Vamos lá ver... Agiu bem ou mal José Sócrates pelo facto de não ter informado o Presidente da República sobre as novas “medidas de austeridade” e de só o ter feito tardiamente perante o líder do maior partido da oposição e parceiro de acordo no orçamento de 2011? Bom, do ponto de vista ético e institucional é óbvio que fez mal: por muitas razões de queixa (digamos assim) que tenha do Presidente da República (e é indiscutível que as tem), o relacionamento institucional deve sempre prevalecer nos contactos entre os diversos orgãos de soberania e, mais ainda, acresce que o acto do primeiro-ministro arrisca-se a ser visto pelos cidadãos como uma “birra” ou vingança inconsequente de adolescente a quem foi dada uma reprimenda pública. Quanto à informação tardia ao partido de Passos Coelho tal pode ser considerado, na sua essência, como uma manifestação de deslealdade.
Mas tendo dito isto, todos sabemos que a política está muito longe de se esgotar nas questões éticas – e muito menos morais – nem estas estão, frequentemente, e goste-se ou não, na essência e na génese dos actos políticos, não devendo, por isso mesmo, também nelas esgotar-se a sua análise. Mais ainda, a eficácia das acções deve ser sempre também avaliada em função da sua adequação aos objectivos a atingir. Assim sendo, e em função da realidade nua e crua, dos objectivos que pretendia atingir e subalternizando as questões de natureza ética, agiu ou não o primeiro-ministro com eficácia face aos objectivos que pretende atingir? A resposta só pode ser uma: claro que sim.
- Em primeiro lugar, porque se tivesse informado previamente Cavaco Silva e atempadamente Passos Coelho tal geraria de imediato uma discussão pública e reacções nos “media”, bem como uma recusa "à partida" das medidas, que enfraqueceriam a posição de força com que o primeiro-ministro se apresentou em Bruxelas, gerando ainda mais dúvidas sobre a possibilidade do governo implementar o que se propunha.
- Em segundo lugar, porque José Sócrates pretendeu sempre ter o aval prévio de Bruxelas e Berlim - da CE, do BCE e de Merkel - colocando assim Cavaco Silva e Passos Coelho em maiores (arriscaria a dizer: enormes) dificuldades para negarem o seu apoio, sendo esse acto visto como um voto negativo também às instituições da UE e à Alemanha, das quais Portugal precisa para obter financiamento. Como o primeiro-ministro ontem não se escusou de sublinhar, um “acto anti-patriótico”.
- Por último, porque com estas atitudes José Sócrates nada tem a perder: sabe que uma moção de censura do PSD dificilmente passará na AR (e, por absurdo, mesmo que passe...), que o relacionamento institucional com o PR está em ruptura desde o caso das escutas e que se este se decidir pela dissolução assume ele próprio o risco da “instabilidade política” e do recurso ao FMI, lavando o primeiro-ministro daí as suas mãos.
Em função do que acima digo, gostemos ou não, concordemos ou discordemos, e se analisarmos a sua actuação com o distanciamento que aqui pretendi assumir e em função daqueles que são os seus objectivos políticos, temos de concluir que José Sócrates deu, de facto, uma lição de política “pura e dura”. Com isso, provou também que será sempre um “osso bem difícil de roer”.
2 comentários:
Para mim falta analisar uma grande questão a nível político: O que acham os portugueses desta atitude do José Socrates?
Para mim, que posso ser chamado de "swing vote" (já votei PSD, PS e CDS)caiu mal, muito mal. Acho que neste momento a prioridade do Primeiro Ministro deveria ser o país e não o seu rabo político! E o que era melhor para o país? Era que o novo PEC fosse aprovado numa coligação com o PSD. Por diversas razões: (1) Dava um sinal de estabilidade política aos investidores e EU; (2) Permitia uma maior posição de força face à população; (3)Não dava margem de manobra ao PR, que neste momento tb está mais interessado em vinganças políticas que no país.
Cada vez fico mais triste e desiludido com a classe política portuguesa. Já sabiamos que o sistema político promove "chico espertos" e com interesses próprios e não pessoas competentes e alinhadas com os interesses do país. E isto só revolta ainda mais as pessoas! Sem querer ser demagógico, acho que a classe política está a ser a primeira causadora de toda a revolta que as pessoas sentem. Pior que me tirarem benfícios é estes serem tirados por alguém que n tem o mínimo interesse no futuro de Portugal.
Resumindo, esta deve ser a actual visão dos stakeholders no processo: (1) EU e investidores: Devem se perguntar para que servem as medidas se o governo não é maioritário e com esta manobra conseguiu queimar tudo à volta, impossibilitando que as medidas sejam aprovadas. Ou seja, pior que n ter medidas é saber que já n há a mínima hipotese de qq medida ser aprovada; (2) População: Aumenta a revolta sentida, já que n só lhes querem tirar mais dinheiro, como ainda por cima percebem que os interesses do governo são políticos e não reais (3) PR: Fica ainda com maior vontade de vingança, aumentando ainda mais a instabilidade política (o que pensa a EU disto?)
Respondo á pergunta no "post": arrisca-se a que tal seja visto como um "birra de adolescente a quem deram uma reprimenda pública". Em caso de eleições pode ser-lhe prejudicial. Mas foi um risco calculado e, comparando tal risco c/ a situação para que empurrou agora o PSD, pode ser que lhe acabe por ser favorável.
Claro que tb sabe a minha opinião à mtº tempo, desde que as eleições deram apenas uma maioria relativa ao PS: imprescindível um governo de coligação que inclua o PS e o PSD. Quanto a mim, e para responder às razões que elenca, era a solução necessária. Mas discordo de si num ponto: o PR. José Sócrates sabe desde o "caso" das escutas que da parte do PR está a prazo. Se o PEC acabar por passar c/ a abstenção do PSD, o PR fica s/ razões para dissolver a AR; se não passar o governo demite-se e será essa demissão que levará o PR a dissolver a AR. Ou seja, nunca se arrisca a passar pelo vexame de o PR dissolver a AR contra a vontade do PS e do governo. É a política "pura e dura" e não é mtº diferente nas democracias consolidadas, gostemos ou não e não é isso que está em causa. A Bélgica, que tem um grave problema de desmembramento, está s/ governo hà quase um ano! Portanto, não foi uma análise do ponto de vista do que "deve ou deveria ser" que fiz neste "post". Essa tenho-a vindo a fazer ao longo do tempo. Mas tentei, isso sim, fazer uma análise tanto quanto possível distanciada dos factos e dos seus objectivos. E obrigado pelo comentário.
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