quinta-feira, outubro 09, 2008

De como a dimensão da crise até favorece o governo

Dizem os lugares comuns que os governos tendem a preencher a primeira metade do seu mandato com a promulgação das eventualmente necessárias medidas impopulares, reservando o que resta desse mesmo mandato para as benesses, seja, para as medidas que lhe permitirão ganhar os votos necessários para a sua reeleição. Dizem também, esses mesmos lugares comuns, que o PS e o governo Sócrates teriam, em certa medida, sido vítimas do calendário da crise, o que não lhes permitiria, depois de esgotadas as medidas ditas impopulares da primeira metade do mandato, cumprir com eficácia o “programa” de reeleição. Isso seria verdade, de facto, até uma certa dimensão da crise, até aqui há uns dias; nas suas características actuais e a partir do momento em que ela tomou a forma de quase mega-desastre internacional, ao ponto de se tornar notícia de abertura dos telejornais mais tablóides passando, qual bolsa em tempo de euforia, a ser objecto de discussão popular, isso só poderá vir a beneficiar o actual governo e o Partido Socialista. Porquê? Vejamos:
  1. Em primeiro lugar, permite mais facilmente “diluir” na crise internacional qualquer componente mais especificamente interna de crise económica, apresentando-se mesmo aquela como elemento limitador de quaisquer medidas correctivas mais radicais mas inadequadas.
  2. Em segundo lugar, permite que o PS se possa apresentar, na sua raiz mais próxima da social-democracia europeia em que a intervenção do estado não é algo de contra-natura, como o partido ideológicamente mais próximo das medidas correctoras necessárias para minorar e vencer a crise. Digamos que como o partido "natural" para o momento.
  3. Em terceiro lugar, ao nível do combate das ideias e de uma certa dominância crescente assumida nesse combate pela ortodoxia ultra-liberal, permite ao ideário social-democrata (estou a falar do PS, note-se) um comeback, em termos de expressão mediática talvez um pouco inesperado, colocando em dificuldades a direita mais liberal.
  4. Coloca claramente na primeira linha das opções dos eleitores a questão da estabilidade em vez da mudança (a propósito, já viram o que seria esta crise com o governo Santana/Portas em funções?)
  5. O necessário enfoque em medidas de curto prazo que permitam fazer crescer a economia mais rapidamente e de forma menos dependente das exportações (em causa em período de recessão internacional) permite ao governo uma defesa mais eficaz da “bondade” do seu programa de obras públicas (mesmo que revisto e corrigido, adaptando-o à crise do mercado de capitais e à nova realidade macroeconómica).
  6. Permite um certo “piscar de olho” à esquerda, uma vez que se torna absolutamente necessária a adopção de medidas expansionistas, com redução do ritmo de diminuição do déficit, sempre por essa mesma esquerda, de Alegre ao “Bloco”, reclamadas.
  7. Coloca em ainda maior dificuldade a apresentação de alternativas diferenciadoras e autónomas por parte do PSD e do Presidente da República.

Vejamos o que dirão as próximas sondagens, mas se fazer futurologia no actual cenário é bastante complicado, arrisco que se as eleições fossem ainda este ano o PS dificilmente "escaparia" a uma nova maioria absoluta.

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