quarta-feira, maio 19, 2010

Judite Sousa, José Alberto Carvalho e "a" entrevista

E pronto! Os meus mais fundos receios tornaram-se realidade e, em vez de se colocar o primeiro-ministro perante o futuro que pode esperar os portugueses – estes ou os vindouros – depois das actuais medidas de austeridade - em nome de quê elas são indispensáveis - preferiu-se remexer na petite politique, na política politiqueira, na pequenez de, em tom inquisitorial que faria corar de vergonha qualquer aprendiz de Torquemada, tentar apanhar José Sócrates em contradição ou forçá-lo a confessar que se tinha enganado ou tinha mentido deliberadamente, que tinha na manga mais “medidas” (todos sabemos que as haverá se e quando Berlim achar necessário), que tinha recuado, talvez que fosse arrogante por não ter sentido a necessidade de pedir desculpa. Bullshit, desculpem lá!

Mas o problema, o maior problema, é que este tipo de entrevista, a que se seguem intermináveis análises em tom psicanalítico por parte de comentadores e “ofícios correlativos”, acaba por definir os padrões do modo de pensar e fazer política em Portugal, reproduzindo-se e entranhando-se entre cidadãos, comentadores, politólogos e os próprios políticos. Vá lá que, felizmente, quase não houve tempo suficiente para a novela PT/TVI (uff!...).

Mas querem um exemplo concreto do modo como se confrontou (mal) José Sócrates com um assunto incómodo para si e para o seu partido? Em vez dos entrevistadores terem perguntado como poderia estar o PS a equacionar o seu apoio a um candidato presidencial (Manuel Alegre) já apoiado por um partido (o BE) que vai votar favoravelmente uma moção de censura ao governo apresentada pelo PCP e cujos dirigentes e militantes irão apoiar e por certo desfilar na próxima manifestação da CGTP contra a política governamental (o que seria a pergunta política “de fundo, digamos assim), partidos que não perdem oportunidade de manifestarem a sua oposição à UE em período tão sensível para a existência e aprofundamento desta, preferiram centrar a sua pergunta numa, politicamente quase irrelevante, questão de “timing”. É esta a comunicação social que temos – infelizmente – avessa ao aprofundamento político, mas que não hesita a vir para jornais e telejornais agitar demagogicamennte os fantasmas mais caros ao “povo da SIC”.

É que, infelizmente, uma desgraça (maus políticos) nunca vem só (ainda pior comunicação social).

5 comentários:

Queirosiano disse...

Não sendo de maneira nenhuma uma surpresa, não sei o que terá sido pior: o tom rasca da entrevista ou a impreparação gritante dos "jornalistas", incapazes de descolar do óbvio e do rasteiro e de fazerem perguntas susceptíveis de trazer respostas realmente elucidativas.

Nem de propósito, tinha visto ontem de manhã uma entrevista ao Sarkozy num telejornal de horário "não-nobre" (8 da manhã), em que, num tom cordato, afável, e, logo, impossível de servir de pretexto para fazer descambar para picardias pessoais, ele foi confrontado com perguntas bem mais embaraçosas e fundamentais do que aquelas que serviram para o nosso primeiro-ministro fazer o seu número habitual.

Ao que parece, alguns destes "jornalistas" dão aulas em Universidades de jornalismo. Não temos que nos admirar com o que de lá sai.

JC disse...

Assino por baixo, caro Queirosiano. Excelente este seu comentário.

Anónimo disse...

Muito simplesmente...trata-se da questão da independência do jornalismo face ao poder. Pessoalmente considero o JAC um bom jornalista (em termos de pivot, é actualmente o melhor) a outra senhora nem tanto. Alguma vez, na estação pública era possível, com aquele entrevistado, fazer uma entrevista a sério ? Os jornalistas seriam "aviados" (desculpem o termo, mas é a relidade em que vivemos) em três tempos e passariam a fazer entrevistas para podcasts.
Cumprimentos

JC disse...

Discordo em absoluto, caro anónimo. 1º pq toda a entrevista foi um permanente lançar de cascas de banana ao 1º ministro. Foi má mas não foi por não confrontar José Sócrates, foi por o confrontar mal. 2º pq c/ a actual má relação entre os "media" e o 1º ministro, qualquer tentativa de controle por parte do seu gabinete faria cair o "carmo e a trindade". E, note-se, Judite Sousa está mtº longe de ser uma simpatizante do PS e do governo: seria para ela mtº fácil denunciar qualquer "pressão".
Cumprimentos

Queirosiano disse...

É sempre tentador invocar grandes princípios para justificar insuficiências. Infelizmente, a questão é bem mais simples: incompetência.