Se existe algo que a dificuldade do actual governo, de confortável maioria absoluta, revela ao tentar prosseguir as reformas a que se propôs, esse algo tem a ver, uma vez mais, com a desvalorização do Parlamento como instância e centro de poder, ameaçado já não pelas Forças Armadas, como era tradicional nas democracias frágeis, ou pelo poder dos sindicatos ou da Igreja, mas pelos ”media”, pela “rua”, por outros poderes do Estado (v. g. autarquias, estruturas partidárias, P.R.) e pelas corporações. Poder-se-á argumentar que, em função disso, nunca o Estado foi tão democrático, nos seus checks and balances, nunca o povo teve tanto poder – o que até será verdade. Que o Parlamento é uma instituição do século XIX ou da primeira metade do século XX, tal como o eram as F.A., a Igreja e os sindicatos, e que o seu funcionamento se mantém, desde aí, quase inalterado, face a uma sociedade que mudou radicalmente. Tudo isso é de facto verdade, e o aprofundamento democrático saúda-se, mas não deixa de nos inquietar uma certa fraqueza endémica a que essa nova realidade conduziu os poderes legislativo e executivo, fragilizando-os. Tornando-os quase politicamente eunucos. Ao ponto de o Parlamento parecer quase um ornamento, um exercício de estilo.
2 comentários:
Este texto é bom e actual. Percebe então, porque razão as monarquias constitucionais europeias funcionam. É que a soberania reside no parlamento - admira os ingleses, pelo que vi - e o primeiro ministro tem funções presidenciais. Não existem interferências de p.r.'s, supremos tribunais e toda a panóplia de órgãos que parasitam a função executiva. É por isso que os monárquicos desejam a mudança de regime e atirar borda fora o lastro inútil que tolhe movimentos. Inútil, caro e sobretudo, falador. Um rei precisa de ser um homem com senso comum. Em contrapartida, um p.r. deve imperiosamente ser um génio: em 16 ou 17 que tivemos, indique um único. Seria uma lança em África...
Caro Nuno:
Nada de relevante tenho contra as monarquias constitucionais, parlamentares, como nada tenho contra as repúblicas parlamentares, semi-presidencialistas ou presidencialistas, onde o PR é simultaneamente 1º ministro. A existência de uns ou outros, o modo como funcionam melhor ou pior, depende de circunstancialismos históricos e da estrutura de cada estado e sociedade.Em Portugal penso que o regime semi-presidencialista se justificava no período pós revolução, mas que depois do período de re-eleição do actual presidente se deveria optar por um regime parlamentar puro. Monarquia ou república, com o PR eleito por sufrágio indirecto e apenas com funções de representação, é-me indiferente: optaria pela abstenção num referendo s/ o assunto.Mas olhe que em todas existem tribunais independentes, pesos e contra pesos, etc. Quanto a Inglaterra, admiro-a por mtªs razões. Tb pelo seu sistema político onde incluo a rainha Isabel, de facto uma grande senhora e uma chefe de estado exemplar. Mas se olhar para trás e vasculhar nos Windsor tb por lá encontra o contrário. Entre eles Eduardo VIII, tio da actual rainha, que teve um comportamento vergonhoso e indigno de um aristocrata e herdeiro do trono.
Cumprimentos
JC
Enviar um comentário