Em entrevista a uma das televisões (não me lembro bem qual, peço desculpa), José Manuel Pureza, ex-líder do grupo parlamentar do BE, afirmou, mais ou menos em jeito de explicação para os fracos resultados eleitorais do partido, que o discurso sobre as questões económicas tinha assumido o papel principal do debate político. Nada de que devesse surpreender quem quer que fosse, acrescentarei, e numa pequena nota no "twitter" mencionei não ter o BE não sabido dar resposta a tal mudança. Ora vejamos...
O segredo do êxito do Bloco de Esquerda residiu, fundamentalmente, na sua capacidade para responder a um país que se "urbanizou", que se terciarizou; aos problemas de muitos portugueses, urbanos e com algum grau de instrução, pós-modernos (chamemos-lhes assim por comodidade de raciocínio) que não se reviam numa sociedade conservadora, de raiz rural e ainda muito influenciada por essa mesma ruralidade. Mais ainda, soube responder também a uma sociedade pós-industrial e que, por isso mesmo, também já não se revia nos métodos e projecto pelo PCP. Não é por acaso - é antes bem sintomático - que essa resposta tivesse passado também por gente como Miguel Portas, Ana Drago e Joana Amaral Dias, oriundos de uma classe social média-alta, instruída e com uma imagem de grande sofisticação na qual muitos jovens, e também alguns menos jovens, urbanos se reviam. Foi esta a "oportunidade de negócio" (vamos chamar-lhe assim) inicial do BE, potenciada por uma deriva conservadora nos costumes assumida pelo PS do católico António Guterres.
O problema é que resolvida uma parte importante destas questões de costumes, onde o BE teve papel relevante forçando o PS a tomá-las como suas, quando as "tais" questões de carácter económico passaram a dominar, a ortodoxia do BE, ou das suas organizações fundadoras, não conseguiu dar resposta àquele que tinha passado a constituir-se como o seu "grupo-alvo". Porquê? Porque me parece bem que se os jovens e até os "não assim tão jovens" urbanos e suburbanos se preocupam bastante com a precariedade e, principalmente, com a falta de oportunidades para as suas qualificações, são, também e simultâneamente, gente liberal e individualista, anti-autoritária, sem o grande sentido colectivista que o trabalho na indústria ou como assalariado rural moldava "in illo tempore". Na prática, parece-me ser gente para quem pouco importa a CP, a TAP, ou a RTP sejam públicas ou privadas, para os quais a questão da segurança social pública ou privada (muitos são precários e nunca tiveram sequer acesso a subsídio de desemprego) ou do SNS são questões, para já, não excessivamente mobilizadoras, para os quais a passagem pelo ensino público - para os que não frequentaram o privado - não terá deixado grandes saudades e para quem as ideias de Marx e Lénin nada dizem e o anti-capitalismo é imediatamente relacionado com sociedades autoritárias e claustrofóbicas nas quais não se reconhecem e onde nunca gostariam de viver. Daí que as propostas do BE no área económica, a sua aproximação ao PCP e até o seu apoio ao "conservador" Manuel Alegre possa ter sido mal compreendido e aceite com desconfiança. Daí que alguns dos votantes do BE, em eleições passadas, tendo rejeitado o conservadorismo de Ferreira Leite, se possam mesmo ter sentido atraídos pelos auto-proclamados ultra-liberalismo de Passos Coelho, que até foi casado com uma das Doce e em tempos se tinha manifestado a favor da adopção por casais homossexuais.
Claro que o actual BE marxista-leninista, anti-capitalista do PSR e da UDP, nunca poderá abandonar os seus ortodoxos princípios de base em matéria económica, o que prevejo possa conduzir ao seu quase desaparecimento. Mas seria bom que militantes oriundos da Política XXI e outros, como Daniel Oliveira, Miguel Portas e até a sempre demasiado sectária Joana Amaral Dias, perdessem (ou ganhassem) alguns minutos do seu tempo a pensar sobre estas questões. Aliás, quer-me mesmo parecer que qualquer possibilidade futura, a prazo mais ou menos longo, de um novo governo de centro-esquerda, liderado pelo PS, passará muito pelo que acontecer na área política actualmente ocupada pelo BE.