No já longínquo dia 30 de Dezembro do ano passado, publiquei aqui um texto crítico sobre o modo como a ViniPortugal procedia à promoção dos vinhos portugueses no Centro Comercial das Amoreiras. Esta semana reparei que Miguel Nora, "Area Manager" da instituição, tinha deixado na caixa de comentários uma resposta a esse mesmo post, que quem estiver interessado pode também aqui ler. Pelo interesse o assunto me merece, deixo uma réplica.
Pois afirma Miguel Nora, no seu primeiro ponto, o interesse em promover os vinhos portugueses no próprio país, onde a respectiva quota de mercado se deve aproximar dos 99%, já que o mercado do vinho tem vindo a encolher significativamente nos últimos 50 anos em favor da cerveja e soft drinks. Quero, em primeiro lugar, colocar em dúvida que o investimento efectuado neste mesmo mercado, maduro, não fosse susceptível de maior rentabilidade se aplicado em outros mercados, onde o vinho português ocupa ainda uma posição marginal. Isto na perspectiva de que se devem concentrar os investimentos onde o seu retorno for mais elevado em vez de os dispersar por demasiados mercados e demasiadas acções. Mas tudo bem, partamos de princípio que esse investimento é muito baixo e que pouco ou nada ajudaria se aplicado elsewhere. Vem então a segunda questão. Sabe Miguel Nora, tão bem como eu, que o mercado do vinho encolheu porque Portugal mudou: já não é um país rural e de indústria empregadora de mão de obra pouco educada, saída há pouco da ruralidade, mas, tendencialmente, um país urbano e serviços em que a ligação a essa ruralidade é cada vez mais ténue. Por isso, o consumo de vinho mudou na sua forma, quantitativa e qualitativa: já não estamos perante o litro de vinho a granel ou em garrafão, o “copo de três” bebido na tasca ou pelos trabalhadores rurais ou da indústria de construção (para “dar força”), por vezes fazendo parte, em espécie, do próprio salário, do “almoço do trolha” (para citar o quadro do Pomar), mas perante novas formas de consumo mais “sociais”, sofisticadas e de maior valor acrescentado. Mais ainda, a imigração, que se ocupa do remanescente desses trabalhos, vem de países onde o vinho não tem tradição. E não há, felizmente, caminho de retorno! Quando muito pode, com acções adequadas, diminuir o ritmo de decrescimento do mercado em quantidade e conseguir obter alguma inversão dessa tendência em valor. Hoje em dia, a maioria das pessoas come um almoço frugal, o trabalho intelectual, mesmo no meio operário, tem um peso maior e isso começou a mudar, embora mais lentamente do que seria desejável, a dieta dos portugueses, que também se foram tornando mais cosmopolitas e sofisticados, mais europeus – e você sabe que a tendência para a cerveja e soft drinks é europeia. Last but not least, as campanhas anti-alcoólicas são a cereja no cimo do bolo... Para que serve todo este arrazoado? Bom, para lhe dizer que se v. quer converter consumidores preferenciais de cerveja em consumidores de vinho só tem um caminho: valorizar o vinho naquilo que ele tem de elemento diferenciador face a produtos reconhecidos como industriais, como o são as cervejas correntes e refrigerantes. O seu momento de consumo, a sua sofisticação, o reconhecimento social que resulta de saber escolher um vinho, a sua ligação à comida, um certo cosmopolitismo que existe na tendência para se beber um copo de vinho com os amigos ou solitariamente como aperitivo ou entre dois dedos de conversa, etc, etc. Ora tudo isto não só requer vinhos adequados a quem é neófito (“frescos” e frutados, “redondos”, macios – o que nada ou pouco tem a ver com o seu preço), o que é incompatível com uma escolha feita “pelos produtores que enviam os seus vinhos de maior consumo” (estou a citá-lo), como também é incompatível com um momento e forma de consumo que acaba por copiar o dos produtos que visa combater e aos quais visa conquistar quota de mercado. Inclusivamente – e eu fiz a experiência – quando quem está a “dar o vinho a provar” pouco ou nada sabe sobre o que está a servir, o que de imediato invalida um dos factores mais importantes de diferenciação face aos refrigerantes e cerveja: a sua individualização, isto é, o facto de cada vinho, cada casta, um dado “terroir” e cada ano terem características únicas e diferenciadoras. Já vou ao resto.
Pois afirma Miguel Nora, no seu primeiro ponto, o interesse em promover os vinhos portugueses no próprio país, onde a respectiva quota de mercado se deve aproximar dos 99%, já que o mercado do vinho tem vindo a encolher significativamente nos últimos 50 anos em favor da cerveja e soft drinks. Quero, em primeiro lugar, colocar em dúvida que o investimento efectuado neste mesmo mercado, maduro, não fosse susceptível de maior rentabilidade se aplicado em outros mercados, onde o vinho português ocupa ainda uma posição marginal. Isto na perspectiva de que se devem concentrar os investimentos onde o seu retorno for mais elevado em vez de os dispersar por demasiados mercados e demasiadas acções. Mas tudo bem, partamos de princípio que esse investimento é muito baixo e que pouco ou nada ajudaria se aplicado elsewhere. Vem então a segunda questão. Sabe Miguel Nora, tão bem como eu, que o mercado do vinho encolheu porque Portugal mudou: já não é um país rural e de indústria empregadora de mão de obra pouco educada, saída há pouco da ruralidade, mas, tendencialmente, um país urbano e serviços em que a ligação a essa ruralidade é cada vez mais ténue. Por isso, o consumo de vinho mudou na sua forma, quantitativa e qualitativa: já não estamos perante o litro de vinho a granel ou em garrafão, o “copo de três” bebido na tasca ou pelos trabalhadores rurais ou da indústria de construção (para “dar força”), por vezes fazendo parte, em espécie, do próprio salário, do “almoço do trolha” (para citar o quadro do Pomar), mas perante novas formas de consumo mais “sociais”, sofisticadas e de maior valor acrescentado. Mais ainda, a imigração, que se ocupa do remanescente desses trabalhos, vem de países onde o vinho não tem tradição. E não há, felizmente, caminho de retorno! Quando muito pode, com acções adequadas, diminuir o ritmo de decrescimento do mercado em quantidade e conseguir obter alguma inversão dessa tendência em valor. Hoje em dia, a maioria das pessoas come um almoço frugal, o trabalho intelectual, mesmo no meio operário, tem um peso maior e isso começou a mudar, embora mais lentamente do que seria desejável, a dieta dos portugueses, que também se foram tornando mais cosmopolitas e sofisticados, mais europeus – e você sabe que a tendência para a cerveja e soft drinks é europeia. Last but not least, as campanhas anti-alcoólicas são a cereja no cimo do bolo... Para que serve todo este arrazoado? Bom, para lhe dizer que se v. quer converter consumidores preferenciais de cerveja em consumidores de vinho só tem um caminho: valorizar o vinho naquilo que ele tem de elemento diferenciador face a produtos reconhecidos como industriais, como o são as cervejas correntes e refrigerantes. O seu momento de consumo, a sua sofisticação, o reconhecimento social que resulta de saber escolher um vinho, a sua ligação à comida, um certo cosmopolitismo que existe na tendência para se beber um copo de vinho com os amigos ou solitariamente como aperitivo ou entre dois dedos de conversa, etc, etc. Ora tudo isto não só requer vinhos adequados a quem é neófito (“frescos” e frutados, “redondos”, macios – o que nada ou pouco tem a ver com o seu preço), o que é incompatível com uma escolha feita “pelos produtores que enviam os seus vinhos de maior consumo” (estou a citá-lo), como também é incompatível com um momento e forma de consumo que acaba por copiar o dos produtos que visa combater e aos quais visa conquistar quota de mercado. Inclusivamente – e eu fiz a experiência – quando quem está a “dar o vinho a provar” pouco ou nada sabe sobre o que está a servir, o que de imediato invalida um dos factores mais importantes de diferenciação face aos refrigerantes e cerveja: a sua individualização, isto é, o facto de cada vinho, cada casta, um dado “terroir” e cada ano terem características únicas e diferenciadoras. Já vou ao resto.
(continua).
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