O governo sofreu ontem à tarde o seu primeiro embate com a realidade e a seu primeiro revés, para não lhe chamar significativa derrota. E, curiosamente, tal não se fica a dever à oposição, aos sindicatos, à "rua", mais ou menos radical, à "geração á rasca", mas, pura e simplesmente, vem de onde um governo de direita, que se assume como liberal, menos (a não ser que estivesse muito atento) a poderia esperar: dos "mercados" e das agências de "rating". O que, de facto, a Moody's veio dizer ao governo foi que não acredita na capacidade da ortodoxia financeira dominante na Europa, e que encontra eco privilegiado e radical no actual governo, para resolver a crise da dívida e colocar as economias dos países periféricos a crescer de modo a cumprirem os seus compromissos. Foi dizer que por muito que as medidas de "austeridade" possam, no curto-prazo, ser eficazes no combate ao "déficit" dos países periféricos terão como consequência lançar estes países uma enorme recessão económica de onde as tais reformas estruturais nunca conseguirão, por si sós, fazê-los sair. Foi "alinhar" com o cada vez maior conjunto de vozes insuspeitas (ver as afirmações de Silva Lopes ontem ao Jornal de Negócios") que, na Europa e no mundo, clamam por uma diferente estratégia e se mostram espantadas e até agastadas pelo facto da UE não conseguir resolver a crise de dois dos seus mais insignificantes Estados.
Dramático é verificar também que a reacção do governo, via Ministério das Finanças, afirmando não entender porque terá "respondido certo e tido negativa", e de alguns dos seus conselheiros como João Duque (patético), prova que ainda não entenderam tal coisa, continuando a assumir convictamente uma estratégia, tornada crença, do tipo de "vitória em vitória até à derrota final". Dramático, para o país, é concluir que, enquanto um raio de luz não iluminar as inteligências europeias, não nos resta mais nada, e isto independentemente da ideologia de cada governo, senão lançar mais e mais medidas de austeridade e cumprir o MoU, sabendo que, no médio-prazo, tal não só nada resolve como aprofundará ainda mais os problemas. Por último, dramático não será, mas também não nos deixará muito descansados pensar como é que um país que, independentemente da capacidade empreendedora de muitos dos seus empresários, sempre cresceu, desde o iluminismo pombalista ao betão cavaquista passando pelos caminhos de ferro de Fontes, encostado ou com a ajuda do Estado e das "obras públicas" poderá vir a transformar-se, por obra e graça de uma legislatura, num país ultra-liberal com taxas de crescimento elevadas (se o conseguirem, tirarei o meu chapéu).
Claro que podemos blasfemar contra as agências de "rating", dizer, porventura com razão, que perseguem interesses privados, que são instrumento de especuladores, que, no fundo, estamos perante uma "self fulfilling prophecy", que a Europa deveria criar uma sua agência própria, etc etc. Tudo isso é defensável e não serei eu a estar em desacordo. Mas a pergunta final que deixo é a seguinte: ceteris paribus, alguém acredita mesmo que Portugal não vai ter que reestruturar a dívida, receber um novo empréstimo e que terá extremas dificuldades em crescer a taxas que lhe permitam pagar aos seus credores e voltar ao mercado na próxima década? Pois...