sexta-feira, março 09, 2012

O semi-presidencialismo e a inimputabilidade do Presidente

Um dos problemas da nossa arquitectura constitucional e do seu semi-presidencialismo, com a força e legitimidade que uma eleição por sufrágio directo e universal conferem ao Presidente da República, é que este, durante os seus mandatos, não responde perante ninguém, limitando-se a ser julgado pelos eleitores caso se apresente a reeleição. Ao contrário do governo, não responde perante a Assembleia da República nem, através dela, é obrigado a prestar contas aos cidadãos cada quinze dias. Como não se apresenta ao eleitorado em nome de nenhum partido, muito menos faz parte dos seus orgãos dirigentes, não tem de sujeitar-se, em termos programáticos, ideológicos e doutrinários, ao controlo deste(s). Como não governa, não vê a sua actuação política balizada pelo poder de organizações da chamada "sociedade civil", tais como sindicatos, associações empresariais e grupos representativos de ideias, ideais e interesses legítimos com as quais os governos têm sempre de negociar.  Tal coisa, se lhe juntarmos o temor reverencial que o cargo parece exercer sobre uma parte da sociedade, em grande parte fruto da eleição directa e por sufrágio universal, permite ao Presidente da República dizer todos os disparates que lhe vêm à cabeça, fazer todas as asneiras inimagináveis sem que as as respectivas consequências vão mais além do que uma queda de popularidade nas sondagens. É esta, quanto a mim, a verdadeira fonte da sua inimputabilidade, algo sobre o qual constitucionalistas se deveriam debruçar. Assim como está, com esta arquitectura constitucional, o Presidente da República arrisca a transformar-se num elemento disfuncional do regime. Pior ainda quando o cargo é ocupado por alguém como Cavaco Silva, um homem longe das qualidades políticas e pessoais mínimas que o cargo deveria exigir.

8 comentários:

Anónimo disse...

Não tomando partido por algum inquilino de Belém em especial, assumindo neutralidade sobre a actual polémica originada pelo escrito do actual inquilino deixo aqui apenas umas linhas para reflexão.

Cavaco Silva conta no seu currículo com duas maiorias absolutas para governar e duas eleições presidenciais ganhas à primeira volta, o que o torna, incontestavelmente, o político mais popular ou consensual da terceira República, podendo extrair-se uma predileção dos portugueses pelo semi-presidencialismo na medida em que lhe foi concedido o apoio popular idêntico para ambos os cargos, o que já acontecera também com Mário Soares.

O PR não tem que responder perante um Paralamento, nomeadamente, porque os seus poderes são diminutos e esvaziados, sobretudo após a revisão constitucional que travou governos de iniciativa presidencial como no tempo de Ramalho Eanes. Responder o quê ?

Mas terá o PR de ser uma criatura inócua e protocolar que nem nos seus diários possa revelar a sua opinião sobre a condução política de um Governo de um ex-PM, ou das relações com si sob pena de ser queimado na fogueira da deslealdade?

Não conheço nesta matéria nenhum PR que se tenha abstido, lembrando-me das presidências abertas de Mário Soares onde se concentravam grandes críticas ao cavaquismo vigente ou da famosa shakespeariana frase de Jorge Sampaio de haver mais vida para além do défice. Depois é-se morto por ter cão ou por não o ter. Rainhas de Inglaterra vs deslealdade.

Vai-se “consertar” a Constituição ao sabor das polémicas do momento e da conjuntura política ?

Um puro sistema de parlamentarismo não comporta um PR com poderes pouco menos exíguos que os actuais para as funções que lhe são próprias, interna e externamente ?

JR

Anónimo disse...

ERRATA : "Parlamento" em vez de "Paralamento" :)

Cumprimentos

JR

JC disse...

1. O político mais popular? Talvez. Mas tal não significa que seja o mais consensual. Antes pelo contrário: será dos menos consensuais da democracia.
2.Claro que não tem de responder perante o parlamento, pois não governa. Mas, eleito por sufrágio directo e universal, tem, por isso mesmo e tb por definição constitucional, demasiados poderes para quem, praticamente, não tem de responder politicamente perante ninguém.
3.Pode revelar o que quiser desde que dentro da lei. Mas ao fazê-lo ainda durante o seu mandato, quando tem funções a desempenhar, isso tem consequências políticas. Neste caso, desastrosas para o país. Cavaco Silva não é um comentador político; é o PR.
4. Não estou a falar das presidências de Soares e Sampaio. Tiveram os seus altos e baixos. Mas nunca um caso tão grave como o das alegadas "escutas", para mim o caso mais grave da democracia portuguesa e razão para um processo de "impeachment".
5. Num sistema parlamentar o PR nem sequer é eleito por sufrágio directo e universal, o que lhe retira, de imediato, força e poder políticos. Para além de poder ver mais alguns dos seus poderes limitados, de direito ou de facto, como acontece, p. exemplo e no limite, nas monarquias constitucionais.
6. Desde há mtº tempo, e tenho-o dito aqui no "blog", que defendo um sistema parlamentar para Portugal. Para mim, a questão não é conjuntural mas estrutural. Mas exactamente para não se alterar a constituição ao sabor das polémicas e do momento, sempre defendi, e ainda durante o 1º mandato do actual presidente, que tal só acontecesse após um possível 2º mandato de Cavaco Silva, para não "fulanizar" a questão.
Cumprimentos

JC disse...

http://eusouogatomaltes.blogspot.com/search?q=parlamentarismo

JC disse...

Ah!, e já me esquecia. os portugueses preferem o semi-presidencialismo"? Talvez até prefiram o presidencialismo, ou que se concedessem mais poderes ao presidente. Ou mesmo a reintrodução da "pena de morte". Mas é exactamente por isso que, normalmente, só regimes autoritários ou para-autoritários referendam questões de natureza constitucional.Mais uma vez, cumprimentos o obrigado pelo seu comentário.

Anónimo disse...

Caro JC
Muito obrigado pela suas respostas.

O sistema de parlamentarismo puro tem também os seus pontos críticos, nomeadamente, ocorreria mais vezes a santíssima trindade de um Coverno, uma maioria e, vereja no topo do bolo, um PR higienizado e alinhado, para discursar ao país em complemento do PM, favorecendo ainda derivas autoritárias da maioria vencedora, mitigando o antigo princípio de Montesquieu "le pouvoir arrête le pouvoir", derivas estas mais difilcutadas quando os ovos não estão todos no mesmo cesto.

Um monárquico rever-se-ía no seu texto, em muitos argumentos para defender, ao invés, uma monarquia constitucional exemplo das monarquias europeias actuais.

São apenas reflexões.

Cumprimentos
JR

Anónimo disse...

Outra hipótese seria um regime de puro presidencialismo do tipo norte-americano.

Porém, escuso-me a demais comentários uma vez que o Caro JC já teve oportunidade de, certeira e magistralmente, desconstruir este tipo de regime ipo de regime aplicado a um estdo europeu unitário, num memorável comentário de resposta, muito tempo atrás, cujo link não consigo encontrar para aqui o poder citar, que seria de leitura oportuna e obrigatória.

JR

JC disse...

Claro que, meu caro JR, todos os regimes têm inconvenientes, até a democracia. Mas uns terão menos inconvenientes do que outros e se o semi-presidencialismo se compreendia face à realidade dos anos 70/80, hoje em dia parece-me serem bem mais os inconvenientes do que as vantagens. E, note, num regime parlamentar o PR, o rei ou a rainha não fazem discursos ao país, nem têm os poderes do actual PR, tendo apenas funções de representação institucional. E não, não sou monárquico, mas devo dizer-lhe que como adepto do parlamentarismo, no caso português, ser-me-ia indiferente o regime ser monárquico ou republicano.
Cumprimentos