Não me lembro de alguma vez ter assistido em Portugal a uma tão grande e repentina transferência de poder e de valor dos empregados para os empregadores, do trabalho para o capital. Tudo isto sem qualquer oposição significativa de sindicatos, organizações de trabalhadores e partidos que se reclamam da esquerda "pura e dura" (PP e BE). Mais... Em alguns casos, mesmo com a sua conivência, pelo menos parcial, como é o caso do que acontece na Educação, onde um programa retrógrado é implementado por uma aliança tácita entre o governo e a Fenprof. Isto acontece num país onde a extrema-esquerda representa cerca de 20% dos eleitores e onde um partido comunista ortodoxo domina a maioria dos grandes sindicatos. Acresce que isto também se passa perante a oposição ou, no mínimo, sem qualquer entusiasmo visível da maioria das organizações patronais, e o desagrado de muita gente que tradicionalmente se situa ao centro e à direita.
Em muitos países não me parece tal fosse possível em democracia ou, pelo menos, sem que a contestação extravasasse a normalidade institucional. No Chile de 1973, embora o país vivesse em plena situação pré-revolucionária (ou até mais do que isso), o que faz alguma diferença, um programa ideológico que, pelo menos na sua essência e objectivos, não será assim tão diferente como se possa pensar do perfilhado pelo actual governo português, custou uma das ditaduras mais cruéis e sinistras da segunda metade do século XX, com todas as suas infelizes consequências. "Portugal não será o Chile da Europa", como se gritava em pleno PREC? Não foi, felizmente, pelo menos do modo como se julgava tal poderia vir a acontecer. Mas parece que as diferenças se arriscam a ficar por aí e um programa razoavelmente semelhante até seja possível de aplicar em democracia. Será que, mais uma vez, a originalidade do "processo revolucionário" português, agora passados mais de 35 anos, não vai cessar de nos surpreender?
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