Para um cidadão comum, um não-jurista (como eu) ou alguém não especialista em Direito Constitucional, o acordão do Tribunal Constitucional sobre o corte dos salários na função pública é indubitavelmente questionável. Questionável ao invocar questões de equidade que parece apenas se aplicam a este caso específico; e igualmente questionável quando, de facto, suspende a vigência da constituição da República durante o ano em curso, ao estilo "pedimos desculpa por esta interrupção, a constituição segue dentro de momentos. Disse-o aqui e nada tenho a acrescentar, mais parecendo este acordão uma decisão "tailor or custom made" do que nascida da independência do poder judicial. Enfim, mas também me parece se é legítimo a um qualquer cidadão, comentador político, "blogger" de ocasião ou jornalista, questionar a decisão do TC, também me parece seria um bom exemplo que os governantes, por respeito para com a separação de podres, se abstivessem de comentar tal decisão (sim, esta vai direitinha para o CDS): decidiu, está decidido e há que cumprir. Ponto.
Mas como este país e o mundo decidiram não parar de me surpreender, agora é o distintíssimo (pelo lugar que ocupa, só o poderá ser) presidente do Tribunal Constitucional, o juiz Rui Moura Ramos, que decide, dando um péssimo exemplo, "virar" comentador político, decidindo pronunciar-se publicamente sobre as declarações do primeiro-ministro, para tal não hesitando em tecer considerações sobre o tempo que Passos Coelho terá ou não tido para ler e interpretar o acordão e o local (à porta do teatro) onde decidiu pronunciar-se. Pior, muito pior, o juiz Moura Ramos não resiste a emitir uma opinião política (diria melhor, "mandar um palpite"), sugerindo "sejam também taxados os rendimentos do capital".
Claro que o que está em causa não é a substância das opiniões do senhor doutor juiz, se partilhamos com ele das suas dúvidas, certezas ou razões. O que está em causa é exprimi-las publicamente enquanto presidente do Tribunal Constitucional, quebrando a independência do orgão a que preside e que deveria ser "pedra de toque" do Estado de Direito Democrático. Mais: ao emitir uma opinião política sugerindo "sejam também taxados os rendimentos do capital" (curiosamente, não fala dos rendimentos do trabalho do sector privado não fosse "virar" estes trabalhadores contra si), por muita razão que tenha (e não o nego) e por muito popular que seja a sua opinião, está a dar argumentos a todos aqueles que pensam que na base do acordão sobre os cortes salariais talvez não esteja apenas um mero parecer jurídico, por definição independente, mas também uma posição a que os interesses da corporação não serão totalmente alheios, um pouco ao estilo "sou só eu? então "cadê" os outros? Mas, tendo dito isto, "no fim do dia" compete-me perguntar: mas alguém esperaria diferente desde que vimos um juiz, "em directo e ao vivo", a entrar pela Assembleia da República para deter um deputado e depois (ou antes, tanto faz) de "t-shirt", "jeans" e ténis a correr à frente de um jornalista com um microfone na mão e uma câmara de TV atrás?
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