quinta-feira, junho 17, 2010

"A Guerra" e António de Spínola

Excelente o episódio de ontem de “A Guerra”, de Joaquim Furtado e da RTP, focado quase exclusivamente sobre a figura de António de Spínola e demonstrando a inépcia política do general já antes do 25 de Abril e que tão exuberantemente iria demonstrar na sua breve passagem pela Presidência da República, com especial incidência nos episódios do chamado “golpe Palma Carlos ou da Manutenção Militar” e na “maioria silenciosa, abrindo caminho aos governos de Vasco Gonçalves e ao reforço do PCP e da chamada “esquerda militar” que lhe era afecta. Em segundo plano, também as ligações entre os oficiais “spínolistas” e a “ala liberal” da ditadura (que se manteriam no pós-revolução), mas também o impasse a que o projecto desta última tinha chegado num regime no qual a intransigência face questão colonial impedia qualquer evolução “por dentro”.

Ao pretender negociar com o PAIGC e com Amílcar Cabral por via da intermediação do presidente senegalês Leopold Senghor, Spínola esquecia algo de essencial e demonstrava desse modo a sua incapacidade de entender a política: que Cabral, enquanto presidente de um movimento de libertação representante de um futuro Estado independente e soberano, nunca aceitaria, e muito bem, negociações a não ser com o governo de Lisboa ou alguém por este oficialmente mandatado; e que Marcello Caetano e o governo de Lisboa, e também muito bem face ao que era a sua linha política, nunca poderiam aceitar uma “excepção Guiné” sem que isso constituísse um grave precedente para a sua política colonial global, tendo em conta principalmente Angola e Moçambique, preferindo uma derrota militar que lhe permitisse manter a coerência.

Por outro lado, nunca a “ala liberal” terá compreendido, ou se o entendeu não teria proposta alternativa, que a correlação de forças no regime nunca iria permitir uma candidatura à Presidência da República de alguém que, na Guiné, conduzia uma guerra quase por conta própria e já demonstrara ter claras ambições políticas numa linha, digamos que, pouco ortodoxa. Um outro Humberto Delgado, mesmo que mitigado pela impossibilidade de uma candidatura alternativa numa eleição que depois do “general sem medo” se tinha tornado indirecta, era algo a que a ditadura não se poderia permitir.

Já agora, não deixo, uma vez mais, de estranhar o silêncio a que os “media” têm remetido o excelente (todos os elogios são poucos) trabalho de Joaquim Furtado. Percebo: algo que prefere o rigor, a investigação histórica honesta e o trabalho sério ao ruído dos radicalismos e à discussão demasiado centrada em preconceitos e barricadas ideológicas acaba sempre por, à falta de argumentos para o combater, ser remetido ao silêncio.

Uma vez mais, parabéns, Joaquim Furtado!

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