quarta-feira, novembro 04, 2009

Os Beatles, o "rock n' roll" e a URSS - algumas notas despretensiosas a propósito de um "post" do "IÉ-IÉ" (II)

Bom, em primeiro lugar trata-se de um movimento contestatário do “statu quo”, um pouco anárquico e, por definição, isso é algo com o qual as ditaduras, mais ainda as mais fechadas, como era o caso da soviética, lidam mal. Mesmo, muito mal. Acresce que o movimento tinha muito de afirmação da liberdade do indivíduo perante o sistema, do direito à diferença e à marginalidade, algo que não se vislumbra como poderia ser tolerado na URSS de então. Mais ainda: contestava os comportamentos, a moral dominante e a reprodução dos valores culturais e sociais existentes, desprezava a política nas suas formas de organização tradicional (o Maio 68, a luta pelos direitos cívicos e contra a guerra do Vietnam introduzem novas formas de contestação política), o modo de vestir e comportar socialmente e estes - todas estes - tanto na URSS como no mundo democrático de então, não diferiam assim tanto como possa, à primeira vista, parecer. Musicalmente, integrava também, em si mesmo, um certo apelo à individualidade ou à constituição de pequenos grupos com recusa da erudição das grandes orquestras ou dos grandes solistas patrocinados pelo Estado: uma guitarra e instrumentos improvisados, como os dos "blues" originais ou do "skiffle", resolviam bem o problema. Por último, falando ainda em termos “de sociedade”, sugeriam, ou faziam amiúde recurso a, alguma violência (“mods” e “rockers”, “teddy boys”, “hell angels”) e se, em todas as sociedades, o monopólio da força pertence ao Estado, numa democracia, por definição, existirá alguma tolerância em relação a fenómenos desse tipo, desde que contidos no seu âmbito e na sua amplitude, mas numa ditadura como a soviética, em que apenas um “partido de classe” (o representante da “classe operária”) dirige o Estado e a sociedade, impondo-lhe os seus valores, qualquer contestação a esse monopólio constitui uma manifestação intolerável.

Tudo isto nos conduz para uma outra área, a do político no seu sentido mais restrito. O “rock n’ roll” não tem uma natureza de classe definida: embora nasça, influenciado pelos “blues”, da cultura dos negros mais pobres do sul, torna-se um movimento essencialmente geracional, chegando às "high school", universidades, intelectuais da “Village” e burgueses da classe média californiana. Junta pretos e brancos, alguns ricos mas também muitos pobres. Tem uma ideologia difusa, de contestação, e esse modelo de contestação e o que é contestado vão mudando, ao longo do tempo, consoante se modificam também os valores dominantes do “sistema”: contestam-se, à vez com importância variável a cada momento, a segregação racial, a moral sexual, a autoridade parental, a guerra, o primado do dinheiro, valoriza-se a droga e o “escapismo”, etc, etc. Exaltam-se os valores adolescentes e juvenis - o amor, a música, a dança, a moda, as férias –, digamos que aquilo que pode ser associado a alguma futilidade, muito longe, portanto, do cumprimento dos Planos Quinquenais, da exaltação patriótica, da superioridade da doutrina do “partido”, do colectivo, valores dominantes na URSS de Stalin ou Nikita Khrushchev . Por último, o essencial do movimento político e cultural do “rock n’ roll”, embora depois “exportado” para o reino Unido e para França (Maio 68), tem origem na pátria do capitalismo (USA), em plena guerra fria, sendo quase visto na URSS como que uma quinta coluna destinada a corroer por dentro a juventude soviética, logo, o futuro da pátria do socialismo e do movimento comunista mundial.

Tudo isto poderia ser, claro está, ainda mais aprofundado, o que não está nos objectivos deste, mesmo assim, já demasiado longo “post”. Deste modo, limitei-me apenas a lançar algumas pistas sobre o assunto, esperando que alguém com acesso a mais meios, paciência e capacidade o possa fazer. Que tal meteres mãos á obra, LT?

1 comentário:

ié-ié disse...

Seria uma boa ideia, mas não há muito tempo...

LT