Confesso que pouco me importaria que António Barreto, um homem que durante muito tempo tive por inteligente e sensato, se tivesse dedicado nos últimos anos a fazer afirmações um tanto ou quanto estrambólicas, como esta de rever a Constituição da República e referendá-la de seguida, mais ou menos como aconteceu com a sua antecessora de 1933, sendo que nesta (a de 33), à boa maneira "salazarenta", as abstenções contaram como votos a favor. Não que, pessoalmente, inclua a actual constituição na categoria de "vaca sagrada", mas apenas por uma questão de oportunidade (ou total falta dela) e porque também não sei se o que se ganharia com tal revisão quando comparada com o escarcéu que ela necessariamente provocaria. Mais e pior: o que Barreto propõe é, nem mais nem menos, uma incursão no universo do populismo plebiscitário, recuando a 1974 quando Sá Carneiro assim quis perpetuar António de Spínola no seu pedestal bonapartista. Digamos que estamos perante uma proposta muito pouco democrática, coberta pelo muito obscuro manto da tal "democracia directa" muito do agrado daqueles para quem a democracia liberal não tem mais do que um valor instrumental, em vez de essencial.
Pois, mas, como disse, pouco me importaria com tais divagações, mais ou menos extravagantes, do cidadão António Barreto, não fosse o caso de se tratar de um dos mais notáveis conselheiros do actual Presidente da República, o que será suficiente para retirar ao que diz alguma carga de inocência. E é bom também que tenhamos isso em conta, principalmente sabendo que Cavaco Silva, embora nunca se tenha manifestado contra a actual ordem constitucional, também nunca terá sido alguém que se tenha notabilizado de sobremaneira pela afirmação intransigente dos ideais democráticos.
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