Foi um discurso programático e radical de um líder da oposição, longe, muito longe de contribuir para um qualquer cenário de estabilização ou se se tornar ponto de partida fomentador de consensos. Diria que foi um discurso em “plano inclinado”. Mas foi bem mais do que isso, enquanto tal: centrado na sua figura e nas suas funções, subalternizando as restantes instituições da República com excepção, nada ingénua, das autarquias (as que estão mais perto do “povo”), tentando, de modo demagógico, chamar a si o papel de provedor do descontentamento, teve o seu quê de messiânico, de demagogia anti-regime. Por mais de uma vez me lembrei de Spínola e não me parece tal tenha acontecido por acaso.
Assim sendo, se o discurso afrontou claramente o governo e o PS, não vejo grandes razões para que o PSD de Passos Coelho se possa sentir feliz: não só por Cavaco Silva assumir essa sua vertente anti-regime e polarizadora do descontentamento, como também por parecer querer agir como líder, de facto, da oposição, embora colocando-se, como lhe convém, com um pé de fora do sistema. E conhecidas as suas ligações ao PSD de Ferreira Leite e Pacheco Pereira, digamos que as perspectivas para Passos Coelho no partido a que preside talvez não sejam as melhores.
No fim, duas questões:
- É possível a um país na situação de Portugal viver sob um regime de clara confrontação entre governo e Presidente da República, ambos com a mesma fonte de legitimação, o sufrágio directo e universal?
- Não prova tal coisa a total inadequação e “disfuncionalidade” do actual regime semi-parlamentar (ou semi-presidencial) ao “normal funcionamento das instituições”, algo que desde sempre tenho por aqui afirmado?
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