Não deixo de achar curiosos os apelos sebastianistas e de índole messiânica dirigidos ao Presidente da República para que demita o governo e o substitua por "uma coisa em forma de assim", seja tal coisa um "governo de salvação nacional", de "iniciativa presidencial" ou lá como lhe quiserem chamar. No fundo, tratar-se-ia de verdadeiro golpe de estado, de uma espécie de intermezzo ditatorial "franquista" (do português João e não do galego Francisco) cem anos depois, em que os portugueses, em vez de tomarem democraticamente nas suas mãos o destino do país, sacudiriam a água do capote e diriam a Cavaco Silva, tido como uma espécie de "pai ou salvador da pátria", "toma lá e agora resolve".
Bom, deixando de lado que este é, de facto, o governo que Cavaco Silva colocou no poder (embora lhe tenha falhado Ferreira Leite), depois de aberta e persistentemente ter conspirado contra o de José Sócrates, nos últimos tempos com a colaboração do Governador do Banco de Portugal, convém lembrar aos mais distraídos que o governo não é constitucionalmente responsável perante o Presidente da República e, portanto, demitir o governo corresponderia assim a uma espécie de golpe de estado palaciano ou, no mínimo, a uma leitura enviesada da Constituição. Estranho, portanto, assistir a tais apelos vindos de gente com indiscutíveis pergaminhos democráticos, apenas porque este governo lhes não convém. A mim também não e, contudo, não me verão embarcar em tais aventuras ou enveredar por esses caminhos.
Tendo dito isto, como se pode ultrapassar a situação e forçar a queda de um governo que foi legitimamente eleito pelo voto dos portugueses? Cavaco Silva dissolver a Assembleia da República partindo do princípio que a legitimidade governamental está em causa por o primeiro-ministro ter mentido de forma descarada aos portugueses pode ser considerado subjectivo (os mais atentos perceberam cedo ao que vinha Passos Coelho), abriria terrível precedente e também todos sabemos não é caso virgem, embora a dimensão actual da mentira tivesse excedido bastante o registo do razoável, se é que o termo é admissível. Não me parece, portanto, seja motivo para tal coisa. Já bem diferente seria Cavaco Silva invocar o descalabro das políticas governamentais, mas com o país sujeito e condicionado por uma intervenção externa e sem garantias de governo estável saído das eleições (e o PS foge delas "a sete pés"), só um louco, coisa que Cavaco Silva não é, o faria, até porque, como disse no parágrafo anterior, este é, para todos os efeitos, "o seu" governo. Resta, portanto, forçar o governo à demissão por pressão popular, dificultando e impedindo, de modo legal e legítimo, não violento, a aplicação do seu programa usando para tal fim a acção popular e dos partidos políticos (da oposição, mas não só), dos sindicatos, associações patronais e de cidadãos, "lobbies" e grupos de pressão, opinião pública e publicada. Através, no fundo, da acção democrática dos portugueses tomando em mãos o seu destino e forçando eleições antecipadas. Utopia? Nem por isso: em ultima análise, foi essa acção que já levou o governo a recuar na implementação de algumas das suas insensatas medidas, das quais a mais emblemática terá sido a redução da TSU. Parece-me ser este o único caminho, e também o mais democrático.