O facto de ter como autor o FMI constitui simultaneamente a força e a fraqueza do estudo que está a pôr o país (quase) em estado de sítio. Expliquemo-nos...
Ao contratar o FMI - uma das instituições que compõem a "troika", recorde-se - para a execução deste estudo, o governo quis dar-lhe a força e a intenção políticas que ele não teria caso tivesse sido adjudicado a uma das grandes consultoras mundiais, qualquer delas mais do que apta a realizar um trabalho deste tipo. O problema é que neste caso tal seria visto apenas como mais um devaneio tecnocrático, sem qualquer força política ou relação com a realidade, onde o governo teria resolvido esbanjar algum do nosso já pouco dinheiro. Não teria direito, pois, a grandes títulos nem a ocupar muito tempo nas análises de jornalistas, politólogos e comentadores. Mas o problema é que, levantando algumas questões pertinentes e que merecem discussão séria (ninguém negará que vale a pena discutir e reavaliar a dimensão e composição das forças armadas e de segurança, a idade da reforma, a número de professores e de funcionários públicos, o papel das avaliações e do mérito nas carreiras ou até algumas - nem todas nem optando pelos co-pagamentos - taxas moderadoras da saúde), o documento, pelo seu radicalismo, voluntarismo ideológico e completa falta de noção da realidade económica e social (as medidas mergulhariam o país numa tremenda espiral recessiva e no caos social), falha pela total ausência de sensibilidade e sentido políticos, algo que o governo, cuja função é exactamente "fazer política", deveria ter tido em atenção e corrigido antes do documento ter sido tornado público. O problema é que, com Gaspar, Moedas e Borges (pelo menos estes), parece temos um governo em forma de McKinsey, onde essa coisa da política é uma chatice que só serve para atrapalhar. Ou então, e vou ser benevolente, talvez a intenção fosse mesmo o "choque e pavor", o que pode convir à estratégia de "toca e foge" habitual no governo, de avaliar primeiro o impacto do bombardeamento massivo para depois recuar aqui e ali, mas envenena à partida qualquer discussão política séria das várias propostas.
2 comentários:
Caro JC
O que temos neste momento é um governo com um conjunto de incendiários, piromanos, de cabeça perdida que não imaginam no que se estão a meter.
A aplicação "cega" das medidas contidas no documento FMI, poderão ter consequências sociais devastadoras (pior que a bomba atómica do oe2013).
De acordo que uma discussão séria, com tempo, estendida a toda a sociedade, sobre o papel do estado e do próprio estado social faz todo o sentido. Não creio que na sua generalidade os portugueses tenham capacidade civica para participarem numa discussão desta natureza...mas isso é outro tema.
O que se está é a lançar o "barro à parede" (tipo tsu) a "ver se pega".
O que o documento FMI (caucionado pelo governo) propõe são cortes "puros e duros" a eito em tudo o que mexa e respire.
"Resolver" em dois meses o que deve ser pensado, meditado e alvo de consertação...é o que se deduz do documento.
Cada vez estou mais convicto que isto vai acabar mesmo mal.
Cumprimentos
Só uma nota: discutir o papel do Estado, em abstracto, é equivalente a discutir o sexo dos anjos, ou seja, seria inútil. Penso seria mais prático discutir este documento do FMI/governo, falando de situações e medidas concretas, umas pertinentes outras completamente disparatadas. Mas pelo menos existiria alguma coisa de concreto para discutir e a oposição deveria fazê-lo estabelecendo parâmetros, diferenciando as várias medidas e indicando até onde, em cada caso, estaria disposta a ir. Ou mesmo quais as áreas onde recusaria qualquer discussão.
Cumprimentos
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