Beatles - "Love Me Do"
Não sou um fanático ou incondicional dos Beatles. Aliás, não serei incondicional de ninguém e alguma dose de fanatismo que os já muitos anos de vida ainda não arredondaram deixo-a para o meu “glorioso”, que bem dela tem andado necessitado. Mas, voltando aos Beatles, devo dizer, de ente a sua discografia prefiro francamente os seus 1ºs "singles" e álbums (aqueles que por vezes ainda oiço na base de um acto de vontade), talvez porque, em algum do seu ainda primarismo (no bom sentido) e menor sofisticação, mais perto das raízes do "rock and roll original", o que não quer dizer os considere "os melhores", o que quer que a palavra queira dizer em todo o seu relativismo subjectivo.
O que fará então de um grupo que nem sequer se pode dizer tivesse executantes excepcionais (ao nível de um Jimmy Page, ou de um Eric Clapton, por exemplo, já não falando de um baterista como Ginger Baker) um fenómeno único na cultura dos anos 60 e do século XX? Os Beatles estavam no local certo na altura certa? Sim: como tantos outros grupos britânicos, aproveitaram a época de enorme refluxo do "rock" americano original no final dos anos 50 (dos pioneiros Elvis, Carl Perkins, Jerry Lee Lewis, Little Richard, Buddy Holly, Chuck Berry, etc), do fim das restrições do pós-guerra na Europa e da abertura social e nova cultura de massas que o desenvolvimento económico gerou, para se imporem perante um América mais entorpecida pelo segregacionismo, o conservadorismo e a guerra fria (JFK tinha sido assassinado, lembram-se?), onde essa nova cultura tinha sido comprimida artificialmente numa panela de pressão cujo vapor necessitava expandir-se. Foram para Hamburgo, tocar nos bares de St. Pauli, no que também nada os distingue de tantos outros grupos da “British Invasion”. Mas fizeram algo mais que os distingue desses outros grupos: porque, ao contrário dos Rolling Stones, Manfred Mann, Yardbirds ou Animals, por exemplo, com origem fora daquilo que era nessa altura a cena dos “blues” britânicos (muito centrada no Marquee Club e em Chris Barber, John Mayall, Cyril Davies, etc), mergulhando algumas das suas raízes no Skiffle, foram aqueles que melhor souberam casar o "rock n' roll" com a música ligeira, de variedades (tão presente em algumas das suas melodias) digamos assim, e a rebeldia com o "establishment" em doses adequadas. Usavam o cabelo comprido mas não partiam guitarras em palco; tinham um ar “compostinho” mas irreverência q.b.; e procuraram sempre algum tipo de compromisso. Isso esteve na base do seu "posicionamento" único, que os fez serem aceites, em termos musicais e sociais, por sectores mtº mais alargados do que outros grupos seus contemporâneos como os Rolling Stones, por exemplo. Last, souberam, e puderam, ser musicalmente inovadores e experimentalistas sem perderem esse seu "posicionamento" original como referência. Foram simultaneamente marginais e "mainstream", num equilíbrio difícil cujo rompimento se tornou visível nos últimos tempos do grupo.
Bom, não ouvi ainda a remasterização hoje lançada, que vem muito na sequência da tentativa de rentabilizar e esticar até ao limite o património finito do grupo. Quem ouviu diz que vale bem a pena. Por mim, cá ficarei com os meus LP’s e CD’s originais; cada um que decida por si.
2 comentários:
Brilhante!
LT
Em relação a Beatles, sou um aprendiz. Mas obrigado.
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