sexta-feira, janeiro 18, 2008

Da música popular portuguesa - resposta a Pedro Freitas Branco (2)

Ora vamos lá continuar...

Bom, tudo isto que citei como bons exemplos de MPP (e acrescento o Júlio Pereira de “Cavaquinho” e também algum Fausto – mas não lhe chame genial porque assim eu começo a descrer do valor das palavras) apresenta uma característica comum que traça a linha de separação entre si mesma e aquela outra que defino, sem demasiadas preocupações de rigor extremo, como “música ligeira”: mergulha a sua inspiração e raízes nas tradições e cultura populares, seja no fado de Lisboa ou por via da canção ou balada de Coimbra, seja em algumas formas musicais populares das zonas rurais (influência mais notada em José Afonso e nos últimos temas do GAC) ou até tropicais (Portugal foi um império colonial), como em algum José Afonso e também em Sérgio Godinho, por exemplo. Mas, acrescento algo de também muito importante, mantém bem vivas e de uma forma intransigente essas suas características originais e populares, não se servindo delas apenas como uma referência longínqua e um selo de "qualidade para caucionar incursões noutros de territórios musicais que lhe já não pertencem.

Poderemos incluir neste conceito o chamado “Novo Rock Português? Sinceramente, não me parece. Como o próprio nome indica, trata-se, fundamentalmente, de uma adaptação á realidade portuguesa, conduzida pela geração cujos pais vieram habitar os subúrbios de Lisboa, Porto e todo o litoral no boom económico dos anos sessenta, de algo que, na música, é estranho à cultura tradicional local: o "rock & roll". Em certa medida, é um déja vue da geração de Bacelar, dos Conchas e do Zeca do Rock (o que não retira a estes a importância do pioneirismo), agora massificado e cantado em português por duas razões fundamentais: o nascimento e crescimento de um novo mercado formado por uma emergente classe média suburbana, com a formação de uma cultura própria gerada pela democratização e liberalização dos costumes e que necessita exprimir-se, e a explosão e democratização dos “media”. Mais ainda, naqueles que considero serem os seus exemplos mais interessantes, e você cita os “Xutos” e os “UHF (outros haverá), existe em si alguma influência do movimento punk (v. cita os Clash), tratando-se assim, e uma vez mais, de um efeito que tem muito de imitativo de um movimento, na origem, gerado por realidades sociais e musicais sem grande paralelo no Portugal de então. Digamos que assim como o "rock" original português nunca passou no “Em Órbita”, pelas mesmas razões o "novo" não passa o crivo da minha intransigência, não sem que isso signifique a negação da existência de alguns bons músicos. Por exemplo, Rui Veloso é um muito razoável guitarrista de "blues", mas – sei que vou ser polémico – não posso dizer o mesmo da sua música e do seu estatuto de “intérprete oficial do regime”. Rão Kyao foi interessante, mas a sua música tornou-se um pouco “música de aeroporto” (ou será de elevador?). Quanto a Jorge Palma admito poder tratar-se de uma questão de geração... Será? Mas vamos para a frente, já que, como você próprio reconhece, 80% da safra era de valor sofrível.

Lamento, mas não posso incluir António Variações no Novo Rock Português. Digamos que é inclassificável, o que é bem demonstrativo da sua originalidade e importância. A melhor definição da sua música vem dele próprio: algo entre o Minho e Nova York, o que o identifica também muito bem em termos culturais – a mãe, Amália e o cosmopolitismo da sua vida e imagem! Variações é autêntica música popular, com todas as suas influências do fado de Lisboa e do folclore do seu Minho natal. Voltando a referir-me ao “Em Órbita”, diria, assumindo algumas liberdades, que está para o Novo Rock Português como o 1111 da “Balada para El- Rei D. Sebastião” estava para o "rock" português dos anos sessenta. É uma ruptura e, além disso, foi (ou alguém por ele terá sido) pioneiro na utilização do “vídeo clip”, aproveitando bem a imagem “gráfica” por si construída. Sem dúvida, o que de mais importante surgiu na MPP nos últimos 25 anos.

Depois disso, o quê? Confesso a minha dificuldade, já que a qualidade é muito pouca (só?). Mas arrisco, uma vez mais, ser polémico, que é mesmo para isso que aqui estou e a blogosfera também. Interessante, interessante mesmo, foi aquele que terá sido em Portugal o melhor e mais acabado exemplo de “one hit wonder”: “Adiafa” e “As Meninas da Ribeira do Sado”. Surpresa? Se me leu com atenção, “olhe que não, olhe que não!”.
Um abraço do
JC

9 comentários:

filhote disse...

Tudo bem, volto a frisar que não estamos assim tão distantes um do outro. Apenas umas notas (polémicas):

1. O Variações é de facto um artista original e muito português. E as suas criações bebem muito das raízes nacionais. Mas atenção: a forma de cantar, e os arranjos dos dois LPs não andam muito distantes dos Talking Heads e de muita New Wave norte-americana. Não se pode escamotear essa evidência! (não é por acaso que o Toli dos GNR andou envolvido na produção desses discos).

2. JC, esquivou-se à Banda do Casaco e ao Trovante... por quê?

3. A indiferença diante de Jorge Palma só pode ser por questões geracionais, de facto.

4. Considera, assim de memória alguns exemplos, "Porto Sentido" (Rui Veloso); "Afurada" (Rui Veloso); "Homem do Leme" (Xutos); "Pronúncia do Norte" (GNR & Isabel Silvestre); "Sete Naves" (GNR), imitações do Rock inglês e americano? E o Rio Grande, também acha imitação? E o Madredeus do Ayres Magalhães (saído do boom de 80)?

5. Como músico, digo-lhe: o Rui Veloso introduziu mesmo uma nova forma de cantar em português. Seja Fado, seja Blues. Sem discussão. Tinha 13 anos quando o ouvi pela 1ª vez, e a minha visão da música nacional mudou completamente. E olhe que já ouvia Sérgio Godinho e José Afonso!

Desafio: Oiça o "Senta-te aí" do Rio Grande, cantado pelo Jorge Palma!

E não se esqueça JC, para mim as coisas audíveis da música portuguesa contam-se pelos dedos das mãos. Ou de uma mão!

Abraço (polémica assim vale a pena!)

filhote disse...

Uma ressalva: o facto de eu mencionar certos artistas não significa que gosto da música que fazem...

filhote disse...

Acerca da "imitação de música estrangeira", uma fantasia: imagine JC que o Chico Buarque é português - apresentando exactamente a mesma obra, cantada com a mesma pronúncia -, considera-o imitação da MPB?

É que os Beatles e os Stones, por exemplo, eram imitadores de músicas que não eram inglesas. A Soul, o Blues, o Rock'n'Roll, e até a Pop negra (Motown). Obviamente, cantavam na mesma língua... por isso o exemplo do Chico Buarque "made in Portugal".

JC disse...

1. Entre o Minho e Nova York, claro. Foi o que ele disse!
2. Não conheço suficientemente bem a "Banda do Casaco" para falar sobre e em relação aos Trovante é uma questão de gosto pessoal, não vale mtº a pena it por aí.
3. Por isso o afirmei. A música dele nada tem a ver comigo.
4. Rui Veloso está normalmente mtº mais perto da música ligeira do que de qualquer outra coisa (ver o "Porto Covo" e essas coisas) assim como o Rio Grande (disgusting) e os "Valha-nos Deus" (estes a piscarem o olho à musica erudita), que têm algo que eu detesto: são pretenciosos. S/ os Xutos e os GNR a história é outra. São os + interessante, mas genericamente são adaptações do r&r, embora aqui e ali haja excepções. Tentei abordar o assunto em termos genéricos.
5. O Brasil e os USA foram colónias e o rock está cheio de referência à música europeia britânica, como é lógico. Não se esqueça tb nasceu do hillbilly. Quanto ao Chico Buarque poder ter a mesma obra se fosse português, duvido. As influência seriam outras, tais como o foram para J. Afonso e etc. por exemplo, o Sérgio godinho tem grandes influências da música brasileira e o J. Afonso da música africana, da sua permanência em Moçambique. Embora pessoalmente eu não seja mtº dado a tropicalismos, compreendo isso perfeitamente.
Abraço e mtº obrigado.
Já agora, que me diz dos "Deolinda"?

filhote disse...

Os Deolinda? Notável! Não conhecia, e fiquei surpreendido!

Caro JC, vale a pena conhecer os primeiros discos da Banda do Casaco. Foi uma total ruptura com tudo e todos, embora inspirada nas raízes populares.

Os dois mentores, fundadores e líderes da Banda eram o Nuno Rodrigues e o António Avelar Pinho. E por lá passaram Carlos Zíngaro, Tó Pinheiro da Silva, Né Ladeiras...

nota - o Nuno Rodrigues era o produtor do Variações, não é verdade? Ou não?(não tenho os discos aqui comigo)

VdeAlmeida disse...

Em relação ao exposto (I e II), devo referir que sou absolutamente avesso a qualquer tipo de fado, estilo de música que só podia ser mesmo portuguesa, condição que não renego em muitas outras vertentes, mas não nesta quase fatalidade cantada.
Para mais, tendo conhecido o Marceneiro e considerando-o um tipo rasca e a evitar, nunca me consegui livrar do "preconceito" e à música (?) dele nunca consegui dissociar do homenzinho.
Agora abreviando:
- também acho que o Rui Veloso é um excelente músico de blues, mas...não só. Quanto a mim, trata-se da mais importante figura do campo musical português, talvez dos últimos 50 anos, juntamente com o Zeca.
- concordo quanto ao Variações, embora o seu tempo de vida tivesse sido tão curto, que nunca se conseguirá avaliar da consistência da suua obra.
- o Palma também me é completamente indiferente
- tal como o Trovante. O Luís Represas é um bocejo dos antigos.
- a importãncia da Banda do Casaco é quase um mito. Passados estes anos todos, nada mais resta que uma breve recordação na memória de alguns, o que é manifestamente pouco para se poderem considerar importantes (devo dizer, que gostava de algumas coisas deles, para que não restem dúvidas que nada tenho contra a Banda. Só não os considero importantes. Ah! e nem me falem da Ladeiras...)
- do resto, sempre passei ao lado dos UHF - semprei achei os Taxi muito mais interessantes - e dos Xutos. Já os Sétima Legião, considero que foram uma oportunidade perdida

JC disse...

1. Os produtores de Dar e Receber são o Pedro Ayres Magalhães e o Carlos Maria Trindade. Do Anjo da Guarda o Moz Carrapa e o Toli.
2. Os Trovante tb não me interessam e acho o Represas perfeitamente um Calvário dos tempos + modernos.
3. Peço desculpa a tão ilustres interlocutores, mas não consigo perceber o que tanta gente vê no Rui Veloso. Nestes casos, costumo concluir que o defeito deve ser meu: há algo que me deve estsar a escapar. Gostei de o ouvir e ver uma vez a tocar guitarra c/ o B. B. King, mas quando tive que o aturar na 1ª parte do Paul Simon foi penoso, como penoso é ouvir a laranja a ser descascada na falésia e o rio junto á Serra do Pilar.
3. A Banda do Casaco apanhou-me numa fase de afastamento da minha condição de melómano (casamento, filhos, carreira profissional no início, etc). Daí não conhecer tão bem como gostaria. Vou ouvir.
4. Pois, a fado. Deve ser por eu ser estrangeirado, filho de madrileno, neto de francesa e de ascendência maltesa. É que, curiosamente, poucos portugueses gostam de fado, parecendo mais território reservado aos estrangeiros como Bruce Bastin. E quanto ao feitio do Maeceneiro, era uma prima-dona, mas olhe que o José Afonso, noutro género, também não era pessoa fácil...

VdeAlmeida disse...

Meu caro JC
Ainda em relação ao Marceneiro, o problema é que o homem era mesmo ordinário, mal educado, cretino.
O Zeca por vezes tinha as suas bizarrias mas nada do género do Marceneiro.
Quanto à Banda, não se preocupe muito, se não ouvir não perde nada de transcendente

Abraço

JC disse...

Pois, Yardbird, já dei uma volta pela Banda do Casaco, o suficiente para perceber que não foi só casamento, filhos e carreira profissional. Desculpe lá, "Filhote" (no hard feelings), mas aquilo é chato, pretencioso, sem alma e sem chama, auto-convencido, fabricado para tentar embasbacar,ao género "tão bons que nós somos, não é"? Ao ouvir Dono da Noite (de que me lembrei de imediato, claro) comecei por me lembrar dos Supertramp; depois, noutros temas, dos piores Moodyblues; mais tarde,qualquer coisa de premonitório dos "Valha-nos Deus!". No fim, apeteceu-me perguntar: mas não há por aí um bom disco de rock & roll, com uma boa batida e uns oh, yéhs? Mas percebo que para um músico como v., "Filhote", possa ser interessante. É bem tocado, com alguma complexidade de produção, diferente e mais complexo do que se tinha feito até então em Portugal