sábado, dezembro 27, 2008

Futebol, mercados e transmissões televisivas

A imprensa desportiva continua teimosamente a pensar e ver o futebol como ele era há 30 ou 40 anos, convencendo-se e tentando convencer os incautos de que os grandes clubes do futebol português o continuam a ser em termos internacionais na era em que a televisão e os direitos desportivos substituíram as quotizações e as receitas de bilheteira como principais fontes de financiamento da actividade desportiva. É este o tipo de raciocínio que está subjacente ao artigo de Rui Cartaxana no “Record” on-line.

Partindo de uma afirmação verdadeira, um Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa que afirma que quem adquire os direitos de transmissão televisiva “só poderá ser uma entidade legalmente autorizada a exercer a actividade de televisão” - o que não é, como se sabe, o caso da Olivedesportos – e daí tirando as devidas conclusões que me parecem ser também incontestáveis (“o dr Vale e Azevedo pode ser o que for, isso não invalida que, de facto, teve razão quando denunciou os contratos com a Olivedesportos”), Rui Cartaxana salta destas premissas para uma conclusão que elas não justificam, isto é, que aquilo que os clubes portugueses recebem como receitas das transmissões televisivas está francamente sub-avaliado (“para se ter uma ideia, a Olivedesportos paga ao conjunto dos clubes portugueses cerca de 40/42 milhões de euros/ano. Um clube espanhol de 2ª linha como o Villarreal cobra sozinho 46 milhões/ano. E um clube como o Tottenham arrecada só por si, 51 milhões! Andamos todos a brincar com coisas sérias…” ).

Ora embora partindo do princípio que os contratos dos clubes portugueses podem ser melhorados (tese que partilho), apresentar como exemplos comparativos o Villareal e o Tottenham já me parece um exagero e algo que não tem em conta realidades bem distintas: Portugal tem cerca de 10 milhões de habitantes, Espanha um pouco mais do que 45 milhões e o Reino Unido cerca de 60 milhões. Isso significa que se um qualquer jogo entre os três grandes portugueses pode atingir uma audiência de, por exemplo, 2 ou 3 milhões de telespectadores, em Portugal, facilmente, e de modo menos do que proporcional, um Villareal-Barça, Real Madrid ou, até, Valência ou Atlético, mesmo tendo em conta a relativa pequena dimensão da massa adepta do Villareal, facilmente chegarão aos 7 ou 8 milhões só em Espanha. Idem no que diz respeito aos jogos dos "Spurs", na melhor liga do mundo. A dimensão dos mercados dita a sua lei!

Mas devemos ir mais longe. Quer os principais jogos da liga espanhola quer os da Premiership são vendidos para quase todo o mundo, atingindo audiências de muitas dezenas ou centenas de milhões de pessoas em mercados de médio/elevado poder de compra, como o são, por exemplo, o Extremo-Oriente e a América Latina. Isto é algo que não acontece com a liga portuguesa, quando muito com alguma excepção no caso antigas colónias - mercados de muito fraco poder de compra - ou da diáspora europeia. Daqui resulta que considere ainda mais optimista (devo dizer, irrealista?) a comparação efectuada por Rui Cartaxana, embora não conteste a sua boa vontade e a legitimidade e urgência dos objectivos a que se propõe. Daí também considere que, se melhorar um pouco os actuais direitos televisivos é algo possível e desejável, a longo prazo só existe um caminho para tornar os principais clubes portugueses competitivos: fazê-los partilhar do mercado mundial das grandes ligas europeias, o que significa forçar a UEFA, através da fusão de alguns campeonatos nacionais, a permitir a criação de uma Liga Ibérica. Tudo o resto são apenas paliativos; aspirinas que diminuem a dor mas não curam a grave doença.

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