terça-feira, março 08, 2011

"Geração à rasca" ou gerações à rasca?

Compreendo os problemas da chamada “geração à rasca”, com dificuldade em estabilizar e organizar a sua vida, presente e futura, fruto do elevado desemprego e da precariedade. Isto apesar de muitos deles terem optado por licenciaturas (aqueles que as obtiveram) e universidades (por insuficiência de média, note-se) que sabiam à partida constituiriam um “handicap” para um emprego mais estável e razoavelmente remunerado: não me parece nesse caso pudessem alguma vez ter alimentado grandes expectativas. Escusado dizer que têm todo o direito a manifestar-se e, até, desde que respeitando a lei e as instituições democráticas, com a irreverência própria de quem tem menos de 30 anos.

Mas tendo dito isto, gostaria de lembrar à “geração à rasca” que na minha geração, a imediatamente anterior (os meus filhos estão actualmente nos “early thirties”), a dos “baby boomers” do pós-guerra, apenas uma minoria, os razoavelmente privilegiados, conseguiam obter uma licenciatura; existia uma guerra colonial que ocupava entre três e quatro anos das nossas vidas (eu prestei serviço militar durante 40 longos meses) e ninguém conseguia um emprego fora do Estado sem a “tropa feita”; exactamente por essa razão, a vida profissional começava tarde, muito tarde (eu comecei-a aos 26 anos!); iniciar um negócio (uma empresa) por conta própria, excepto para as profissões liberais, era pouco menos do que uma miragem; não existia crédito pessoal para férias, viagens, etc (eu, como de certo modo era privilegiado, quando precisava pedia um empréstimo pedia à família e ia fazendo pequenos trabalhos para o pagar); conseguir um passaporte antes de cumprido o serviço militar era quase impossível e não existiam InterRail, Erasmus, etc.; muitos de nós, alguns mesmo bastante qualificados, tendo começado a trabalhar já tarde pelas razões que expliquei, e tendo sido apanhados por situações de reforma pouco depois dos 50 anos de idade (conheço vários), acabaram por ter uma vida contributiva relativamente curta, o que se reflecte nas respectivas pensões de reforma, algumas muito, mas muito abaixo dos salários que auferiam; se para quem saiu de casa dos pais antes do 25 de Abril alugar uma casa era relativamente simples, a seguir à revolução isso era quase impossível e até aos anos 90 comprar casa era para quem podia dispor de dinheiro para uma entrada relativamente generosa. Vá lá, a vida profissional talvez tivesse um carácter menos competitivo do que hoje (de certeza teria). Podia alongar-me, falando inclusivamente sobre o que é crescer e viver em ditadura, mas não quero tornar-me fastidioso - e os exemplos, penso, serão suficientes.

Resumindo... Tem a actual “geração à rasca” razões para se sentir insegura e aspirar, protestando, a uma vida mais estável e compensadora? Estou certo que sim: cada geração tem os seus próprios problemas e não devem (politicamente, não podem) as gerações anteriores ignorá-los e incompreendê-los. Mas talvez não tenha assim tanta razão quando considera privilegiada a geração dos seus pais e muito menos a terá quando pensa que é única em sacrifícios. E como descendente de uma família de estrangeiros, nem sequer ouso citar os europeus que se sacrificaram nas duas guerras mundiais ou na guerra civil de Espanha para que a minha geração pudesse viver alguns anos de paz e prosperidade económica, e a actual viajasse por todo um continente sem sequer ter que trocar dinheiro ou usar um passaporte. Vale?

4 comentários:

Pedro Ramalho disse...

Não me parece que esta geração considere que as gerações anteriores sejam privilegiadas. De qualquer forma, de que serve existir interrail, erausmus e todas as coisas que actualmente existem ao dispôr se as pessoas lutam para sobreviver todos os dias e não podem ter acesso a elas. Compararmo-nos com as gerações passadas e dizer que hoje é mais fácil e que estamos melhor, é dizer que devemos deixar as coisas como estão. A falta de visão e ambição é uma das principais razões para manter o "status quo". É pena que assim seja para bem do nosso país.

JC disse...

"Compararmo-nos com as gerações passadas e dizer que hoje é mais fácil e que estamos melhor, é dizer que devemos deixar as coisas como estão."
Não digo tal coisa, Pedro, como pode ver se ler o "post" c/ atenção. Inclusivamente, afirmo que percebo a frustração da geração actual e saliento o seu direito a manifestar-se. Apenas pretendo pôr em evidência que gerações anteriores tb tiveram os seus problemas e estiveram, por motivos vários, tão ou mais "à rasca" do que a geraçõ actual. E tb não é verdade que a geração actual não possa ter acesso a Erasmus e InterRail. Muitos o têm,como sabe,e ainda bem.Torna-os mais cosmopolitas e informados.
Cumprimentos

Fernando Lopes disse...

Ao que leio, doze jovens (doze), resolveram interromper o discurso de Sócrates, para se manifestarem. A blogosfera, cheia de activistas de sofá, deixou logo quinze posts no Twingly do Público a salivarem de contentamento. Sou insuspeito de gostar de Sócrates, já o disse aqui, mas não me parece o local indicado. Sabiam que o ambiente era hostil e mais do que isso, inadequado. É de má educação interromper o jantar de alguém, dizendo que a comida está um lixo. Mas isso não se aprende na universidade, aprende-se em casa. A agitação é na rua, e na rua doze gatos-pingados não têm visibilidade nenhuma. O que vocês querem é aparecer. Manifestem-se na rua, mobilizem, não façam agitprop para TV ver. É na rua que se travam os combates, não em salas partidárias ...
Ponham os olhinhos no médio oriente.

JC disse...

Tb achei inadequado e de mau gosto, abusivo, terem interrompido a sessão daquela maneira. Aí, de acordo consigo,Fernando. Foi apenas uma maneira de promover a manif. e criarem algum clima de crispação que favorecesse os seus intentos. Nada justifica que um tal incidente s/ importância justifique tanto mediatismo.