António Barreto é um homem culto e "com mundo; sociólogo com obra incontornável desde os anos anteriores ao 25 de Abril e político experimentado. Não admira, portanto, que, independentemente do tom pater familiae habitual no seu discurso, tenha algumas ideias interessantes, umas para as quais valeria a pena olhar com mais atenção, outras nem por isso. Mas, como académico que também é, Barreto parece ignorar - ou querer que ignoremos para assim fazer melhor passar as ideias políticas que defende - que o mundo é movido por interesses, e não pelo que é justo ou correcto de acordo com o seu pensamento ou de qualquer outro individuo, académico ou não, e que em democracia os partidos são expressão desses mesmos interesses sendo a governação expressão da correlação de forças a cada momento existente. Quando isso não acontece, quando os interesses existentes na sociedade não encontram expressão e representação suficiente a nível político, estamos perante uma situação "bloqueada", com os perigos de transformação revolucionária a isso inerentes. Aliás, António Barreto, enquanto presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, é, também ele, expressão dos interesses representados por esta instituição e pelo grupo empresarial que está na sua base, o que em si mesmo nada tem de reprovável numa democracia pluralista e numa economia baseada na livre iniciativa.
Por isso mesmo, não imagino com que legitimidade pode Barreto, ou alguém, pedir aos partidos que abdiquem dos interesses que legitimamente defendem e que no seu pluralismo partidário conflituam para efectuarem uma qualquer revisão constitucional "ideal" ou legislarem e actuarem em nome de uma determinada concepção abstracta ou teórica do interesse "político" ou "social", bloqueando a expressão livre dos interesses sociais e económicos. O que me parece estar presente e influenciar este tipo de pensamento, que encontra expressão privilegiada no pensamento político de António Barreto e em alguns discursos do actual Presidente da República (o discurso de tomada de posse do governo de Passos Coelho é disso um exemplo) é, isso sim, uma concepção bonapartista do poder, o fascínio por uma certa democracia tutelada que, aliás, parece ter tradição nos fundamentos dos dois últimos regimes políticos saídos de revoluções: na concepção inicial do 28 de Maio, antes da táctica do "salame" ter afastado Gomes da Costa e Cabeçadas, e no 25 de Abril, com António de Spínola. Por hábito, é isto que acontece quando alguém, indíviduo ou grupo, se pensa portador de uma qualquer superioridade moral ou intectual face à sociedade, e é neste tipo de pensamento que, não raramente, se ancoram as ditaduras.
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