É comum ler e ouvir por aí que a chamada “classe média” (deixo de lado a falta de rigor da definição) tem sido a grande sacrificada pelas políticas dos últimos anos. Nada mais enganador. Em primeiro lugar porque essa mesma classe média é algo de muito recente, nascida, fundamentalmente, do desenvolvimento dos serviços gerado pelo “boom” económico dos anos 60, pelo turismo nos anos 70 e pelos serviços prestados pelo estado social (saúde, educação, desenvolvimento autárquico) dos pós-25 de Abril. Antes disso, a classe média era quase inexistente enquanto tal, sem, digamos, uma autonomia e “consciência de classe” próprias, limitando-se a pouco mais do que uma reduzida pequena burguesia lisboeta ligada ao comércio e às repartições estatais, em rendimento e modo de vida muito proletarizada pelo salazarismo, e às profissões liberais. Em segundo lugar porque é com a adesão de Portugal à então CEE, com o dinheiro fácil dos “fundos estruturais” e a “engorda” do estado ""cavaquista, e com os juros baixos e crédito fácil da “moeda única” que essa mesma classe se fortalece economicamente e passa a ter acesso fácil aos bens importados, até aí praticamente só acessíveis a quem viajava – e viajar era caro quando o escudo era a moeda dos portugueses. Estes passam finalmente a deslocar-se ao estrangeiro em férias e o parque automóvel local passa a pouco ou nada diferir do que era comum encontrar na Europa mais desenvolvida dos anos 90. Em terceiro lugar porque, com a consolidação e desenvolvimento democráticos, é na classe média (e, frequentemente, na classe média-baixa, de província) que passam a ser recrutados grande parte os quadros políticos do regime, o que contribui para lhe dar uma “voz política”. Por fim, com a democratização mediática das duas últimas décadas (televisões privadas, rádios locais, revistas “cor de rosa”, imprensa on-line, “blogosfera”, “fóruns de opinião”, etc) a “classe média” passa a ter uma voz própria, adquirindo maior consciência do seu poder e expressando-o de modo reivindicativo.
Mas sendo, como se vê, uma classe média de formação recente, é ainda pouco preparada, cultural e educacionalmente, demasiado dependente, na sua afirmação, qual novo-rico que exprime o seu estatuto através da bagagem Louis Vuitton e do Ferrari ou emigrante que constrói a sua “maison” bem à beira da estrada, das “badge brands”, do “BM”, do “plasma”, das viagens “à república” ou das férias de Inverno na Sierra Nevada. Tendo o passado recente bem presente na sua própria memória, ou na que lhe é transmitida por pais e avós (por vezes pela própria presença destes), e muitas vezes resumindo e identificando o seu estatuto apenas com esses mesmos “gadgets” e “badge brands”, esta “classe média” vive no pavor e convive mal com o fantasma de um improvável “regresso ás origens” e à perda de uma identidade construída na areia. Uma parte dela, ligada os Estado e, mais especificamente, ao ensino, cresceu de modo seguro e com pouco esforço à sombra dos direitos adquiridos e da ausência de competitividade, por isso não reconhecendo uma outra vida e um mundo muito diferente daquele onde nasceu e cresceu. A "classe média" tornou-se egoísta e reaccionária, pouco ou nada solidária, “tropa de choque” do conservadorismo corporativo. No fundo, tendo consciência de como construiu o seu estatuto em terreno pouco sólido, é inimiga do reformismo e de qualquer mudança que ponha em causa, mesmo que com benefício geral ou dos mais pobres, uma parcela, por ínfima que seja, do que alcançou.
Mas sendo, como se vê, uma classe média de formação recente, é ainda pouco preparada, cultural e educacionalmente, demasiado dependente, na sua afirmação, qual novo-rico que exprime o seu estatuto através da bagagem Louis Vuitton e do Ferrari ou emigrante que constrói a sua “maison” bem à beira da estrada, das “badge brands”, do “BM”, do “plasma”, das viagens “à república” ou das férias de Inverno na Sierra Nevada. Tendo o passado recente bem presente na sua própria memória, ou na que lhe é transmitida por pais e avós (por vezes pela própria presença destes), e muitas vezes resumindo e identificando o seu estatuto apenas com esses mesmos “gadgets” e “badge brands”, esta “classe média” vive no pavor e convive mal com o fantasma de um improvável “regresso ás origens” e à perda de uma identidade construída na areia. Uma parte dela, ligada os Estado e, mais especificamente, ao ensino, cresceu de modo seguro e com pouco esforço à sombra dos direitos adquiridos e da ausência de competitividade, por isso não reconhecendo uma outra vida e um mundo muito diferente daquele onde nasceu e cresceu. A "classe média" tornou-se egoísta e reaccionária, pouco ou nada solidária, “tropa de choque” do conservadorismo corporativo. No fundo, tendo consciência de como construiu o seu estatuto em terreno pouco sólido, é inimiga do reformismo e de qualquer mudança que ponha em causa, mesmo que com benefício geral ou dos mais pobres, uma parcela, por ínfima que seja, do que alcançou.
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