quarta-feira, dezembro 10, 2008

Onde se fala da assiduidade dos deputados, do sistema eleitoral e do recurso às novas tecnologias

Poder-se-ão, desesperadamente, tentar encontrar mil e mais um processos administrativos para controlar a presença, ou ausência, de deputados na Assembleia da República ou em “trabalho político”, o que quer que este último signifique ou qualquer que seja a “desculpa” que possa encobrir. Acho bem que os encontrem – a esses processos – eficazes e quanto mais rapidamente melhor, pois a vergonha já transvasou há muito o recipiente onde deveria estar contida e já muitos vão clamando pela doença da pátria; é que, da última vez que a pátria foi declarada doente a cura durou 48 anos e a dita pátria quase morreu dela. Em último caso, declarem mesmo o fim das sextas-feiras, a sua eliminação do calendário Gregoriano, como terá sugerido o deputado Guilherme Silva, essa espécie de grilo do Pinóquio de Alberto João Jardim no Portugal do “Cuntenente”. Façam tudo isso e, como sugeri, rapidamente; mas não esqueçam que a questão é bem mais profunda, mesmo que as aspirinas possam ser remédio suficiente para ir disfarçando o mal e possibilitar mesmo ao doente uma razoável qualidade de vida.

O problema – e já foi diagnosticado – é que os deputados, todos e cada um deles, não são efectivamente eleitos pelo “povo”, pelos cidadãos e, portanto, destes não são conhecidos e a estes não têm de prestar contas nem devem lealdade de qualquer espécie. De facto, nós, eleitores, votamos não em deputados, mas no partido A ou no partido B, consoante a sua ideologia ou soluções que nos propõem para governar o país. Muitos, também, consoante a simpatia que lhes merece, ou não, o respectivo líder que cada partido apresenta como candidato ao cargo de primeiro-ministro. Isto, independentemente dos candidatos propostos para deputados, que normalmente desconhecemos e garantem o seu lugar na lista por designação das chefias partidárias, regionais ou nacionais. Será pois a estas chefias - a quem os nomeou e de quem depende a sua eventual reeleição para futuras legislaturas - que, em última análise, esses deputados devem prestar contas e a quem também devem dever de lealdade política e pessoal. Se o seu comportamento e actividade, por muito maus que possam parecer aos eleitores, são tolerados e tidos como correctos por quem de facto os nomeou - e normalmente são - nada terão a temer: o caso só será lembrado quando a vergonha, aqui e ali, transvasar novamente o recipiente. Até um dia...

Bom, muitos sugerem como remédio-santo milagreiro os “círculos uninominais”. Vejamos. Por um lado têm uma vantagem clara: todos elegemos o “nosso” deputado e mais facilmente controlamos o seu trabalho político. Apesar da sua nomeação se continuar a dever às chefias partidárias – e não vejo problema que assim seja; acho mesmo assim deve ser numa democracia – seria impensável e um suicídio político que estas nomeassem para o cargo “persona non grata” à maioria dos eleitores do respectivo círculo eleitoral. Acresce que em sistemas compostos por “círculos uninominais” – normalmente pequenos - a tendência para o contacto pessoal e a campanha “porta a porta” é bem maior, em detrimento da actividade “comicieira”, com todas as vantagens que daí podem advir. Mas coexistem também um sem número de aspectos negativos. São sistemas castradores da proporcionalidade e da representatividade, que distorcem gravemente chegando ao ponto de, por si só, serem capazes de gerar sistemas bi-partidários. Por isso mesmo, existe a tendência para, no sentido de evitar essa distorção, serem complementados com um ou mais grandes círculos de eleição proporcional e, aí, temos novamente o problema de nomeação dos candidatos e da falta de controle dos eleitores, como acontece em Portugal. Acresce que existe sempre a possibilidade real, principalmente em países onde a tradição uninominal não existe e onde a sociedade civil é mais frágil, da emergência do chamado “caciquismo”, transformando o Parlamento num mosaico incontrolável de pequenos tiranetes representando provincianos poderes locais e/ou regionais. Claro que o sistema funciona no Reino-Unido - e sem círculo de compensação - mas aí estamos perante uma muito diferente história política e partidária e uma sociedade civil mais autónoma e, simultaneamente, ancorada numa forte tradição liberal e no sindicalismo reformista. No caso português, seria bom que antes de se pensar, de modo sério, em avançar nesse sentido se tivessem bem presentes, como exemplo, os problemas gerados pelos processos eleitorais autárquicos e das regiões autónomas.

Confesso passei em voo de pássaro pelo projecto apresentado recentemente, a pedido do PS, pelos politólogos André Freire, Diogo Moreira e Manuel Meirinho. Segundo li – repito: em “diagonal” - , a novidade estaria, por um lado, na existência de círculos regionais e outro nacional e, por outro, no facto de em cada círculo regional ser possível ao eleitor seleccionar um deputado entre os vários propostos. Se li e compreendi bem, por um lado parece interessante, pois em cada círculo regional permite-se que o eleitor se não restrinja ao candidato único, concedendo-lhe a possibilidade de escolha. Mas, ao fazê-lo, afasta também as virtudes do candidato único por partido (o "nosso" deputado) e, da representação, os eleitores que tendo votado no partido "A" não o fizeram no candidato vencedor. Por outro lado, parece-me algo complicado, tendo em atenção a iliteracia (política e outras) de muitos portugueses. Algo assim “a modos que um género" de monstro do Dr. Frankenstein: cabeça de um, braço do outro e cérebro sabe-se lá de quem. Provavelmente, do André Freire, talvez! “Keep it simple”, é algo que me apetece sempre sugerir nestes casos.

Bom, lesson to learn? Sinceramente, não me parece que qualquer das propostas alternativas ao actual sistema eleitoral, pelo menos as conhecidas, possua as virtualidades suficientes para, por si só, mudar a relação entre eleitores e eleitos e valorizar a impropriamente chamada “classe política” ao olhos dos cidadãos, valendo, por isso mesmo, a assunção do risco que sempre implica a mudança de um hábito e de um sistema com quase quarenta anos. Esperemos aquela tendência tão habitual para o populismo suicida em ocasiões como esta não tolde os espíritos mais sãos. Será, talvez, um daqueles casos em que a radicalidade me parece não compensar, sendo bem mais curial que, administrativamente e com alguma dose de bom senso (quando será que os deputados podem passar a acompanhar as sessões e votar via internet do local onde se encontrem em trabalho político?), Jaime Gama e os partidos encontrem mezinha que, não curando o mal, permita pelo menos afastar as mais fortes enxaquecas. Quantas vezes, nós mesmos, não recorremos já, e com indiscutível sucesso, a uma Aspirina na nossa vida diária?

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