Hoje em dia, uma equipa de futebol profissional assenta numa estrutura complexa, que envolve várias áreas, desde as de gestão "pura e dura" (direcção geral, financeira, "marketing" e promoção, etc), até à própria direcção técnica do futebol profissional e de formação. No campo mais específico da direcção técnica, podemos ainda considerar várias sub-áreas, desde a formação à direcção do futebol profissional, passando pelo "scouting" (nenhuma equipa pode ser, hoje em dia, bem sucedida sem um excelente departamento de "scouting"), equipa médica e incluindo também áreas fundamentais como a comunicação e a psicologia, para dar apenas dois exemplos. Para essa equipa ser bem sucedida no campo desportivo é necessário que toda esta estrutura funcione eficazmente, para isso sendo necessário definir uma filosofia de clube (o seu "way of thinking"), modelo de funcionamento ("way of doing the things") e implementar um modelo estratégico de negócio que permita ao clube/equipa crescer e ser financeira e desportivamente, a nível de resultados, bem sucedida. Foi a consistência nestas áreas, aproveitando a conjuntura favorável no pós-25 de Abril, que permitiu ao FCP ser bem sucedido. De há muitos anos para cá, todos sabemos de "cor e salteado" o que pensa o clube (o seu "corpo ideológico", digamos assim), como age e funciona, em que acredita, em que modelo de negócio se baseia, como joga, etc, etc. Isso permite-lhe ser bem sucedido com qualquer treinador razoável que encaixe nesta estrutura, apenas falhando quando isso não acontece. O caso de mais flagrante falhanço (relativo) terá sido o de Co Adriaanse, quando tentou mudar o modelo, princípios e sistema de jogo que eram há anos os da equipa.
Nos últimos três ou quatro anos, o SLB deu alguns passos num sentido semelhante, tentando criar uma personalidade e identidade próprias, pesem embora algumas hesitações e até passos em falso na época passada (ai aquele célebre comunicado!...). Mas o clube tem, hoje em dia, um modelo de negócio reconhecível, uma gestão financeira credível, um departamento de "scouting" que parece funcionar, começa a trabalhar na formação com alguma eficácia e, desde que Jorge Jesus é seu treinador, um modelo e princípios de jogo bem definidos. Subsistem, contudo, nesta área, alguns pontos negativos não conjunturais, isto é, que não terão que ver com actuações incorrectas "aqui e ali" (substituições, "invenções" num ou noutro jogo, etc), mas que se mantêm ao longo do tempo: uma (in)capacidade desastrosa para gerir a comunicação, alguma dificuldade em "equilibrar" defensivamente a equipa (está melhor este ano) e o facto desta falhar sistematicamente, sob pressão, nos momentos decisivos. São estes o problemas que terão de ser resolvidos e sobre os quais a direcção da SAD e a equipa técnica terão de se debruçar, independentemente do que acontecer até final do campeonato e no jogo com o Zenit. Poderão ser corrigidos mantendo a actual equipa técnica ou será necessário mudar? Estando "de fora", não o posso dizer. Mas posso e permito-me dizer uma coisa: caso, para os resolver, se conclua ser necessário mudar, há que garantir que não se vai voltar à estaca zero e começar tudo de novo, pondo em causa o que já se construiu de positivo. E, principalmente, qualquer eventual novo treinador e equipa técnica terão que ser garantia de um modelo e alguns princípios de jogo que começam a criar raízes no clube e que, com uma ou outra correcção, me parecem adequados. É essa continuidade, com este ou outro treinador, que terá de ser assegurada para se obterem resultados, e parece-me que o SLB, nos últimos anos, já começou a criar uma identidade suficiente para deixar de depender demasiado dos treinadores. Como benfiquista, desejo que tal se consolide.
5 comentários:
Caro JC,
Antes de mais, estou fundamentalmente de acordo com o que diz.
Permito-me ainda assim juntar algumas reflexões.
Não tenho nada contra JJ. Tem um percurso com algum mérito e faz o que pode. Só que me parece que chegou ao limite daquilo que pode, e o que pode é pouco para o Benfica.
Um clube como o Benfica, com ambições que ultrapassam necessariamente a dimensão interna, precisa de um treinador com uma dimensão mais cosmopolita. E o que é que se vê no JJ ? É um rapaz do torrão, que escolhe jogadores com quem pode falar, ou, sejamos mais precisos, com quem pode comunicar mais ou menos. Daí ele se defender recrutando (ou propondo o recrutamento de) catrefas de brasileiros e hispânicos. E essa escolha contém as suas próprias limitações: são em geral jogadores de um tipo de futebol mais habilidoso e menos exigente em termos de mentalidade competitiva. Para funcionarem bem na Europa, necessitariam do equilíbrio trazido por outro tipo de jogadores.
Veja-se o Witsel,e a dimensão da contribuição dele: por ser um jogador excepcional ? Nem por isso. Por vir de um campeonato de topo ? Nem pouco mais ou menos. Mas vem de um campeonato mais exigente em termos de rigor e mentalidade competitiva, e isso contribui para fazer alguma diferença. O mesmo se pode dizer de Javi Garcia e Rodrigo, que acidentalmente são hispânicos.
A escolha de um treinador desse tipo poderia justificar-se se na equipa houvesse uma larga maioria de portugueses. Sabemos que não é o caso. Um presidente como, digamos, Borges Coutinho, teria essa capacidade de análise. Mas o presidente que o Benfica tem é um "rapaz" da estirpe do JJ, capaz de se identificar plenamente com este último em vez de fazer a diferença.
E o Porto, dir-me-á? Sabemos que não é propriamente um modelo de cosmopolitismo (felicito-me a mim próprio pela qualidade do eufemismo). Mas, para consumo interno, tem outros recursos, que utiliza abundantemente (reparou certamente na quantidade e duração de "tempos de antena" de que Pinto da Costa beneficia, e particularmente em momentos cruciais. Será um acaso?)
Mas o Porto teve ultimamente êxitos a nível internacional que o Benfica não teve. E com que tipo de treinador? Precisamente com o treinadores mais cosmopolitas e polidos que Pinto da Costa: Artur Jorge, Mourinho e AVB. Gente que tem o nível suficiente para ter a percepção de um nível de exigência superior na Europa. E, acima de tudo, treinadores culturalmente preparados para trabalhar com outro tipo de jogadores e outro tipo de pressão, comunicacional, mediática e, já agora, desportiva.
Acabando como comecei: nada contra JJ, que faz honestamente o que pode. Mas o que pode é pouco para o Benfica. E, subscrevendo inteiramente o que diz quanto a modelo de negócio e estratégia, isso só pode resultar plenamente com um treinador que faça realmente a diferença, uma diferença que não se limite a goleadas circunstanciais a Vitórias de Setúbal e Rio Aves. Isso também o Sporting consegue ocasionalmente e já vimos as glórias que esses feitos lhe têm trazido.
Creio que isto não será minimamente posto em causa mesmo que, por absurdo, o Benfica venha a ter bons resultados com o Porto e o Zenit.
Cumprimentos
Estou basicamente de acordo com o que diz, caro queirosiano. Duas ressalvas: 1. O SLB baseia o seu modelo de negócio na valorização e venda dos passes dos tais sul-americanos. Conseguiu dessse modo efectuar bons negócios, financeiramente necessários, tais como Di Maria e David Luiz. Não pode abandonar essa vertente.2. Quando se muda de treinador é necessário que exista uma alternativa que preencha os requisitos que indiquei. Existe, neste momento e c/ as características que, mtº bem, indica? O problema é esse: o SLB ainda não conseguiu criar uma "escola" de treinadores (vamos chamar-lhe assim). O FCP tem alternativas que encaixam s/ problemas: Domingos, Pedro Emanuel, Leonardo Jardim. Já agora: a filosofia de clube do FCP não é, ao contrário do SLB, o "cosmopolitismo". Antes pelo contrário: é regionalista. No entanto, tem sabido casar bem, depois de Pedroto, essa mentalidade regionalista que é a sua "raison d'être" com treinadores com mentalidade cosmopolita (a excepção foi Oliveira, mas nessa altura até o Rato Mickey servia)). Até Fernando Santos, ajudado pela sua formação escolar superior, mostra agora, quando fala s/ política grega, que ganhou uma certa mundivisão.
Abraço
Dois pontos:
Primeiro (hipersubjectivo, reconheço): por razões diferentes, Fernando Santos e Jesualdo Ferreira fazem parte dos meus ódios de estimação; nem com um grande esforço de racionalização consigo ultrapassar isso
Segundo: o que crítico é a quase exclusividade pletórica dos sul-americanos; para atingirem uma dimensão superior precisam do complemento de outro tipo de jogador (penso, aqui à mão de semear, nos exemplos Janko ou Van Wolfswinkel); o exemplo das grandes ou mesmo médias equipas europeias é esclarecedor, como acabámos de ver recentemente com o Nápoles; e não serão necessariamente jogadores mais caros: creio que o Witsel ou o Javi Garcia foram mais baratos que, por exemplo, Gaitán ou Cardozo; logo, não será só uma questão de preço, mas também de visão
E, já agora, espero que consigam vender rapidamente o Gaitán, enquanto puderem enganar os incautos
Já agora. Contra estas equipas, como ontem a AAC, que jogam em bloco mtº baixo (vulgo "autocarro"), como o SLB, ao contrário do FCP, não joga em posse e circulação de bola tentando c/ isso desposicionar o bloco contrário, mas em transições rápidas, são precisos "rompedores". Nem Bruno César nem Gaitán o são e não jogavam como tal nos seus países. Restam Nolito, que faz o que pode, e Maxi, que é defesa.Com Di Maria e Ramires tínhamos 2 rompedores nas alas, c/ a vantagem ainda de Ramires equilibrar defensivamente a equipa.
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