O actual sistema centralizado e “estalinista” de gestão do sistema escolar público - com professores colocados nas escolas por via de um computador central do ministério, que chegam às escolas sem as conhecerem ou saberem algo sobre o meio onde vão ser inseridos, sem que antes alguma vez tenham visto o seu presidente do conselho directivo, em que este é eleito pelos seus pares sem se saber muito bem a quem reporta e junto de quem é responsável, em que as escolas pouca ou nenhuma autonomia possuem na escolha e rejeição dos seus professores e na autonomia da sua organização, em que, enfim, tudo funciona perfeitamente ao contrário de como, em termos lógicos, deveria funcionar, em que os professores não são avaliados e progridem na carreira com créditos conquistados em cursos e cursilhos sobre o modelagem do barro de Estremoz ou o sexo das andorinhas - obviamente que não funciona com eficácia, nem nunca poderia funcionar. É uma aberração. Nada disto é novidade, contudo, e as tentativas de mudar este estado de coisas, que com esta ministra têm existido, pecam por demasiada tibieza. Se haverá ou não força e capacidade políticas para que seja de outro modo, já é outra conversa que, por agora, fica por conversar.
Tendo dito isto, isto é, tendo marcado o meu território, já me parece que querer deixar totalmente ás escolas e aos professores, como o pretende José Manuel Fernandes (ver "Público" de ontem), ao seu “bom senso e autoridade natural” (coisa que não me parece existir com abundância nos actuais professores, quer por desgaste de enfrentar a indisciplina anos a fio, quer por incapacidade e/ou falta de preparação profissional – a maioria dos professores são maus, há que dizê-lo sem medo), as decisões de carácter disciplinar, sem que isso decorra também de um enquadramento geral e abstracto, por muito flexível e adaptável que o seja e deve sê-lo, me parece de uma total falta de senso nas actuais circunstâncias. De tanto falta de senso como querer impor, estritamente, as mesmas regras ou nomear indifrentemente professores para uma escola pública da Cova da Moura, das Avenidas Novas ou de “Alguidares de Baixo”. Por muito autonomia que as escolas da rede pública tenham (o meu território está, como comecei por dizê-lo, bem marcado), elas são isso mesmo – uma rede estruturada – e pretender substituir o actual sistema centralizado e absurdo, “estalinista”, por uma “atomização” completa parece-me um risco a não correr e um disparate sem sentido.
Mas esta questão do “estatuto do aluno” tem sido terreno fértil para a demagogia mais grosseira. Marco, mais uma vez, o meu território: com a actual indisciplina reinante nas escolas e sem que se exija esforço semelhante ao que se exige “cá fora”, uma vez acabada a escola, nada de essencial poderá mudar. Mais ainda, não li o “estatuto do aluno” e receio bem seja “mais do mesmo” no sentido do facilitismo. Mas, devo também dizer, por si só a questão da “reprovação ou não por faltas” pouco diz ou esclarece, e por isso mesmo não me pronuncio sobre ela no sentido mais restrito. Mas afirmar, como o fez ontem Marcelo Rebelo de Sousa na RTP1, que o sistema (reprovação por faltas) deveria ter tratamento idêntico na escola pública e privada, ajudando esse tratamento desigual a marcar a diferença de qualidade entre os dois sectores, é demagogia da mais rasteira, que não tem em conta os diferentes enquadramentos sociais. Nas escolas privadas os alunos são oriundos, maioritariamente, de uma classe média instruída, com famílias estruturadas que seguem, com pelo menos algum interesse, o percurso escolar dos filhos, que pagam quantias elevadas pela sua frequência e onde, por isso mesmo, a reprovação por faltas, sem mais, poderá mesmo ter um carácter pedagógico, e não significa a possibilidade de atirar o aluno para a marginalidade ou a exclusão, perante o desinteresse da família ou até a criação de uma conflitualidade desta para com a escola. Tratar diferente o que é diferente faz, pois, parte da cultura democrática e, se quisermos, da inteligência política. Era bom que isto fosse tido em conta por quem tem na sociedade um papel de “opinion leader”.