Sim, eu sei que é puro masoquismo ouvir os fóruns de opinião, algo onde a estupidez e o populismo mais rasteiro costumam andar de mãos dadas. Mas hoje abri uma excepção e ouvi um pouco do “Fórum TSF”, principalmente por o tema ser mesmo dos mais dados a esses desbragados populismo e demagogia (daí o masoquismo!), mas também porque me interessou saber o que pensavam sobre o assunto em debate (redução do número de deputados) alguns especialistas em ciência política. As minha expectativas – confesso – não foram goradas e se da parte de políticos e especialistas como André Freire ou António Costa Pinto as naturais reticências e reservas foram o mote, da parte do “povo da SIC”, profissional destas coisas, lá veio o tradicional relambório contra os políticos que me escuso de citar.
Bom, mas porque venho aqui falar de tal coisa, assunto que é sempre, e felizmente, um nado-morto? Apenas porque, durante o tempo que consegui resistir, na sua santa ignorância um dos ouvintes lá veio focar o caso de Portugal ter um “ratio” habitantes/deputado mais favorável do que a Espanha e Alemanha. Pois vamos lá esclarecer...
De facto, se dividirmos o nº de habitantes pelo nº de deputados (10MM/230), em Portugal obtemos um quociente de 43 000, inferior aos de Espanha (46MM/609 membros das duas câmaras = 75 500) e da Alemanha (82MM/658 – idem = 125 000). No entanto, nestas coisas convém sempre ver os dois lados da questão e não nos ficarmos pela metade ou deixarmos iludir pelas aparências. Que quero dizer com isto? Pura e simplesmente, que se efectuarmos esta análise para países de menor população, como o são, por exemplo, a Holanda, a República Checa e o Luxemburgo, chegaremos a conclusões bem diversas. Assim, se a Holanda, com 16MM de habitantes, tem um total de 225 deputados distribuídos pelas suas duas câmaras (“ratio” de 71 000), já na República Checa, tal como Portugal com cerca de 10MM de habitantes, esse “ratio” é de 35 587 (inferior ao português) e no pequeno Luxemburgo, com meio milhão de habitantes e 60 deputados, de 8 333. Podíamos continuar, claro (a Áustria, por exemplo, com pouco mais de 8MM de habitantes, tem 245 representantes distribuídos pelas duas câmaras), mas parece-me inútil.
E porque é assim, isto é, porque não existe uma proporcionalidade perfeita entre cidadãos e seus representantes nas democracias modernas? Pura e simplesmente, porque o nº de deputados não é apenas determinado pelo work load dos parlamentos e a necessidade de lhe dar resposta em termos de mão-de-obra, digamos assim, muito menos pelo dinheiro que custam ao erário público. Nas democracias, esse número é também, e fundamentalmente, determinado pela necessidade de assegurar a representatividade política suficiente do maior número possível de cidadãos, integrando-os no sistema. Na sua ausência, isto é, quando essa representatividade não é assegurada, e assegurá-la subentende a existência de um número de representantes eleitos suficiente e um sistema eleitoral que o permita, a democracia empobrece-se e pode mesmo correr sérios riscos de disfunção e desagregação. O Reino Unido, por exemplo, para que isso não aconteça e por pressão dos Lib-Dem, irá provavelmente, a breve prazo, rever o seu sistema eleitoral no sentido de assegurar uma representação mais proporcional. No caso português, se fosse decidido efectuar um corte no nº de deputados sem que correcções adicionais fossem implementadas (e mesmo assim...) a representação parlamentar dos partidos mais pequenos (PP, PCP e BE) seria gravemente afectada, com enorme prejuízo da democracia e talvez até da governabilidade pelo risco de colocar grupos sociais significativos fora da mediação parlamentar.
Pois é, a democracia custa dinheiro e ceder ao populismo e à demagogia dá sempre muito maus resultados. Esperemos prevaleça o bom-senso e tal não aconteça. Até porque, mesmo dentro da Assembleia da República, não será difícil encontrar outras áreas onde reduzir custos sem prejudicar a qualidade da democracia.
Bom, mas porque venho aqui falar de tal coisa, assunto que é sempre, e felizmente, um nado-morto? Apenas porque, durante o tempo que consegui resistir, na sua santa ignorância um dos ouvintes lá veio focar o caso de Portugal ter um “ratio” habitantes/deputado mais favorável do que a Espanha e Alemanha. Pois vamos lá esclarecer...
De facto, se dividirmos o nº de habitantes pelo nº de deputados (10MM/230), em Portugal obtemos um quociente de 43 000, inferior aos de Espanha (46MM/609 membros das duas câmaras = 75 500) e da Alemanha (82MM/658 – idem = 125 000). No entanto, nestas coisas convém sempre ver os dois lados da questão e não nos ficarmos pela metade ou deixarmos iludir pelas aparências. Que quero dizer com isto? Pura e simplesmente, que se efectuarmos esta análise para países de menor população, como o são, por exemplo, a Holanda, a República Checa e o Luxemburgo, chegaremos a conclusões bem diversas. Assim, se a Holanda, com 16MM de habitantes, tem um total de 225 deputados distribuídos pelas suas duas câmaras (“ratio” de 71 000), já na República Checa, tal como Portugal com cerca de 10MM de habitantes, esse “ratio” é de 35 587 (inferior ao português) e no pequeno Luxemburgo, com meio milhão de habitantes e 60 deputados, de 8 333. Podíamos continuar, claro (a Áustria, por exemplo, com pouco mais de 8MM de habitantes, tem 245 representantes distribuídos pelas duas câmaras), mas parece-me inútil.
E porque é assim, isto é, porque não existe uma proporcionalidade perfeita entre cidadãos e seus representantes nas democracias modernas? Pura e simplesmente, porque o nº de deputados não é apenas determinado pelo work load dos parlamentos e a necessidade de lhe dar resposta em termos de mão-de-obra, digamos assim, muito menos pelo dinheiro que custam ao erário público. Nas democracias, esse número é também, e fundamentalmente, determinado pela necessidade de assegurar a representatividade política suficiente do maior número possível de cidadãos, integrando-os no sistema. Na sua ausência, isto é, quando essa representatividade não é assegurada, e assegurá-la subentende a existência de um número de representantes eleitos suficiente e um sistema eleitoral que o permita, a democracia empobrece-se e pode mesmo correr sérios riscos de disfunção e desagregação. O Reino Unido, por exemplo, para que isso não aconteça e por pressão dos Lib-Dem, irá provavelmente, a breve prazo, rever o seu sistema eleitoral no sentido de assegurar uma representação mais proporcional. No caso português, se fosse decidido efectuar um corte no nº de deputados sem que correcções adicionais fossem implementadas (e mesmo assim...) a representação parlamentar dos partidos mais pequenos (PP, PCP e BE) seria gravemente afectada, com enorme prejuízo da democracia e talvez até da governabilidade pelo risco de colocar grupos sociais significativos fora da mediação parlamentar.
Pois é, a democracia custa dinheiro e ceder ao populismo e à demagogia dá sempre muito maus resultados. Esperemos prevaleça o bom-senso e tal não aconteça. Até porque, mesmo dentro da Assembleia da República, não será difícil encontrar outras áreas onde reduzir custos sem prejudicar a qualidade da democracia.
3 comentários:
Caro JC:
Não me considero um demagogo nem um anti-democrata, e no entanto penso que os seus argumentos podem ser validamente rebatidos. Espero proximamente ter tempo para o fazer.
Neste momento, e ficando-me apenas pelo superficial, gostaria de lhe dizer que a opção pelo número de deputados (que me parece excessivo desde a aprovação da Constituição) se deverá parcialmente a um contexto político (1975) muito peculiar, que não é o actual; que o número de deputados não tem relação directa com a qualidade da democracia; que a proporcionalidade tem o inconveniente (deliberadamente pretendido ?) de dificultar a constituição de maiorias absolutas e, portanto, de prejudicar a governabilidade (recorde que a 5a República Francesa optou deliberadamente pelo método maioritário a duas voltas para facilitar a constituição de uma maioria de Governo e reforçar a estabilidade política, depois das frustradas experiências anteriores, ou ainda que o sistema inglês de first past the post se destinava - e funcionou muito tempo a sim - a proporcionar a criação de uma maioria parlamentar clara); e ainda que a qualidade demonstrada pelo nosso pessoal político não justifica de modo algum esta plétora de deputados: a proliferação de inutilidades políticas no Parlamento está aí a demonstrá-lo.
Espero ter proximamente ocasião de desenvolver um pouco mais.
Cumprimentos
"assim" e não "a sim", obviamente
Caro Queirosiano:
1.a partir do momento em que "afunile" a representação parlamentar e diminua a proporcionalidade, e em Portugal isso aconteceria se o sistema eleitoral não fosse radicalmente modificado, a democracia ficaria empobrecida. Numa época de enorme crise, em que se deve incluir e não excluir, acho isso seria contraproducente.
2. O método de Hondt ajuda na formação de maiorias e não tem sido esse o principal problema desde os anos 80
3. O modelo da V República foi feito à medida de um projecto de poder do tipo "bonapartista" protagonizado por De Gaulle. Serve um regime mtº perto do presidencialismo.
4.Em vez de diminuir o nº de deputados por eles serem maus, façamos as alterações necessárias a melhorar a sua qualidade.
5. Neste momento o que se ganharia c/ a diminuição do nº de deputados? Menores custos? "Peanuts", se compararmos c/ outras áreas onde se pode poupar. E seria uma cedência às pressões populistas e anti-democráticas que estão na base da pressão nesse sentido. Não é, claro, o seu caso, mas é o da maioria dos que neste momento o pretendem.
6. e pq não se caminha para o parlamentarismo, eliminando um PR eleito por sufrágio universal? Tb se eliminavam custos...
Abraço e obrigado pela sua colaboração.
Enviar um comentário