Esta entrevista não teve a atenção que merecia e, no entanto, foi Juan Mata (é ele que fala), insuspeito pois chegou ao Chelsea pela mão de Villas-Boas, quem melhor pôs o dedo na ferida da gestão do ex-treinador do FCP: é, no mínimo, imprudente, para não dizer ingénuo ou estúpido, chegar a um clube e querer, de uma penada, mudar a sua cultura e o seu conceito de futebol, circunstância agravada por nem sequer ter querido, ou tido oportunidade de, fazer mais do que pequenos ajustes no plantel. Mas o assunto sugere-me ainda mais alguns comentários:
- O modelo de jogo perfilhado por Villas-Boas, privilegiando a posse e circulação de bola e a pressão muito alta, um pouco à semelhança de como o FCP de Vítor Pereira jogou em Manchester e na Luz, era de todos conhecido. Deveria também sê-lo da direcção do Chelsea e de Abramovich. Ao não ter em conta tal incompatibilidade com aquele modelo de "futebol de estivador" (e digo-o sem qualquer intuito pejorativo), de grandes correrias e muito jogo directo, perfilhado pelo Chelsea dos últimos anos, Abramovich cometeu mais um erro, dos muitos que carrega sobre os ombros.
- O recado serve bem para muitos outros clubes: nos tempos actuais, quando se contrata um treinador contrata-se também uma ideia e um modelo de jogo e, em muitos casos, também um modelo de gestão do futebol. Por exemplo, Mourinho não descansou enquanto não conseguiu gerir todo o futebol de Real Madrid de acordo com as suas ideias e concepções. Mas Mourinho tem outro "peso" (e mesmo assim as coisas não foram fáceis), não mudou radicalmente o modelo de jogo da equipa (fez apenas alguns acertos e equilibrou a equipa defensivamente) e teve carta branca para alterações profundas no plantel. E, mesmo assim, só tarde percebeu que uma equipa com os pergaminhos do Madrid não pode jogar contra o Barça com as mesmas armas que deram a vitória ao Inter, sem que tal não revoltasse a "afición".
- Claro que me estou a lembrar também do meu SLB. Um dia que Jorge Jesus saia, quaisquer que sejam as razões, há que garantir que se contrata uma equipa técnica que, em termos gerais, não afronte a cultura do clube nem altere radicalmente o modelo-base de jogo que se tem vindo a cimentar e ganhou raízes nos últimos anos (e não só). Alguém que entenda também o respectivo modelo de negócio. Bom exemplo do que digo foi a contratação de Eriksson no início dos anos 80 do século passado, embora essa contratação tivesse sido quase fruto do acaso. Só conseguiu mudar o que estava caduco porque entendeu a cultura e o modelo de futebol do clube, que vinha da grande equipa nos anos 60, e perfilhava princípios idênticos.
- Os jogadores mais antigos do Chelsea revoltaram-se contra Villas-Boas por serem "sacanas", "filhos da puta" ou "mal formados"? Provavelmente não, mas apenas porque se sentiam desconfortáveis num modelo de jogo pouco talhado à sua medida e às suas características. Ontem, por exemplo - e isto apesar de eu achar que o plantel está envelhecido e é de qualidade inferir aos de City, United e Spurs - a equipa voltou ao tal "futebol de estiva" e marcou três golos de jogo directo ou de bola "parada" (o próprio "penalty" nasce de uma jogada pelo ar), futebol que é, de facto, o seu. E foi ver a festa que fizeram...
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