segunda-feira, março 26, 2012

TGV, governos e incumprimentos contratuais

Quando os governos assumem determinado tipo de compromissos contratuais, com entidades nacionais ou internacionais, não o fazem em seu nome próprio, muito menos dos partidos ou ministros que o compõem, mas em nome do Estado português. Foi exactamente isso, quer concordemos ou não com a construção da linha de alta-velocidade Lisboa-Caia ou com a oportunidade de a levar por diante na conjuntura actual, que o governo anterior, legitimamente (repito: legitimamente), fez, ficando o Estado português responsável pelo respectivo cumprimento. Tendo dito isto, claro que o actual governo da república tem também toda a legitimidade para, em nome desse mesmo Estado, rescindir tal contrato, desde que se disponha a cumprir com as cláusulas de rescisão e arcar com as respectivas consequências, incluindo o pagamento das indemnizações previstas. 

Mas o problema não é apenas esse. A questão é que, com esta sua atitude, o governo actual está aqui a introduzir um precedente que pode vir a revelar-se grave quando da celebração de futuros contratos nos quais o governo da república seja parte. É que, a partir de agora, passamos a estar também em presença do que poderíamos chamar um sentimento de desconfiança de uma das partes, tornando-se difícil determinar a quem negoceia com o governo qual o grau de aleatoriedade dos contratos assinados, isto é, se não poderão vir a ser objecto de rescisão sempre que os governos seguintes professem outro tipo de ideias ou assumam opções diferentes. Pois, mas dir-me-ão que para esses casos, e semelhantes, os contratos prevêem as tais indemnizações compensatórias. Certo, mas temos de concluir que os negócios proveitosos não só pressupõem a existência de confiança de ambas as partes, como indemnizar é diferente (muitas vezes bem diferente, até porque existem valores não tangíveis) de cumprir com o acordado, e a partir de agora quem negoceia com o Estado não deixará de estar "de pé atrás" e prever ainda mais fortes penalizações para o caso, que passou a ser provável, de incumprimento contratual. Para um governo que se diz identificado com o funcionamento dos mercados e o mundo empresarial, não deixa irónico.    

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