In "Amália no Café Luso" (Dezembro de 1955)
Amália (Amália da Piedade Rebordão Rodrigues)) está outra vez na moda. Foram os 10 anos da sua morte, a estreia do filme sobre a sua vida (tentarei não ver) e o “Vírus” de ontem de José Pacheco Pereira, no RCP, falando do fado “Abandono”, com letra de David Mourão Ferreira, mais conhecido como fado “Peniche” em virtude de o poema remeter, de modo óbvio, para a luta contra a ditadura e a sinistra prisão política situada no forte com o mesmo nome. JPP aproveitou para falar um pouco, tanto como o pouquíssimo tempo da rubrica o permite, sobre o flirt que a intérprete manteve com sectores da oposição e até mesmo com personalidades afectas ao partido comunista, assuntos menos conhecidos da opinião pública. É assim a vida...
Bom, mas a Amália vedeta, a Amália diva, confesso me interessa pouco. Não sou um mitómano. Sou, talvez, um fundamentalista do fado e este, enquanto expressão popular, constitui um todo, não se podendo separar letra, música e lugar de culto. Isto significa que nem sempre poemas mais eruditos lhe acrescentam o que quer que seja se não se identificarem com os seus valores originais e vivenciais (antes que me interpretem mal: não estou a dizer seja este o caso do poema de Mourão Ferreira, antes pelo contrário, até porque o fado como canção de intervenção política vem já do século XIX), o mesmo acontecendo também com o rock and roll que cantava os valores, preocupações e anseios dos adolescentes dos anos 50 do século XX, e que sou dos que pensam que o fado se exprime em disco com algum desconforto, como pensava e também achava o velho Alfredo Rodrigo Duarte (“Marceneiro”). Claro que com igual desconforto se sentirá no glamour ou na impessoalidade de algumas grandes salas, tal como acontece com os "blues", por exemplo. Comparo, muitas vezes, Amália com Presley: o que foi realmente muito bom e inovador durou demasiado pouco tempo. Em Presley até 1958, apesar do “coronel” Parker; em Amália será mais difícil determinar, mas pouco entrou pelos anos 60, quando o fado cedeu lugar ao pseudo-folclore e a Amália fadista à vedeta do Olympia.
Bom, having said this, acho que devemos a Amália um dos melhores álbuns de sempre da música popular portuguesa , exactamente porque nele se conjugam a Amália-fadista, o lugar de culto do fado e, ainda, numa cuidada apresentação gráfica, imagens significativas de uma certa Lisboa: da ditadura salazarista; de um tipo de boémia em que se contactavam, sem se misturar fora da alcova, povo e aristocracia, senhores e prostitutas, nobres de nascimento e cantoras de cabaré. Difícil não será identificar, no excelente material gráfico que acompanha o LP original, as fotos de António Ferro e Ricardo Espírito Santo, este suposto amante ou “protector” (normalmente eram ambas as coisas) da fadista. É, como disse, um retrato de uma época, num disco que – em minha opinião – só será igualado ou suplantado em importância, já na década de 70, pela trilogia “Cantigas do Maio”, “Os Sobreviventes” e “Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades”. “Amália no Café Luso” é quase um álbum conceptual antes de tempo e, com toda a certeza, um dos melhores álbuns de sempre da música popular portuguesa. Por isso, dele aqui deixo notícia, na forma deste texto e do “Fado Mayer”, seu tema de abertura, com letra de Linhares Barbosa e música de Armandinho.
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