Penso neste seu texto do DN, publicado também no "Jugular", estar Fernanda Câncio a confundir duas coisas bem distintas. Por um lado, a tentativa dos poderes públicos (ou, pior, de alguns dos seus agentes) imporem a toda a sociedade uma sua concepção da moral, para o qual não estão mandatados nem têm qualquer cobertura legal. É o que acontece nos casos que cita da tentativa de apreensão de um livro por parte da PSP de Braga, do célebre e triste episódio Saramago/Sousa Lara e, tanto quanto sei, também no episódio do Museu Grão Vasco, que penso ser um espaço gerido pelo Estado ou pela autarquia. Serei - e tenho sido - dos primeiros a protestar e lutar contra tal coisa. Outra coisa, bem diferente, é o direito e a liberdade que uma instituição privada que patrocina, organiza e expõe em espaço próprio uma manifestação artística deve ter para decidir o que quer expor em função dos seus valores e objectivos que persegue. Inclusivamente, em função daquilo que entende serem os valores morais da instituição e da maioria dos seus "stakeholders" (não confundir com "stockholders").
Fernanda Câncio considera "hilariante" que a Companhia de Seguros Tranquilidade invoque os "valores tradicionais" da seguradora e pergunta: "além do fazer dinheiro, quais?" Bom, para além de "fazer dinheiro", desde que respeitando a legalidade e a ética, ser algo perfeitamente legítimo e necessário numa democracia liberal baseada na livre iniciativa, como o são as democracias ocidentais (é mesmo um dos princípios fundamentais em que estas assentam), as principais empresas, públicas ou privadas, são, na sua actividade, normalmente enquadradas por um conjunto de valores e regras que as definem, presidem aos seus negócios e lhes permitem ser bem sucedidas ("fazer dinheiro", mas também terem uma função social - as que a têm) nas sociedades e mercados onde actuam. Digamos que tal define a sua personalidade e o seu "way of doing the things". Nada estranho, portanto, que a Tranqulidade os invoque neste caso.
No seu texto Fernanda Câncio critica também o Secretário de Estado da Cultura por duplicidade de opiniões entre o caso de Braga e este agora da Companhia de Seguros Tranquilidade. Existem, certamente, boas razões para se criticar o governo, e eu próprio não tenho por aqui deixado escapar oportunidade quando tal se justifica. Mas, pelo que acima escrevo, pela necessidade clara de um distinção entre o que é da esfera "pública" e o que pertence ao foro "privado", essencial numa democracia liberal (não conheço outra), não me parece constituir este assunto razão para tal. Outras oportunidades não faltarão...
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