 100 (1936-1940)

quarta-feira, novembro 12, 2008

Os direitos constitucionais segundo o PR

Acabei de ouvir o Presidente da República declarar na RTPN que os professores têm constitucionalmente direito a manifestar-se. Sem dúvida. Seria o primeiro a lutar por isso caso esse direito lhes fosse negado. Pena que Cavaco Silva não seja tão veemente na defesa dos direitos constitucionais dos deputados da oposição madeirense e na exigência do cumprimento da legalidade constitucional nesta região autónoma. Lamentável...

Dos pepinos tortos(!)

Durante todo o dia tenho ouvido nos noticiários ser a calibragem da fruta e a rejeição de pepinos tortos(!!!) uma imposição de Bruxelas, como se a UE fosse uma entidade exterior a Portugal, onde o país não tivesse voz própria e da qual não fosse parte de pleno direito. Depois venham queixar-se do eurocepticismo!

Roger Corman classics (33)

"Tower Of London" (1962)

História(s) da Música Popular (105)

Tommy Hunt - "I Just Don't Know What To Do With Myself" (Bacharach-David)

Dusty Springfield - "I Just Don't Know What To Do With Myself" (Bacharach-David)
Bacharach & David (VIII)
A música popular está cheia de histórias como esta: obscuros “B” side que se tornam êxitos mais tarde, na voz ou som de outro ou outros intérpretes. Estou a lembrar-me, por exemplo, de “The Twist”, que já por aqui passei a propósito da “Dance Craze”: de um ignorado “B” side de Hank Ballard a mega sucesso de Chubby Checker. É a vida... Ou melhor, foi!

O de hoje é um caso semelhante. Parece que por uma questão de saias” (dizem as boas e as más línguas), “I Just Don’t Know What To Do With Myself”, originalmente (1962) interpretado por Tommy Hunt, foi mal ou nada promovido e a composição de Bacharach e David tornou-se num flop notório. Mais tarde (1964), a britânica Dusty Springfield recuperou o tema e fez dele um êxito (#3 no UK), continuado pela versão de Dionne Warwick em 1966. Resta acrescentar que Tommy Hunt fez parte dos Flamingos, um grupo "Doo-Wop" cujo principal sucesso se chama “I Only Have Eyes for You” e é, de certeza, um dos meus temas "Doo-Wop" favoritos. Mas, falando francamente, tanto a versão de Dusty (Mary Isabel Catherine Bernadette O’Brien - “Dusty” advém do facto de ser uma “maria rapaz” e a sua sexualidade foi alvo de “mexericos” até à sua morte em 1999), que gravou outros temas de Bacharach e David tais como “24 Hours From Tulsa” e “The Look Of Love” (faz parte da banda sonora de "Casino Royale", o primeiro) , como de Dionne são de facto bem superiores.

E eis senão como, sem a presença de Dionne Warwick, este post constitui uma boa introdução aos próximos capítulos, os da sua colaboração com Bacharach e David. Lá virão!
Nota: o "Gato Maltês" agradece ao LT a sua colaboração neste post.

Um dia na vida do autarca Isaltino Morais...

Ouvi hoje de manhã, no RCP, o presidente da Câmara Municipal de Oeiras, Isaltino Morais, descrever como iria ser o seu dia. Depois de dizer que entre as 9h e as 10h leria a imprensa e beberia café, Isaltino declarou que teria uma reunião entre as 10h e as 12h, finda a qual teria um almoço com um empresário. Regressaria às 15h para mais reuniões e assuntos de trabalho e voltaria para casa por volta das 21h, muito feliz porque hoje o conseguiria fazer cedo.

Deixo alguns conselhos ao ilustre autarca. Tente chegar ao seu local de trabalho ½ hora mais cedo. Se puder ser uma hora ainda melhor. Como deve viver no concelho e ter carro com motorista, isso não deve ser por demais complicado. Por certo terá alguém na Câmara que lhe prepare antecipadamente o que ler, o que, estou certo, lhe irá poupar algum tempo, desse modo podendo começar a reunião da 10h pelo menos meia hora mais cedo. Outro conselho (com “s”, já que com “c” deixe-se estar onde está que pelo vistos bem o merecem e apreciam). Tente almoçar qualquer refeição ligeira no seu local de trabalho (há empresas de catering que as fornecem com muita qualidade), enquanto trata dos assuntos que tem a tratar com o tal empresário, que lhe ficará grato com a familiaridade assim demonstrada de lhe dar a honra de com ele almoçar num ambiente reservado. Uma hora e meia, no máximo, é mais do que suficiente. Olhe que até lhe dar um ar de maior eficácia (“à americana”, como dizia o carteiro do “Há Festa na Aldeia” do Tati), emagrece, que bem precisa, e ainda lhe aumenta a esperança de vida. Ah, e ainda é capaz de aligeirar o orçamento da autarquia! Claro que a reunião das 15h pode assim passar para 14h.

Se seguir estes conselhos vai ver que a tarde lhe corre melhor, vai trabalhar com mais à vontade e decidir com mais rigor e, last but not least, poderá regressar ao “rimanço” do lar aí pelas 19h, 19.30h, no máximo. Isto para o caso de querer, claro, por lá também o quererem e assim se sentir bem. “Bute lá” experimentar? "À americana, à americana"!

A SIC N debateu(?) ontem a avaliação de professores

Na sua campanha contra a actual equipa do Ministério da Educação, a SIC Notícias resolveu convidar ontem, para debater a questão da avaliação de professores, três “bonzos”, todos eles tendo feito a maior parte da sua carreira no ensino – fazendo, portanto, parte da corporação - e, mais ainda, todos eles ex-ministros da educação do tempo em que o único trabalho visível que o ministério produzia era a abertura de um concurso para colocação dos professores e em que, portanto, o seu trabalho era avaliado pelo modo como funcionava o software utilizado e pela eficácia no cumprimento das datas de abertura do ano lectivo. O resultado de tudo isto foi ter deixado a gestão do ensino entregue à respectiva corporação, sindicatos do sector (com destaque para a Fenprof) e PCP, com os resultados que todos conhecemos. Apesar de algum equilíbrio e bom senso demonstrados por Marçal Grilo (o que deve ser realçado), quem quiser conhecer as verdadeiras razões que deram origem ao actual estado de coisas não tem mais do que ouvir o debate, e ver a que género de gente tem sido entregue o poder de gerir a educação em Portugal. Pode fazê-lo aqui.

terça-feira, novembro 11, 2008

"Les haricots sont pas salés" - old time cajun music (6)


Moise Robin - "J'Veux m'Marier" (Mais les poules pend pas)

"Remembrance" - "The Poppy Appeal"


"Hoje, dia 11 de Novembro, em que se celebra o dia o armistício que pôs fim à Grande Guerra (às 11 horas de dia 11-11-1918), milhões de britânicos usam esta papoila na lapela, símbolo do seu respeito por aqueles seus concidadãos que morreram nessa guerra e nas restantes, fossem elas justas ou injustas. Em Portugal, quando eu era criança e ainda havia alguns sobreviventes da participação portuguesa na Flandres, o meu pai, que nunca sequer foi militar, mesmo do serviço obrigatório, ostentava durante alguns dias, na sua lapela, não me lembro se nesta altura se em Abril, quando do aniversário da batalha de La Lys, uma miniatura de capacete militar, símbolo da sua homenagem aos que aí tinham morrido e também da sua contribuição para que essa memória se mantivesse viva. Talvez fosse também uma maneira possível daqueles que contestavam a ditadura isolacionista afirmarem essa sua oposição e a adesão aos ideais da República e da democracia, admito-o, mas penso isso acabava por se diluir na homenagem sincera aos antigos combatentes. Depois, os já raros sobreviventes da Grande Guerra foram desaparecendo e Portugal não tinha participado na II Guerra, a da geração do meu pai. E, com a guerra colonial, o termo combatente ou antigo combatente tomou conotações ideologicamente muito definidas, à direita: a ditadura fomentou-o, à esquerda radical deu-lhe algum jeito e os antigos combatentes, infelizmente, deixaram que isso assim acontecesse. É pena, pois Portugal tem bem razões para se lembrar de todos aqueles que, um dia, pelas boas ou más razões, independentemente da sua vontade ou determinados por ela, em ditadura ou democracia, mesmo que numa guerra injusta, morreram ou se sacrificaram, por vezes sabe-se lá porquê e até contra as suas ideias e ideais, nos campos de batalha de uma qualquer guerra. Até por que é a uma dessas guerras, embora injusta e muito por essa razão, que Portugal deve a democracia e a liberdade, enfim, um passo muito grande no caminho daquilo que conhecemos como fazendo parte da civilização. "
Post publicado a 11 de Novembro de 2007
In Flanders fields the poppies blow
Between the crosses, row on row
That mark our place; and in the sky
The larks, still bravely singing, fly
Scarce heard amid the guns below.

We are the dead. Short days ago
We lived, felt dawn, saw sunset glow,
Loved and were loved, and now we lie
In Flanders fields.

Take up our quarrel with the foe;
To you, from failing hands, we throw
The torch; be yours to hold it high.
If ye break faith with us who die
We shall not sleep, though poppies grow
In Flanders fields.

"In Flanders Fields" - a poem by Major John Mc Crae (1915)

A avaliação de professores: um caso pessoal

Nos anos oitenta do século XX eu trabalhava para a subsidiária de uma multinacional americana, exercendo funções integrado no respectivo middle management. Em determinado ano foi julgado necessário alterar, internacionalmente, o modelo que presidia às avaliações e promoções, tendo em atenção que a emergência da existência PCs facilitava a introdução de um modelo mais complexo mas também, por isso mesmo, bastante mais rigoroso. Devo dizer que o processo de adaptação á complexidade do modelo (ah, não existirem quotas era algo que, já na altura, nos daria vontade de rir) esteve longe de ser fácil e, como não podíamos abandonar as funções ligadas à gestão corrente da empresa, houve que resolver o assunto com recurso a algumas noitadas, uma delas até às 7 h da manhã. Mas passado esse período mais “tormentoso”, o processo foi entendido e implementado, revelando-se bastante mais rigoroso e recompensador para todos, gestores e não gestores. Uma das suas características era que não remunerava de igual modo todos os que exercessem as mesmas funções, o que não era novidade e já era comum ao anterior modelo, em função do mérito, mas estabelecia também uma pequena diferença salarial, inferior a 10%, face ao número de anos na função, quer fosse na empresa ou em lugar semelhante em firma onde esses funcionários ou gestores tivessem trabalhado anteriormente. O que era curioso, para além da pequena diferença salarial atribuída à antiguidade no cargo, é que essa diferença salarial só era tida em conta até um período máximo de três anos na função, pois a empresa considerava – e bem – que esse era o número máximo de anos requerido para exercer esse trabalho com 100% de eficácia, em função de uma “curva de experiência” calculada. A partir daí não havia lugar a qualquer progressão salarial por “antiguidade”, digamos assim. Mais ainda, demasiados anos na mesma função era mesmo penalizado na avaliação de desempenho, uma vez que se considerava – e quanto a mim, e mais uma vez, bem – que alguém que tivesse demonstrado empenho e competência teria obrigação de ser chamado pela sua hierarquia a desempenhar outro tipo de funções mais complexas e de maior responsabilidade. Claro que esta seria também penalizada na sua avaliação se existissem sob a sua responsabilidade demasiadas pessoas sem progressão, pois um dos seus objectivos era contratar bem – leia-se, pessoas com potencial de progressão - e fazer evoluir quem trabalhava sob a sua responsabilidade.

Estão a perceber, senhores professores?

A democracia "chewing gum" de Cavaco Silva

Na sua única intervenção, até ao momento, sobre a questão da Assembleia Regional da Madeira, o Presidente da República, ao desvalorizar a questão política centrando as suas preocupações puramente em questões de carácter económico (“no momento em que o país atravessa grandes dificuldades, a nossa preocupação tem de estar centrada no desemprego, na competitividade das empresas, no endividamento"), está a secundarizar e subalternizar o estado de direito democrático e, mais, a revelar uma concepção puramente instrumental da democracia – dos direitos, liberdades e garantias. Digamos que do tipo chewing gum: mastiga enquanto lhe sabe bem e cospe quando começa a amargar. Preocupante, mas nada de verdadeiramente inesperado.

segunda-feira, novembro 10, 2008

Hoje, apetece-me dizer isto

Pensamento do dia aplicado aos professores: existe sempre uma boa desculpa para aquilo que não se quer fazer!

"Six, cinq, quatre, trois, deux, un et une, mon oiseau a perdu ses plumes"

André Delvaux - "Rendez-Vous à Bray" (1971)
O “Gato Maltês” também gosta muito de André Delvaux. Ou melhor, mais correcto será dizer que gostava, já que desde a estreia em Portugal dos seus filmes poucas ou nenhumas oportunidades teve para os rever. Mas descobriu este pequeno e belíssimo excerto de “Rendez-Vous à Bray”, no You Tube, onde a música e o silêncio, mas também a comunicação através deles, assumem um papel fundamental. Também no aproximar das distâncias, em saber que alguém existe quando não o vemos. Claro que não hesitou em partilhá-lo com quem por aqui passa.

A ilusão "cavaquista"...

Para aqueles que ainda tinham dúvidas, as últimas atitudes de Cavaco Silva, o oportunismo político de Ferreira Leite face à manifestação dos professores e o caso BPN vêm ajudar a levantar o pesado manto que durante muito tempo encobriu aquilo que foi, na realidade e na sua essência, a governação da era "cavaquista": um modelo de desenvolvimento baseado em obras públicas que conduziu o país a um impasse e que os governos seguintes não tiveram coragem para alterar, a ausência quase total de reformas onde elas eram mais necessárias (justiça, educação, saúde, segurança social), o desenvolvimento de negócios suspeitos ou ilícitos à sombra de um Estado omnipresente, uma mentalidade nova-rica criada pelo afluxo de dinheiro fácil dos fundos estruturais, a ascensão de pequenos caciques de província (basta olhar para o BPN) a governante nacionais, o esbanjamento de recursos na gestão autárquica e um temor reverencial pelos poderes corporativos.

Afinal, depois de despido do seu manto, o rei vai nu? Não ousarei chegar a tal ponto, mas já nada mais o cobre do que um véu diáfano de ilusão.