sexta-feira, novembro 05, 2010

Da perda de hegemonia da esquerda na cena mediática

No seu “Causa Nossa”, Vital Moreira tem por hábito chamar a atenção para casos nos quais, em termos mediáticos, considera o governo de José Sócrates ter sido tratado injustamente ou, até, para deturpação de notícias, em si mesmas positivas, “manipuladas” em prejuízo desse mesmo governo. Devo dizer que um bom número de vezes tem razão.

Mas, mais do que ter ou não ter razão, melhor do que assinalar esses casos, seria interessante saber porque a esquerda, ou quem das suas ideias se reclama, perdeu, nas últimas décadas, alguma da relativa hegemonia que durante muitos anos deteve na comunicação social. Permito-me adiantar três dessas razões:
  1. No campo das ideias políticas, da luta e afirmação ideológicas, o que de novo surgiu (de positivo ou negativo, não interessa aqui discutir a questão), nos últimos tempos, principalmente após a queda do “muro de Berlim e da derrota do comunismo enquanto ideologia e prática política, veio da direita neo e ultraliberal e do movimento-conservador. Exceptuando nas questões de “sociedade”, ou impropriamente chamadas “fracturantes”, das quais alguns dos novos partidos da esquerda pós-moderna se fizeram vanguarda, as ideias à esquerda estiolam e a sua ideologia e práticas políticas passaram, aos olhos das novas gerações, a ser consideradas como demasiado conservadoras. Se a geração que tem hoje 60 anos era maoista por contestação, a geração que tem hoje 30 ou 40 anos é liberal por idênticas razões. Ora são essas novas gerações que ocupam hoje em dia, maioritariamente, as redacções dos principais “media”.

  2. Nada de novo se disser que com as novas tecnologias de informação e as plataformas e suportes diversos que geraram, com a globalização de difusão de conteúdos a que também deram origem e com o subsequente nascimento do “infotainment”, o mundo da comunicação social assumiu uma lógica claramente empresarial, ligando-se ao mundo dos negócios e afastando-se da concepção tradicional do jornalismo, o que também não favorece qualquer seu posicionamento “à esquerda”.

  3. Por último, a prevalência da vertente “negócio” e a lógica de luta pelas audiências que dela decorre “forçou” à opção pelo espectáculo e pelo imediato e superficial em detrimento de qualquer aprofundamento das ideias ou, muito menos, dos aspectos formativos; fez alastrar o antes restrito tablóidismo e tornar algumas das suas características dominantes na chamada “imprensa de referência”, esbatendo fronteiras ainda há pouco bem definidas. Ora estes aspectos, tal como seria de prever, bem como os “media” interactivos dos fóruns de opinião, das caixas de comentários e das “sondagens” a €0,60 + IVA, abriram caminho aos mais desbragados populismo e demagogia, que tenderam a tornar-se dominantes e impregnar toda e qualquer discussão ideológica mais séria. Um caldo de cultura, claro, que não só não me parece ser nada favorável a uma esquerda – aquela a que Vital Moreira pertence - que não se limite a afirmar-se e agir como contestatária do “sistema”, como também tende a promover a contestação sistemática a alguns dos aspectos mais evidentes e menos populares da actividade governamental e da política em geral. Ora, no caso específico de Portugal, convém lembrar que o PS foi governo durante cerca de doze dos últimos quinze anos, o que expôs demasiado o partido a esta infeliz lógica mediática.

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