quarta-feira, setembro 21, 2011

A entrevista de Pedro Passos Coelho: as dúvidas (1)

  1. Como sabemos, o conceito que está na base da proposta de redução da Taxa Social única é o de "desvalorização fiscal", isto é, não existindo moeda para desvalorizar, tenta-se incrementar a competitividade das empresas, mormente as exportadoras, através de uma redução dos seus custos laborais por via do tal ajustamento da TSU. Ok, independentemente das dúvidas que desde o início a ideia gerou em muito boa e má gente (incluo-me no último grupo), o entusiasmo inicial de outros tantos foi esmorecendo à medida que se aprofundavam os prós e contras, nestes últimos se incluindo a oportunidade para tal experimentalismo, os seus reflexos na Segurança Social, o impacto recessivo de um ajustamento através do IVA, etc, etc. Por fim, e depois de muitos disparates sobre o valor da redução, o estudo encomendado pelo governo, o nulo entusiasmo do Ministro das Finanças por aquilo que, ao princípio, parecia ser para muitos uma "boa ideia" e a oposição de associações patronais e sindicatos pareciam sugerir uma retirada em boa ordem e igual recato. Tudo  aconselhava prevalecesse o bom senso. Mas...
  • Talvez por pressão do FMI ou vá lá saber-se porquê, a ideia parece ressuscitar, agora, desprovida do seu carácter universal e sob a forma de incentivo ao emprego ou apenas aplicável a quem exporte e crie simultâneamente emprego (confesso que não percebi bem essa parte). Várias perguntas... Independentemente das restrições da UE impostas a qualquer discriminação positiva, e mesmo partindo do princípio elas são legalmente ultrapassáveis (do que duvido), o que são empresas exportadoras e como se podem definir em termos gerais e abstractos? As que exportaram uma determinada percentagem da sua produção nos últimos cinco anos? No último ano? As que têm contratos de encomenda do estrangeiro para o(s) próximo(s) ano(s)? E qual a componente importada dessas exportações e respectivo valor acrescentado? E as empresas, como as do "cluster" automóvel (p.ex.), que, não sendo directamente exportadoras, vendem a totalidade da sua produção a empresas exportadoras (AutoEuropa, p. ex.)? E um viticultor que venda as suas uvas à Sogrape para esta produzir o Mateus Rosé? Muitas dúvidas, portanto, e veremos como o governo as resolve sem se meter num "molho de bróculos".
  • Passemos então à questão da criação de emprego, isto é, da redução da TSU como benefício às empresas que aumentem o seu "headcount". Bom, estaremos aqui perante algo que já nada tem a ver com o conceito inicial de aumento da competitividade. Esta consegue-se, basicamente, por via de uma maior e mais aperfeiçoada componente tecnológica, melhoria da formação do pessoal, maior eficiência na organização e procedimentos internos, mais agressividade nos mercados e maiores e melhores investimentos nas áreas comerciais e de marketing, escolha mais racional dos produtos ou serviços oferecidos no mercado, etc, etc. No limite, e em certas situações muito específicas, também por via da redução dos custos do factor trabalho, o que presidiria à ideia inicial da redução da TSU. Digamos, portanto, que, ao premiarmos a criação de emprego via redução da TSU, estamos perante algo que nasceu cão e "virou" gato, não esquecendo que, deste modo, poderemos mesmo estar a fomentar a ineficiência e o subemprego num assunto em que o governo parece não ter estratégia e exprime teimosia sem sentido. 

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