Pouco a pouco, unindo os pontos como naqueles desenhos-enigma da nossa infância, a imagem começa a aparecer, clara, e mostra-nos o esboço de um projecto que, com maior nitidez depois de Manuela Ferreira Leite ter sido eleita presidente do PSD, começa a tomar forma por parte do Presidente da República e, propositadamente, evidencia o muito de comum que existe entre as duas personalidades, para o tornar público não enjeitando Cavaco Silva qualquer hipótese de demarcar o seu território perante o do governo. Curiosamente, contrariando os que se dedicam a psicanalisar os seus discursos até à exaustão, esse “anúncio público” (chamemo-lhe assim), a comunicação "à cidade e ao mundo" desse projecto político próprio, não passa essencialmente pelas palavras, mas preferencialmente pelos actos e pela forma como, criteriosamente, tem construído esses momentos e utiliza diferentes porta-vozes e media nessa mesma edificação.
Sem grande preocupação de exaustão e citando de memória, no referendo da IVG, não se podendo pronunciar publicamente, foi a sua família mais próxima que “colou” às posições do “Não”. Ao não se demarcar do programa oficial na sua viagem à Madeira, elaborado pelo governo regional e que não incluía a habitual recepção na Assembleia Regional, e ao não se pronunciar publicamente sobre o assunto perante os portugueses, Cavaco Silva mostrou qual o campo que escolhia. Se no caso do estatuto político dos Açores tem, na sua essência, razão, o modo desproporcionado como dramatizou e explorou a questão, com o recurso ao que, na altura, pareceu uma utilização excessiva dos mass media e do suspense, pretendeu claramente colocar o governo e o PS em dificuldades e mostrar que, no que dizia respeito ao seu relacionamento com as regiões autónomas, tinha dois pesos e duas medidas. Passando a voo de pássaro sobre a questão da lei do divórcio, na sua essência não muito diferente da questão da IVG (com a ressalva de aí não estar em causa um referendo mas uma lei da Assembleia da República o que lhe conferia um maior poder de intervenção), ao receber, do modo como o fez, Ferreira Leite no caso do reconhecimento da independência do Kosovo, deixou que o PSD colasse publicamente à sua posição sobre o assunto, assumindo-a como também sua. O que, na altura, parecia uma posição “canhestra” do PSD, enfraquecendo a sua liderança por ausência de uma posição autónoma sobre o tema, parece mais ser, hoje em dia, algo fruto de uma estratégia a dois assumida. Recentemente, escolheu não se pronunciar, enquanto comandante supremo das forças armadas, sobre a chantagem dos militares ao governo e respectivas chefias, enquanto a oposição, com realce para o PSD, assumia uma mal disfarçada consonância com as reivindicações militares. No caso da suspensão do deputado do PND na Madeira, naquela que teria sido uma excelente oportunidade para publicamente se pronunciar já que estava em causa o normal funcionamento das instituições democráticas, podendo, e devendo, chamar também a atenção para a necessidade de todos os partidos representados na Assembleia Regional se portarem de acordo com as mais elementares regras da civilidade e convivência democráticas, preferiu, ao que consta, o silencioso “magistério de influência”. Por último, na véspera de uma manifestação dos professores contra o governo, numa questão essencial para este e para o país, um seu assessor não perdeu a oportunidade para, estrategicamente, se pronunciar escolhendo um dos lados, enfraquecendo assim a posição governamental.
Está o Presidente da República no seu direito? Claro que sim, e ninguém em plena posse das suas faculdades (ou que não seja membro da Assembleia Regional madeirense) ousará afirmar o contrário. Mas isso também prova que o actual regime semi-parlamentar, com a eleição do Presidente da República por sufrágio directo e universal e os seus poderes alargados, depois de estabilizado o regime democrático nos anos 80 e 90, introduz, como por aqui já tenho continuadamente afirmado, um elemento potencialmente destabilizador no regime que me parece despropositado e a evitar. Nesse sentido, seria bem melhor que o regime constitucional, em nome da normalidade e estabilidade democráticas e findo o mandato e período de reeleição do actual presidente, caminhasse decisivamente para o parlamentarismo vigente na esmagadora maioria das mais estáveis democracias europeias.
Sem grande preocupação de exaustão e citando de memória, no referendo da IVG, não se podendo pronunciar publicamente, foi a sua família mais próxima que “colou” às posições do “Não”. Ao não se demarcar do programa oficial na sua viagem à Madeira, elaborado pelo governo regional e que não incluía a habitual recepção na Assembleia Regional, e ao não se pronunciar publicamente sobre o assunto perante os portugueses, Cavaco Silva mostrou qual o campo que escolhia. Se no caso do estatuto político dos Açores tem, na sua essência, razão, o modo desproporcionado como dramatizou e explorou a questão, com o recurso ao que, na altura, pareceu uma utilização excessiva dos mass media e do suspense, pretendeu claramente colocar o governo e o PS em dificuldades e mostrar que, no que dizia respeito ao seu relacionamento com as regiões autónomas, tinha dois pesos e duas medidas. Passando a voo de pássaro sobre a questão da lei do divórcio, na sua essência não muito diferente da questão da IVG (com a ressalva de aí não estar em causa um referendo mas uma lei da Assembleia da República o que lhe conferia um maior poder de intervenção), ao receber, do modo como o fez, Ferreira Leite no caso do reconhecimento da independência do Kosovo, deixou que o PSD colasse publicamente à sua posição sobre o assunto, assumindo-a como também sua. O que, na altura, parecia uma posição “canhestra” do PSD, enfraquecendo a sua liderança por ausência de uma posição autónoma sobre o tema, parece mais ser, hoje em dia, algo fruto de uma estratégia a dois assumida. Recentemente, escolheu não se pronunciar, enquanto comandante supremo das forças armadas, sobre a chantagem dos militares ao governo e respectivas chefias, enquanto a oposição, com realce para o PSD, assumia uma mal disfarçada consonância com as reivindicações militares. No caso da suspensão do deputado do PND na Madeira, naquela que teria sido uma excelente oportunidade para publicamente se pronunciar já que estava em causa o normal funcionamento das instituições democráticas, podendo, e devendo, chamar também a atenção para a necessidade de todos os partidos representados na Assembleia Regional se portarem de acordo com as mais elementares regras da civilidade e convivência democráticas, preferiu, ao que consta, o silencioso “magistério de influência”. Por último, na véspera de uma manifestação dos professores contra o governo, numa questão essencial para este e para o país, um seu assessor não perdeu a oportunidade para, estrategicamente, se pronunciar escolhendo um dos lados, enfraquecendo assim a posição governamental.
Está o Presidente da República no seu direito? Claro que sim, e ninguém em plena posse das suas faculdades (ou que não seja membro da Assembleia Regional madeirense) ousará afirmar o contrário. Mas isso também prova que o actual regime semi-parlamentar, com a eleição do Presidente da República por sufrágio directo e universal e os seus poderes alargados, depois de estabilizado o regime democrático nos anos 80 e 90, introduz, como por aqui já tenho continuadamente afirmado, um elemento potencialmente destabilizador no regime que me parece despropositado e a evitar. Nesse sentido, seria bem melhor que o regime constitucional, em nome da normalidade e estabilidade democráticas e findo o mandato e período de reeleição do actual presidente, caminhasse decisivamente para o parlamentarismo vigente na esmagadora maioria das mais estáveis democracias europeias.
Sem comentários:
Enviar um comentário