Ora vamos lá tentar pôr alguma ordem na discussão das novas tecnologias no futebol, tentando, tanto quanto possível, deixar fora de campo a demagogia e populismo que teimam em envenenar a discussão séria de qualquer assunto em Portugal e colocando (tentando colocar) em primeiro plano algum rigor e análise mais estruturada e alicerçada. Para isso, vamos ver o que se passa em alguns desportos frequentemente citados como exemplo, bem como alguns testes já efectuados no próprio futebol. Claro, deixaremos de lado todas as soluções que adulterariam de uma forma radical a concepção, desenvolvimento e fluir do jogo tal como o conhecemos e não são aplicadas em nenhum outro desporto de expansão universal (saem assim de jogo o futebol americano e o baseball, desportos quase apenas nacionais e dos quais não tenho conhecimento aprofundado).
- Rugby – citado habitualmente como exemplo a seguir - e apesar de se tratar de um jogo de contacto físico e conquista de terreno em que, por isso mesmo, as interrupções são frequentes assim como os momentos de relativa “pausa” (chamemo-lhes assim) na dinâmica do jogo (“formações ordenadas”, “mauls”, “rucks”, “alinhamentos”) - no rugby apenas existe o recurso a um vídeo-árbitro e, mesmo assim, em condições muito restritivas: só é utilizado nos grandes torneios em que existe a garantia de todos os jogos terem idêntica cobertura televisiva (por exemplo, no torneio de apuramento para o mundial que Portugal habitualmente disputa, é inexistente) e apenas por decisão do árbitro principal (quem segue as transmissões, por certo já teve ocasião de ver o árbitro a fazer o respectivo sinal) em lances de dúvida de ensaio (ou toque de meta no caso da equipa que defende) ou de “pontapé aos postes” (penalidade, transformação de ensaio e “pontapé de ressalto”). Por analogia, no futebol só seria utilizado por decisão do árbitro e quando este achasse necessário confirmar a legalidade ou efectivação de um golo.
- Ténis – o sistema “hawk-eye” (utilizado também no “cricket”, desporto que mal conheço) permite, em caso de dúvida, verificar se a bola bateu dentro ou fora do “court”, algo essencial na contagem dos pontos. Por exemplo, foi introduzido em Wimbledon em 2007, mas, mesmo assim, dado tratar-se de um sistema muito caro (o último custo de utilização que eu tinha era de €15 000 por unidade e por semana), apenas nos “courts” central e nº1 (desconheço se, actualmente, já é utilizado noutros "courts", mas dado o seu custo e complexidade, bem como o número de "courts" utilizados num torneio do "Grand Slam", penso que não). Como se sabe, cada jogador tem direito a três verificações por “set” e mais uma no caso de “tie break”. Mesmo assim, no caso de uma bola de ténis está estimado um erro de 5% e o sistema não tem estado isento a críticas nem eliminou a controvérsia, tendo mesmo apresentado, aqui e ali, problemas de fiabilidade. No entanto, num desporto como o ténis, em que as “bolas duvidosas” podem chegar a atingir uma dezena por “set” e o valor dos prémios em jogo, nos principais torneios, é muito elevado, o investimento justifica-se. A pergunta que deixo é a seguinte: quantas vezes, em fases finais de Europeus e Mundiais, na Champions League ou, vá lá, na Liga Europa, surgiriam situações em que fosse necessário recorrer ao “hawk-eye”? Justificar-se-ia o investimento em tantos estádios? Para além disso, uma outra questão a que não posso responder: uma vez que no ténis se trata de determinar com exactidão onde a bola bateu (dentro ou fora do “court”), quão fiável seria o sistema no caso em que fosse necessário determinar se a bola ultrapassara ou não a linha de golo pelo ar? Fica a pergunta...
- “Chip” na bola, o caso mais simples – a Adidas desenvolveu um modelo de bola com “chip” que foi testado no Mundial de Sub 17 em 2005. Conheço mal os pormenores, mas parece que o grau de precisão apurado foi de 95%. A pergunta que deixo, por muito incómoda que possa parecer, é se vale a pena o investimento quando o grau de precisão encontrado não parece ser total nem significativamente maior do que o do sistema de arbitragem convencional e os casos de dúvida muito poucos. Muito sinceramente, se me é permitida uma opinião pessoal, como tal subjectiva, parece-me tratar-se apenas de um "gadget".
Conclusão: penso fica provado que o único sistema que pode trazer alguns benefícios e ser implementado facilmente e sem grandes custos ou problemas para o normal fluir do jogo tal como o conhecemos será o vídeo-árbitro, desde que apenas nas grandes competições em que todos os jogos sejam televisionados em condições idênticas (fora, pois, de consideração a sua adopção na Liga Portuguesa) e apenas a solicitação do árbitro principal em casos de dúvida sobre a validação de um golo. Nos casos do Inglaterra-Alemanha e Argentina-México tal coisa, tão simples, teria resolvido facilmente os dois lances polémicos.
10 comentários:
Bem, quase até ao fim estava de acordo, mas não consigo atinar com a exclusão da Liga Portuguesa. Qual o motivo? Serem todos igualmente televisionados? Mas isso não tem nada a ver com o vídeo-árbitro e nem me parece que fosse grande investimento para a FPF. Aliás, parece-me que qualquer jogo em que os intervenientes pertencessem aos campeonatos profissionais deveriam contar com essa figura. É que no final, o 4º árbitro actualmente parece que só serve para arbitrar as substituições e conter os treinadores.
Abraço
Cato JC
Tem cada vez menos cabimento a inusitada alergia a um vídeo-árbitro, o mínimo razoável tecnológico em prol da verdade desportiva e do “fair-play” que teria evitado a desgraça dos dois jogos de ontem e a de dois jogos dos USA, todos mediatizados à escala global ( os partidários do “aproach” tecnológico ao desporto nunca poderiam supor uma tão grande e oportuna promoção mediática ).
Esperei em vão vinte e quatro horas por um qualquer vislumbre de "mea culpa” ou ténues sinais de fumo de um qualquer processo de intenções por parte dos responsáveis do futebol em ordem a colocar na agenda o debate dos meios tecnológicos. RIEN, PAS DE TOUT ! NIHIL!
Se os organismos que tutelam o futebol teimam em não o implementar, antes sobrevalorizam o seu custo e/ou o tempo de jogo, nunca enfatizando os seus benefícios, o que poderemos então concluir ?
(Não se trata de teorias da conspiração. Quem conspira são a FIFA e UEFA contra os meios tecnológicos ! )
Concordo genericamente com a bem fundamentada análise a que JC já nos habituou.
Todavia, discordo no ponto em que JC limita a iniciativa do recurso ao vídeo-arbitro ao exclusivo critério “ex officio”da própria equipa de arbitragem, ficando assim excluído o secular princípio do “pouvoir arrête le pouvoir”.
Caso ficasse limitado ao solipsísmo arbitral nada garante que os erros de ontem não passassem ao lado do critério de recurso ao vídeo-arbitro por parte da errónea arbitragem. Entregar o critério ao critério ou o erro ao erro corre o risco de descredibilizar os meios tecnológicos.
Em minha opinião, o recurso ao vídeo-arbitro pode efectivamente ser promovido “ex-officio” pela equipa de arbitragem, mas é imprescindível que a equipa lesada possa também promover tal recurso ao vídeo-árbitro, na esteira do “challenge” no futebol americano.
No caso dos jogos de ontem, caso os àrbitros mantivessem o erro sem recurso ao vídeo-àrbitro . Inglaterra e México poderiam usar o “challenge” para obrigar os árbitros ao visionamento.
Claro que o “challenge” só poderia ser usado para contestar a validação ou invalidação de jogadas que culminarem em golo, ou contestar uma sanção disciplinar, e caso este recurso se mostrasse infundado a equipa promotora seria penalizada com um livre junto da sua grande área.
Também sou da opinião que todos os jogos com cobertura televisiva adequada devam estar sujeitos ao regime do vídeo-arbitro independentemente dos jogos não televisionados da mesma competição.
Tal discrepância não traduz vantagem ou desvantagem alguma para alguém, a menos que se sustente que os jogos sem vídeo-arbitro se traduzam num favor ao invés dos outros o que pressupõe, de facto, a premeditação de arbitragem. Tudo o que possa recorrer ao vídeo é um ganho em prol da verdade desportiva e respeito pelos pagantes e demais espectadores, não podendo a falta de relevisionamento suster um valor acrescentadonos restantes televisivos.
JR
PS : O futebol americano, um grande exemplo de interligação de meios tecnológicos com o desporto, não se limita aos USA. Existem ligas de futebol americano por toda a Europa, incluido Portugal e Espanha. Para mais informações sobre a liga portuguesa consulte-se:
http://lisboanavigators.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=16:calendario-liga-portuguesa-fa&catid=1:noticias&Itemid=2
Nota de última hora.BREAKING NEWS !
Cc.
aos responsáveis da FIFA, UEFA e
International Board.
Miroslav Klose, jogador marcador da Alemanha, próximo de bater o recorde de golos em mundiais, afirmou hoje pela necessidade de recurso aos meios tecnológicos em ordem a evitar erros como aquele que beneficiou a sua selecção, apontando como exemplo a seguir o ... futebol americano.
Na verdade, tenho que lhe dar razão Caro JC, "como em quase tudo na vida, ganha a Alemanha"
JR
Meu caro VdeAlmeida: não se pode incluir a Liga Portuguesa pois nem todos os jogos são televisionados e os que o são não utilizam o mesmo nº de câmaras e meios. Criaria desigualdades. Desde que fossem asseguradas condições de igualdade em todos os jogos, o que me parece complicado, nada teria a obstar. Já agora e quanto ao 4º árbitro: bem poderia assegurar a cronometragem do tempo de jogo,parando o cronómetro nas interrupções, e este passar a ser constituído por 2 partes de 30' de jogo útil.
Bom, caro JR: admito se analise a possibilidade de o próprio vídeo-árbitro, tal como os outros árbitros auxiliares, possa alertar o árbitro das situações em que veja irregularidade em algum golo. Já discordo que os capitães das equipas possam pedir recurso nessas situações, já que abriria ainda mais a porta à contestação e autoridade dos árbiros. Quanto ao futebol americano, não me pronuncio, por desconhecimento, mas lembro que o jogo - o seu desenrolar, as suas leis, a sua tradição, a sua cultura e meio-ambiente em que se joga nada tem a ver com o "soccer". Quanto à cobertura televisiva veja o que respondi ao leitor VdeAlmeida.
Cumprimentos
Outra nota de última hora – BREAKING NEWS
Joseph Blatter, secretário-geral da FIFA , acordando finalmente de um silêncio ensurdecedor que nem vuvuzelas e depois de muitas preces, veio fazer o que se impunha, pedir desculpas à Inglaterra e ao México ( desconhece-se se também as pediu à Rep. Da Irlanda ou aos USA ) , manifestando a intenção de colocar os meios tecnológicos na agenda da próxima reunião da FIFA.
Porém, para garantia de um debate sério e alargado, precisa este que só admite mudanças no que diz respeito à linha de golo, pois não considera necessário haver introdução de novas tecnologias para os fora-de-jogo.
Assim sendo, também os meios tecnológicos não poderiam servir para anular o golo sofrido pelo México a quem as desculpas devem soar credíveis e verdadeiras
Tal como num jogo de futebol, podemos pois ficar tranquilos confiando num debate em que, tanto o tema quanto o resultado já estão delimitado e definidos “ a priori”, como um resultado eleitoral do Querido Líder.
Os ollhos da tecnologia não podem ver o que a FIFA não quer que eles vejam
Teorias da conspiração, demagogia, populismo ??
"Faites vos jeux... les jeux sont faits... rien ne va plus!"
JR
No caso dos "fora de jogo" tb estou em desacordo consigo. Como frisei, e acho é o mais longe que se pode ir, verificar da legalidade de um golo quando isso suscite dúvidas à equipa de arbitragem. Já reparou o que seria recorrer ao vídeo-árbitro sempre que existisse um f. de j.?
Mas não se trata de um recurso ao vídeo-árbitro todas as vezes que haja fora-de-jogo mas sim quando a jogada culmine num golo – ilegítimo - na sequência de um fora-de-jogo não assinalado, como seria de inteira justiça por exemplo no caso do golo da Argentina frente ao México.
Vejamos :
1- A maioria dos fora-de-jogo são assinalados;
2- Não sendo assinalado nem sempre resulta num golo;
3- Resultando num golo, ainda haveria do árbitro “ex officio” ou a equipa lesada de promoverem o recurso ao vídeo.
Logo, a intervenção do vídeo-árbitro continua a ser excepcional ou marginal , como aliás se pretende, mesmo acrescentada a valia em determinar se a bola passou a linha de golo, dúvida esta ainda mais excepcional.
O que não é razoável é que o vídeo-árbitro possa validar ou invalidar golos sem função da linha de golo e já não se permita invalidar um golo num flagrante fora-de-jogo.
Os telespectadores e os pagantes do estádio visionariam – até em super “slow motion” - aquilo que a arbitragem não pode usar em seu auxílio por os meios tecnológicos encontrarem afectos , em exclusividade, para num belo dia, decidirem se a bola passou a linha da baliza., talvez uma meia-dúzia de jogos num campeonato.
Um premeditado e quase completo desaproveitamento dos recursos que em Economia tem os seus custos.
Aliás, foi o Caro JC , no post anterior a sugerir que medidas simples poderiam ter evitado a validação, nomeadamente, do golo da Argentina.
Que medidas essas senão as de permitir ao video-árbitro analisar a validade de um golo surgido de um fora-de-jogo , em prol da verdade desportiva e do “fair-play”?
Cumprimentos
JR
Mas eu disse desde sempre que estava de acordo com que o vídeo-árbitro analizasse as jogadas que culmissem c/ golo!
Joseph Blatter e a FIFA não estáo de acordo.
JR
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