- Mário Moniz Pereira é um profissional sério, rigoroso e competente. Foi para o atletismo do SCP e, por arrasto, nacional aquilo que Otto Glória foi para o futebol do SLB e português: profissionalizou-o quando imperava o amadorismo metodológico e organizacional. E, tal como Otto Glória, com os naturais das colónias transformados em portugueses “de gema”, soube aproveitar um campo de recrutamento que mais nenhum país da Europa tinha, Moniz Pereira também teve o seu “momentum”, numa época em que os africanos pouco ou nada contavam no fundo e meio-fundo e o regime saído do 25 de Abril não desdenhava obter caução acrescida por via do desporto, nele investindo. Hoje, para além da caução de seriedade que o seu nome e presença possam trazer a uma candidatura (e disso não tenho qualquer dúvida), não vejo que possa ter qualquer papel na resolução dos problemas com que o SCP se debate.
- Não há regresso possível aos tempos do ecletismo de Agostinho, Lopes & Mamede. Ou aos do “hóquei patriótico”. No atletismo ninguém quer saber do clube que os atletas representam, até porque os campeonatos nacionais se disputam de forma “confidencial”, sem público na pista ou na TV; e nas grandes provas internacionais, as que contam, os atletas vestem o equipamento do país ou da marca patrocinadora. Por exemplo: sei que Nelson Évora é do SLB. Mas, pese embora o meu benfiquismo ferrenho, tanto se me dá: podia ser do Alhos Vedros, do Real Massamá ou de qualquer outro (excepto do FCP, está bem de ver...). Além disso, em termos de condições de treino, os atletas já não estão condicionados ao apoio dos clubes. Têm o que se pode chamar um “personal trainer” (a viver aqui ou em qualquer outro país) e o seu rendimento, dentro de certos limites, depende, cada vez mais, da escolha do laboratório certo e da medicina desportiva adequada. No ciclismo é o que se sabe. Para além de tal coisa, nas provas internas apenas a Volta a Portugal tem alguma, pouca, expressão e já não leva o espectáculo e o nome dos clubes a casa de cada um. Hoje isso é feito pela TV e os portugueses do interior já têm nível de vida e auto-estradas suficientes para se deslocarem a ver o seu clube do coração ao Porto, Coimbra, Lisboa ou Madrid. E preferem ver o Cristiano Ronaldo e o Real Madrid, o Contador ou o Lance Armstrong aos ciclistas de 5ª ordem da Volta indígena. O “hóquei patriótico” desapareceu, e o jogo está hoje quase reduzido ao desprezo que merece por parte da comunidade internacional.
- Exactamente por isso, não faz qualquer sentido os grandes clubes terem uma pista de atletismo e estruturas próprias para a prática da modalidade. Tal, bem como a formação, deve ser preferencialmente deixado às autarquias, escolas, etc. Para os seus profissionais de alta-competição, bastam acordos de utilização com as estruturas de proximidade existentes.
- Mesmo baseando a sua estratégia no “formação”, o SCP tem que ter uma coisa em atenção: dificilmente pode manter por muito tempo os melhores valores. É irrealista pensar em tal coisa. As pressões para “sair para o estrangeiro” serão enormes – de jogadores e empresários -, não só por via das condições salariais, como de uma notoriedade que o SCP dificilmente poderá proporcionar. Hoje o futebol é um espectáculo global e os melhores jogadores querem ser vedetas a condizer, com respectivas Wags e tudo. Para além disso, a necessidade, para um clube com os problemas do SCP, de realizar valor com a venda de activos nunca “autorizará” um demasiado tempo de permanência.
- Num campeonato sem ou com pouca visibilidade, como o português, e onde apenas um ou, no máximo, dois clubes disputam a CL, o SCP terá sempre dificuldade acrescida em contratar bons jogadores estrangeiros (sul-americanos, por exemplo) que possa vir a valorizar posteriormente. Até porque nem do ponto de vista financeiro apresenta vantagens competitivas... Tal já aconteceu, e não há muito tempo, com o “meu” SLB perante o FCP (Falcao, Álvaro Pereira, etc). O risco de se cometerem erros e cedências a interesses terceiros aumenta assim exponencialmente.
- O orçamento não é tudo? Claro que no curto-prazo tal pode ser verdadeiro, e um clube com um orçamento inferior pode sempre, aproveitando uma conjuntura excepcional e com uma boa gestão desportiva, fazer um “brilharete” ou conseguir um ou outro título esporádico. O caso do SC Braga, na época passada, é um exemplo. Mas não me parece ser a isso que o SCP aspira, e quando se analisam períodos mais longos, de 5 ou 10 anos, o peso do orçamento acaba sempre por se impor.
- Bruno Prata (“Público” de 6ª feira) veio comparar o caso SCP com o do Borussia Dortmund, um clube histórico e ganhador na Alemanha e na Europa mas que esteve perto da bancarrota e quase baixou de divisão, estando agora em vias de se sagrar campeão com um orçamento muito inferior à concorrência. Um disparate. Primeiro, porque o Borussia passou anos a classificar-se em lugares secundários na Bundesliga (desde 2003/2004 que não conseguiu ser melhor do que 6º classificado e esteve mesmo em risco de despromoção). Se o SCP fosse terceiro em três anos consecutivos, ou menos, cairiam o Carmo, a Trindade e o Chiado em peso, sob a pressão da rua” sportinguista. Segundo, porque o Borussia (é o antigo nome da Prússia, sabiam?), jogando o importante campeonato alemão, tem na própria Alemanha e nos países à sua volta, de influência alemã, um vasto campo de recrutamento. Terceiro, porque uma boa parte da recuperação financeira do clube se deve à venda do seu estádio, actualmente pertença de uma imobiliária que cedeu o respectivo “naming”, continuando a equipa a nele jogar através de um contrato de aluguer. Alguém imagina operação semelhante em Portugal?
Nota final: não sei qual a agência de comunicação que trabalha com a candidatura de Godinho Lopes. Mas esqueceu-se de lhe dizer para não brincar com o iPad durante o debate. Um erro de palmatória. Por mim, estava despedida!
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