Com uma brilhante tradução do Mário-Henrique Leiria. Haja alguma coisa que atenue os desesperados dias que vivemos. Não resisti: fui à estante e pateceu-me deixar o final de "O Imenso Adeus"
"- Eu estive nos comandos. Eles não aceitam tipos feitos de algodão em rama. Fui ferido e o trabalhinho que os médicos nazis me fizeram não teve muita graça. Sinto-lhe as consequências. - Eu sei Terry. Vocé, sob muitos aspectos, é um tipo muito simpático. Eu não estou a julgá-lo. Nunca o julguei. Simplesmente vocé já não existe. Já deixou de existir há muito. Está bem vestido, todo perfumado e tão elegante como uma prostituta de cinquenta dólares. - Isto faz parte do disfarce - respondeu-me quase desesperadamente. - Mas vocé diverte-se, não diverte? A boca torceu-se-lhe num sorriso amargo. Depois encolheu os ombros expressivamente, à latina. - Claro que me divirto. Tudo quanto hoje existe é teatro. Não há mais nada. Aqui - e bateu no peito com o isqueiro - não há nada. Eu estou pronto, Marlowe. E já o estava há muito. Bom, parece-me que não há mais nada a dizer. Ele levantou-se. Eu leventei-me. Ele estendeu a mão esguia. Eu apertei-a. - Até à vista, Sr. Maioranos. Gostei muito de o conhecer, apesar de o nosso contacto ter sido tão breve. - Adeus. Ele voltou-se, atravessou o escritório e saiu. Fiquei a ver a porta fechar-se. Ouvi-lhe os passos afastarem-se no corredor que predendia ser de mármore. Tornaram-se cada vez mais fracos até que deixei de os ouvir. Mas continuei à escuta. Porquê? Seria que eu esperava que ele parasse de repente e voltasse para trás e falasse comigo até que eu deixasse de me sentir como me sentia? Mas ele não voltou. Foi a última vez que o vi. E nunca mais vi nenhum dos outros - excepto os polícias. A esses, ainda não se inventou um processo de lhes dizer adeus."
Caramba! Já tinha desesperado de ver a capa do Cândido Costa Pinto de “O Imenso Adeus” do Chandler. Na última do Costa Pinto que publicaste estive para fazer a observação, mas varreu-se-me… Já tudo dito sobre a tradução, eu acrescentaria: soberba tradução do Mário-Henrique Leiria. Já que entraram no campo das citações, não resisto a esta, que me dá sempre um imenso gozo. E para não fugir à tradição, cada vez que pego no livro volto a relê-lo. O João Bénard da Costa já não sabia quantas vezes tinha visto o “Johnny Guitar”. Também não sei quantas vezes li “O Imenso Adeus”:
“Gosto dos bares à tardinha, logo que abrem. Quando ainda há ar fresco e limpo e tudo está luzidio e o tipo do bar dá a última olhadela aoa espelho para verificar se a gravata está direita e o cabelo bem liso. Gosto das garrafas arrumadas nas prateleiras do fundo e dos copos bem brilhantes e da sensação de antecipação que se tem. Gosto de ver o homem misturar a primeira bebida da tarde e pô-la no bar com o pequeno guardanapo bem dobrado ao lado. Gosto de a saborear sem pressa. A primeira bebida sossegada num bar sossegado – é estupendo! Eu concordei. - O álcool é como o amor. O primeiro beijo é mágico, o segundo é intenso e o terceiro é rotina. Depois só resta despir a rapariga. - E isso é mau?” – perguntei-lhe.”
3 comentários:
Com uma brilhante tradução do Mário-Henrique Leiria.
Haja alguma coisa que atenue os desesperados dias que vivemos.
Não resisti: fui à estante e pateceu-me deixar o final de "O Imenso Adeus"
"- Eu estive nos comandos. Eles não aceitam tipos feitos de algodão em
rama. Fui ferido e o trabalhinho que os médicos nazis me fizeram não
teve muita graça. Sinto-lhe as consequências.
- Eu sei Terry. Vocé, sob muitos aspectos, é um tipo muito simpático. Eu
não estou a julgá-lo. Nunca o julguei. Simplesmente vocé já não existe.
Já deixou de existir há muito. Está bem vestido, todo perfumado e tão
elegante como uma prostituta de cinquenta dólares.
- Isto faz parte do disfarce - respondeu-me quase desesperadamente.
- Mas vocé diverte-se, não diverte?
A boca torceu-se-lhe num sorriso amargo. Depois encolheu os ombros
expressivamente, à latina.
- Claro que me divirto. Tudo quanto hoje existe é teatro. Não há mais
nada. Aqui - e bateu no peito com o isqueiro - não há nada. Eu estou
pronto, Marlowe. E já o estava há muito. Bom, parece-me que não há mais nada a dizer.
Ele levantou-se. Eu leventei-me. Ele estendeu a mão esguia. Eu
apertei-a.
- Até à vista, Sr. Maioranos. Gostei muito de o conhecer, apesar de o
nosso contacto ter sido tão breve.
- Adeus.
Ele voltou-se, atravessou o escritório e saiu. Fiquei a ver a porta
fechar-se. Ouvi-lhe os passos afastarem-se no corredor que predendia ser
de mármore. Tornaram-se cada vez mais fracos até que deixei de os ouvir.
Mas continuei à escuta. Porquê? Seria que eu esperava que ele parasse de
repente e voltasse para trás e falasse comigo até que eu deixasse de me
sentir como me sentia? Mas ele não voltou. Foi a última vez que o vi.
E nunca mais vi nenhum dos outros - excepto os polícias. A esses, ainda
não se inventou um processo de lhes dizer adeus."
Um abraço
Caramba! Já tinha desesperado de ver a capa do Cândido Costa Pinto de “O Imenso Adeus” do Chandler. Na última do Costa Pinto que publicaste estive para fazer a observação, mas varreu-se-me…
Já tudo dito sobre a tradução, eu acrescentaria: soberba tradução do Mário-Henrique Leiria.
Já que entraram no campo das citações, não resisto a esta, que me dá sempre um imenso gozo. E para não fugir à tradição, cada vez que pego no livro volto a relê-lo.
O João Bénard da Costa já não sabia quantas vezes tinha visto o “Johnny Guitar”. Também não sei quantas vezes li “O Imenso Adeus”:
“Gosto dos bares à tardinha, logo que abrem. Quando ainda há ar fresco e limpo e tudo está luzidio e o tipo do bar dá a última olhadela aoa espelho para verificar se a gravata está direita e o cabelo bem liso. Gosto das garrafas arrumadas nas prateleiras do fundo e dos copos bem brilhantes e da sensação de antecipação que se tem. Gosto de ver o homem misturar a primeira bebida da tarde e pô-la no bar com o pequeno guardanapo bem dobrado ao lado. Gosto de a saborear sem pressa. A primeira bebida sossegada num bar sossegado – é estupendo!
Eu concordei.
- O álcool é como o amor. O primeiro beijo é mágico, o segundo é intenso e o terceiro é rotina. Depois só resta despir a rapariga.
- E isso é mau?” – perguntei-lhe.”
Thanks, Gin-Tonic. E na 3ª feira lá estaremos.
Enviar um comentário