Ora vamos lá tentar sistematizar um pouco o pensamento sobre esta questão da inconstitucionalidade dos cortes nos chamados subsídios e, ao mesmo tempo, dar uma resposta ao leitor JR.
- Ainda antes de entrarmos em questões de inconstitucionalidade, devo dizer que acho, no mínimo, estranho e, embora não sendo jurista, com laivos de ilegalidade ou pelo menos moral e socialmente condenável, que uma das partes (neste caso, o Estado) decida unilateralmente e sem acordo da outra parte alterar as condições de um contrato que estabeleceu livremente com os seus servidores, decidindo pagar-lhe menos 14.2857... % do que o salário inicialmente estabelecido. E pode para tal decisão invocar o que quer que seja, até o cataclismo universal, que a minha posição não se altera. Devo esclarecer que isto não significa que seja ou não de opinião que os funcionários públicas estejam bem ou mal pagos para as funções que desempenham, que o Estado tenha ou não funcionários a mais ou a menos, etc, etc. É uma posição de princípio, universalmente válida.
- Tendo dito isto, e não sendo jurista, não me pronuncio sobre a constitucionalidade do assunto. Longe de mim tal ideia. Como cidadão, acho apenas, e se falamos de equidade, o que não falta por aí em vigor são leis iníquas, tanto ou mais do que esta. Mas enfim, querendo ser benevolente direi que finalmente se fez luz na cabeça de tão distintos juízes; caso o não queira ser, direi que, até aqui, os membros do TC terão aderido ao conceito "malagueta no cu dos outros não arde".
- Existe, de facto, uma norma constitucional ("Quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos n.os 1 e 2.") que permite esta decisão abstrusa de considerar uma norma inconstitucional mas de a aplicar temporariamente, suspendendo, de facto, a vigência da Constituição da República. Eu, não poupando as palavras chamar-lhe-ia "golpe de Estado", mas se quiser ser mais suave direi que se trata de uma decisão baseada numa norma difícil de compreender pela esmagadora maioria dos cidadãos e, arrisco, até por muitos juristas. E vou até mais longe: estando os cortes salariais feridos de inconstitucionalidade, o seu valor deveria ser obrigatoriamente devolvido aos cidadãos. Enfim, PCP e o BE estão cheios de razão e agradecem a rara graça (terem razão) que lhes foi concedida pelo TC.
- O Senhor Presidente da República desde o início se pronunciou sobre a falta de equidade fiscal contida no corte nos salários dos servidores do Estado, mas decidiu não solicitar a sua fiscalização preventiva por que tal "ia deixar o país sem orçamento". Ou seja, o Senhor Presidente da República, que jurou defender a Constituição, acha que a lei do Orçamento prevalece sobre a Constituição da República e que a vigência constitucional "continuará quando der jeito". Estamos conversados. E, mais uma vez, direi que o mal não é dele, mas sim do absurdo regime semi-presidencial. Parlamentarismo, precisa-se, como bem lembraram os deputados que solicitaram a fiscalização preventiva da constitucionalidade da lei.
- Se o governo considera existir excesso de funcionários públicos ou é de opinião que o Estado não pode suportar a actual massa salarial da Função Pública, não seria mais justo despedir, premiando os "bons" e penalizando os "maus" (funcionários, entenda-se) o que até poderia contribuir para uma maior eficácia dos serviços prestados? Em termos teóricos, acho que sim e não me oponho - e até acho saudável - a que se abra a discussão. Mas atenção: em primeiro lugar, para tal seria necessário existisse um objectivo estratégico e uma avaliação correcta das necessidades, serviço a serviço, o que me parece estar longe de ser verdade; em segundo lugar, que estivesse implementado um sistema credível de avaliação de desempenhos, que minimizasse injustiças (não me parece exista); em terceiro lugar, e no curto/médio prazo, tal significaria um agravamento da despesa, pois o Estado teria de pagar as respectivas indemnizações e subsídios de desemprego; por último, com o desemprego ao nível actual seria politicamente catastrófico e teria um efeito económico recessivo difícil de imaginar.
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