O aumento de 15% no custo dos transportes é uma daquelas medidas que penaliza essencialmente os mais pobres - maioritariamente os "heavy users" dos transportes públicos -, já de si também penalizados por viverem em zonas mais degradadas, onde a qualidade de vida é menor e normalmente situadas mais longe dos locais de trabalho - obrigando, por isso, a longas deslocações. Veremos como e em que medida o, prometido para Setembro, título de transporte para os utentes de menores recursos tornará mais "ligeiro" este aumento.
Por outro lado, embora não pense esta medida vá directamente fomentar o transporte individual de modo significativo (a maioria dos "heavy users" ou não tem carro ou continuará para eles a ser bem mais caro recorrer a ele diariamente), ela vai ao arrepio do que são as políticas desenvolvidas hoje em dia nos países mais civilizados, que, por razões energéticas, de mobilidade urbana e emissões de CO2, tendem a desincentivar fortemente a utilização do automóvel nas zonas urbanas e suburbanas.
Ok, mas o "déficit" das empresas de transporte é mesmo, utilizando a expressão do momento, insustentável. Que fazer, então? Bom, parece-me ser melhor esquecer a peregrina ideia de cada um pagar segundo os seus rendimentos: quem tem passe social (os "heavy users", portanto) já são maioritariamente os mais pobres e parece-me de difícil concretização técnica uma medida que descrimine os utilizadores em função dos rendimentos, talvez com excepção dos desempregados, beneficiários do rendimento mínimo e de outro tipo de transferências sociais de sobrevivência. Por isso mesmo, para além da racionalização de custos nas empresas - o que, em parte, tem vindo a ser feito com a supressão de carreiras e modificação de horários mas necessita de aprofundamento) restará uma política que penalize financeiramente a utilização do transporte individual e transfira esses recursos para o sector público de transportes. Como? Bom, tendo em atenção a elevada fiscalidade já existente no sector automóvel e dos combustíveis (não me parece qualquer governo tenha capacidade ou vontade política para enfrentar os custos de um seu muito maior agravamento, bem como "ousar" ir contra os interesses dos grupos de pressão respectivos), penalizando fortemente o estacionamento e a circulação urbana, aumentando o custo de algumas portagens (por exemplo, com o comboio na ponte 25 de Abril não se compreende a respectiva portagem se mantenha aos actuais níveis) e implementando outras (outro exemplo: porque razão a entrada em Lisboa através do IC 19 não poderia ser portajada?).
Problemas? Bom, o principal é que os governos assentaram toda a sua estratégia dos últimos 30 anos (para não recuar aos anos 60 do século XX), principalmente a ligada ao desenvolvimento das áreas urbanas e suburbanas, no primado do transporte individual. À direita achou-se - mal - que o desenvolvimento dos transportes públicos, e principalmente da ferrovia, era coisa mais ou menos esquerdizante, quando é apenas uma medida de carácter civilizacional. No centro-esquerda, na social-democracia representada pelo PS, deve ter-se considerado que isso era coisa de PCP e extrema-esquerda, e como as eleições se ganham "ao centro" era melhor deixar tudo como estava. Criou-se assim, principalmente nas zonas urbanas, um modelo civilizacional e de qualidade de vida efectivamente ligado à utilização do automóvel, mas também uma inércia e um "way of doing the things" que, tanto do lado de governos como de cidadãos, será agora bem difícil, e eleitoralmente custoso, vencer e inverter. E enquanto não houver coragem para enfrentar de frente tal problema, continuemos, pois, a penalizar alegremente os mais pobres.
Problemas? Bom, o principal é que os governos assentaram toda a sua estratégia dos últimos 30 anos (para não recuar aos anos 60 do século XX), principalmente a ligada ao desenvolvimento das áreas urbanas e suburbanas, no primado do transporte individual. À direita achou-se - mal - que o desenvolvimento dos transportes públicos, e principalmente da ferrovia, era coisa mais ou menos esquerdizante, quando é apenas uma medida de carácter civilizacional. No centro-esquerda, na social-democracia representada pelo PS, deve ter-se considerado que isso era coisa de PCP e extrema-esquerda, e como as eleições se ganham "ao centro" era melhor deixar tudo como estava. Criou-se assim, principalmente nas zonas urbanas, um modelo civilizacional e de qualidade de vida efectivamente ligado à utilização do automóvel, mas também uma inércia e um "way of doing the things" que, tanto do lado de governos como de cidadãos, será agora bem difícil, e eleitoralmente custoso, vencer e inverter. E enquanto não houver coragem para enfrentar de frente tal problema, continuemos, pois, a penalizar alegremente os mais pobres.
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