Uma vez mais (e não me cansarei de repeti-lo): quando discutimos a redução dos salários da função pública em 14.3%, não nos devemos deixar enredar demasiado por análises e comparações de ordem moral ou de pura justiça social, do tipo "são mais responsáveis pelo "déficit" porque são pagos pelo orçamento" ou "ganham mais do que a média (e isto das médias...) do sector privado e tal é injusto": só muito marginalmente a definição dos salários tem a ver com tais conceitos. Por exemplo, a escravatura não acabou fundamentalmente por questões de ordem moral, embora elas tivessem tido também o seu papel numa conjuntura favorável à sua aceitação. Acabou, em plena revolução industrial, porque era preciso gente para trabalhar nas fábricas e, simultaneamente, se tornava necessário criar um mercado para os produtos manufacturados produzidos, em quantidades crescentes, por essas mesmas novas unidades fabris. Por isso, se o Estado decide lançar mão de uma redução dos salários dos seus servidores para ajudar a diminuir a despesa pública é fundamentalmente por uma de duas razões: a) pensa que pode manter o mesmo nível de eficiência dos seus serviços pagando menos a quem se encarrega de os assegurar; b) ou não tem problemas em reduzir a quantidade, qualidade e eficiência desses mesmos serviços. Numa situação de desemprego reduzido teria com certeza mais dificuldade em reduzir salários, pois haveria o risco de muitos dos seus funcionários serem tentados a "fugir" para o sector privado; seria mesmo tentado a pagar melhor. Idem, se estivesse numa fase de ampliação do leque de serviços oferecidos ou em que o "caldo de cultura" valorizasse o papel do "colectivo" e do Estado. No caso actual, de desemprego muito elevado e sendo dominante na sociedade e no governo uma ideologia que tende a minimizar o papel do Estado e o número e qualidade dos serviços por ele prestados, os riscos para o governo são quase negligenciáveis. Pode ser injusto, mas "é a vida".
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