sexta-feira, outubro 10, 2008

"Arrogantes" e "Humildes"

Todos conhecemos, em português, insultos vários, muito mais vernáculos do que aqueles que, na versão original ou traduzida, aprendemos da boca do capitão Haddock, de “com mil milhões de macacos” ao original “tonnerres de Brest”. Insultos como “cabrão”, “filho da puta”, “paneleiro” (hoje em dia, ainda o será?) faziam parte de um léxico na minha meninice e adolescência só aceitável nas pessoas de baixa condição social, nos “pés descalços”, nos bêbados, nas peixeiras que, mesmo assim, eram bastante mais coloridas e divertidas nos seus “palavrões” e ofensas.

Passaram anos e como tudo muda também as ofensas sofreram a devida evolução. “Filho da puta”, ou mesmo a respectiva mãe sem descendência, “cabrão” e coisas do género entraram no léxico corrente, com direito a transcrição completa na imprensa e sem a necessidade de “pis” no audiovisual. Uma chatice! Mas como os portugueses não poderiam ficar desprovidos de palavras de arremesso, “palavrões” á medida das suas necessidades de bancada do estádio a janela de carro (o ar condicionado tornou o impropério ao volante de execução mais difícil – há que abrir primeiro a janela o que lhe retira espontaneidade), por vias várias, um pouco mais intectualizadas, surgiu uma nova ofensa, arremessada de modo que julgam certeiro por todos aqueles que, numa área ou noutra, no campo do comportamento humano, descobriram em si algum complexo de inferioridade: “arrogante”! Esta é pois a ofensa definitivamente fascista, totalitária porque insusceptível de contra-argumentação, usada contra todos aqueles que pensam, têm ideias próprias e acreditam nelas, lutam por as ver vingar e não se curvam ao poder ou às massas, não cedem perante a primeira dificuldade encontrada. “Arrogante”! Esta é, pois, a moderna fogueira inquisitorial para onde são enviados os ímpios, os possuidores de ideias e os comportamentos proibidos por todos aqueles que, arrogantes ou não, pouco importa, no seu comportamento insinuantemente hipócrita se auto-intitulam de humildes, epíteto que cai sempre bem perante um povo moldado pela cultura judaico-cristã e por séculos de subdesenvolvimento e periferia. Por eras de submissão a quem julga superior.

Não, não, desenganem-se. Este país já não se divide entre mouros e cristãos, entre castelhanos e portugueses, entre senhores feudais e servos da gleba, entre monárquicos e republicanos, entre “situacionistas” e “reviralhistas”, entre operários e patrões, o que quiserem e lhes der jeito em função de preferências e opções. Esqueçam tudo isso. Na modernidade envergonhada que quer ser o país de hoje, a divisão, a nova "luta de classes" é entre “arrogantes”, os proscritos condenados ao insulto e ao fogo eterno, e “humildes”, os que são filhos de Deus, mesmo que de um menor. Como corolário e como devem calcular, só destes, pela sua “superioridade moral”, será o “reino dos céus”. Ainda bem. Arrogante, que sou, nada terei que com eles partilhar para além da vida.

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