Uma coisa que Jorge Jesus tem de compreender rapidamente é que uma equipa não pode ir trocando de identidade, de modelo, jogo a jogo. Muito menos pode hesitar permanentemente na assunção dessa mesma identidade. Isto não significa que, dentro de limites, não possa ir mudando o seu sistema (4x4x2; 4x3x3) de jogo para jogo ou até durante um jogo, consoante a flexibilidade e polivalência dos seus jogadores ou as alterações e substituições que faça. Não pode é mudar de identidade... O Barça, o Arsenal, o Real Madrid, mesmo o FCP são equipas com uma forte identidade e quando muito, a longo prazo, vão fazendo evoluir, em nuances, essa sua identidade num ou noutro sentido. Por exemplo, o FCP utilizava mais as transições rápidas com Jesualdo Fereira e passou a privilegiar mais a posse e circulação de bola com Villas-Boas, mas tal não significou uma mudança brusca, nem sequer mesmo uma ruptura ou que um modelo se passasse a impor definitivamente a outro: houve, simplesmente, uma evolução que determinou que um dos modelos se fosse tornando mais dominante (mas não exclusivo).
Ora o SLB tinha essa mesma identidade há duas épocas: uma equipa que jogava quase exclusivamente em transições muito rápidas, com alas agressivos e que jogavam verticalmente dando profundidade à equipa (Coentrão/Di Maria e Maxi/Ramires ou Urreta - até dada altura) e um "ponta de lança" do tipo poste" (Cardozo), servido por esses mesmos alas que arrastavam os defesas contrários para os flancos e assim abriam, juntamente com Saviola no meio, os espaços necessários para um jogador (Cardozo) que deles precisa para ser eficaz. A capacidade de Ramires para fechar no meio e a rapidez de David Luiz, permitindo-lhe subir no terreno e à defesa jogar adiantada, equilibravam defensivamente a equipa ajudando a ganhar agressividade a meio-campo. Mesmo assim, no grandes jogos, esse modelo muito "prá frentex" e com pouca capacidade de "gestão de bola" deu alguns problemas: a equipa sentia dificuldades defensivas e, embora campeã, não conseguiu vantagem nos jogos contra as equipas do seu campeonato (FCP e S.C. Braga).
Os problemas defensivos enfrentados na época passada, particularmente nos jogos da Champions League, mostraram à evidência os problemas deste modelo sem Ramires, Di Maria e, depois, David Luiz, pelo que Jorge Jesus terá começado a hesitar na preparação desta época entre repetir o modelo das épocas anteriores, com Witsel em vez de Aimar, quando fosse necessário um maior equilíbrio defensivo, e Enzo Perez a fazer de Sálvio, e um modelo quase antagónico, de transições rápidas mas em circulação, em passe mais curto, em carrocel, sem Cardozo mas com jogadores muito móveis e extremos "trocados" a efectuarem diagonais. Digamos que menos vertical. Tal permitir-lhe-ia utilizar simultâneamente Witsel e Aimar, equilibrar a equipa e encurtar e preencher melhor os espaços. O sucesso de Nolito, um dextro a jogar do lado esquerdo e que por esse motivo obriga Gaitán a ir para a direita, o que é pouco compatível com a eficácia de Cardozo, terá contribuído ainda mais para entusiasmar Jorge Jesus. O problema é que estamos perante dois modelos, duas identidades, demasiado antagónicas para irem coexistindo e alternando, e para jogar no modelo "tradicional" (digamos assim), para além de precisar de uma alternativa a Cardozo (na época passada, bem ou mal, havia Kardec), não pode "meter" Aimar e Witsel na mesma equipa nem utilizar Nolito. Já para o "novo" modelo não tem um "ponta de lança" adequado e em Barcelos acabou por misturar os dois com os maus resultados conhecidos.
Parecem-me, pois, ser estas as hesitações de Jorge Jesus, e é bom que resolva rapidamente o seu dilema enquanto o mercado está aberto e pode fazer adaptações sem pôr a época demasiado em risco. E também o seu emprego e, last but not least, a paciência dos benfiquistas.
2 comentários:
Caro JC
Excelente análise. Totalmente correcta. Só que JJ, do meu ponto de vista, está "perdido" e não tem capacidade para criar um modelo estavél. Já perdeu, há muito, o "estado de graça". O glorioso necessita de um treinador, de um lider, que acabe com este estado de coisas.
Não estou em desacordo consigo. o problema são as alternativas. Vamos ter calma.
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