domingo, janeiro 13, 2008

"Conta-me Como Foi"

Instado por alguns amigos e depois de ter lido algumas críticas favoráveis, dei por mim, no passado Domingo, a ver, pela primeira vez, um episódio completo de “Conta-me como foi”, um “formato” (não sei bem se lhe poderei chamar telenovela) de ficção, baseado numa ideia nascida em Espanha, que pretende contar de forma ligeira e descontraída, através de uma família da pequeníssima pequena burguesia suburbana, a vida em Portugal nos últimos anos da ditadura (acho acabará com o 25 de Abril, será assim?). A primeira impressão é que a “coisa” funciona, desperta a atenção e não requer especiais dotes de concentração. Certo para o fim a que se destina, pois. Também me parece existir algum cuidado de produção, na reconstituição de ambientes, nos adereços, talvez menos na maneira de falar. Excelente o resultado obtido com aqueles que são normalmente catalogados como “tipos populares” - tão importantes na captação de audiências - por caricaturais, muito na tradição do teatro de revista ou do seu prolongamento no cinema português da década de 40 do século passado. Também as crianças, que, assim de repente, me remeteram para o “Aniki-Bobó” de Oliveira. Enfim, a “coisa” não envergonha e é escorreita e atractiva, mesmo para quem, como eu, resume a sua experiência de telenovela e afins a três ou quatro episódios da “Gabriela” ou poucos mais da “Chuva na Areia”.

Decididamente menos bem algumas liberdades que se permitem ao argumento, que se compreendem como cedências para facilitar o fluir da história mas que a fazem o todo cair no facilitismo, na telenovela “pura e dura”. Assim, se podemos aceitar com facilidade que a filha de um alto funcionário do regime seja activa militante do movimento estudantil, já me parece um devaneio (no mínimo) que, na sociedade hiper-classista e estanque de então, sendo os pais simultaneamente grandes e ricos proprietários agrícolas e pertencentes, portanto, à aristocracia fundiária, a rapariga se tome de amores, espere criança e casamento do filho de um contínuo e que ambos falem da mesma maneira e com pronúncia semelhante. Claro que ajuda à dramatização, mas... O mesmo se pode dizer, em termos de verosimilhança, da visita a Londres da filha, cabeleireira de profissão, do casal (ele contínuo e ela costureira/doméstica), que mais não serve do que para acentuar o contraste entre uma sociedade moderna, democrática e aberta (a swinging London dos sixties) e o provincianismo de costumes do Portugal de Salazar. Muito menos que ela oiça, em 1969, como arquétipo da modernidade da música de então, um Cliff Richard de 1961. Sim, eu sei que é apenas um divertimento que se pretende didáctico, mas é exactamente por isso (por pretender ser didáctico) que deveria resistir a esse tipo de “facilidades”.

Sem comentários: