quarta-feira, novembro 04, 2009

Os Beatles, o "rock n' roll" e a URSS - algumas notas despretensiosas a propósito de um "post" do "IÉ-IÉ" (I)

No seu "blogue" “Ié-Ié”, LT transcreve um curioso texto do “Diário Popular”, de 30 de Março de 1966, falando da hostilidade com que a música dos Beatles foi recebida pelas entidades oficiais na URSS de então, o mesmo tendo acontecido com o “rock n’ roll”. Essa hostilidade inicial terá sido, posteriormente, substituída por uma atitude de “deixa andar” (cito), apesar dos discos não se encontrarem à venda, o que, se parece remeter para uma certa impotência em travar o entusiasmo suscitado pela “Beatlemania” e pelo “rock n’ roll”, teria também que ver – citando o DP – com o facto de uma hostilidade aberta contribuir ainda mais para a popularidade das novas formas musicais, o que dá bem uma ideia da (im)popularidade do regime de então, dirigido pelo PCUS.

O primeiro comentário que tal curioso texto me suscita sobre o regime soviético de então - e que assinalei ao LT - é o do conservadorismo, diria mesmo reaccionarismo, de tal regime, algo que, ao tempo, pareceria ser termo ousado ou até mesmo impróprio para o classificar e definir. Mas, vendo bem, nada de demasiado estranho: as ditaduras (quaisquer que sejam), tendendo para uma maior ou menor repressão de tudo o que se oponha ao pensamento e práticas dominantes, ao indivíduo e aos grupos na margem do sistema, tendem a gerar sociedades “fechadas”, cristalizadas nas suas formas, pouco dinâmicas e, logo, estruturalmente conservadoras. Aliás, o “rock n’ roll” e a “Beatlemania”, com toda uma nova cultura de contestação de que eram portadores, inclusivamente com alguma imagem de marginalidade e violência anti-sistema que traziam consigo, também na ditadura de Salazar foram recebidos com desconfiança, marginalizados, vilipendiados através de textos trauliteiros e doutrinariamente ultramontanos em alguma imprensa de então, mais ou menos ligada ao regime, à Igreja Católica ou, no limite, até a alguns grupos republicanos mais conservadores. Tal como na URSS, o regime acabou por contemporizar e, embora a natureza periférica do país, o subdesenvolvimento de então e a guerra colonial limitassem os contactos com o exterior e a importação de novos modelos culturais, sempre o, por cá, chamado, muito “à francesa”, movimento “Ié-Ié” foi contido pelo regime, através de uma vigilância distanciada, nas margens da cultura de massas. Claro que Portugal fazia parte do mundo e da cultura ocidental, o regime, apesar de ditatorial e reaccionário, pouco ou nada tinha a ver com o universo concentracionário da URSS e, por isso mesmo, a nova cultura conseguiu ter em Portugal difusão importante e um pouco mais alargada (apesar de vigiada), o que, neste aspecto, distancia claramente os dois países.

Mas, há que ir um pouco mais longe e interrogarmo-nos: quais as razões para a hostilidade do regime soviético para com o “rock n’ roll” e o movimento político e cultural a ele associado, talvez aquele que, de forma mais consistente e continuada, pelo menos durante década e meia, contestou o modo de vida e os valores da chamada civilização ocidental, principalmente aqueles herdados do período anterior à WWII? É o que a seguir veremos...

2 comentários:

ié-ié disse...

Dois apontamentos:

1 - Não deixa de ser curioso que tenha sido durante o salazarismo e por iniciativa de um dos seus braços civis que foi realizado um dos maiores eventos yé-yé do país, o famoso Concurso no Teatro Monumental em 1965/66.

A iniciativa não só foi organizada pelo Movimento Nacional Feminino, a favor das Forças Armadas em guerra no Ultramar, como do seu júri se destava a extrema-direita académica, a chamada Acção Académica (Pedro Cabrita), de que fazia parte um futuro MNE, Martins da Cruz.

Uma contradição nos seus termos, para utilizar uma linguagem tipicamente associativa.

2 - Na União Soviética, pouco tempo antes do estertor do regime, ainda os grupos de rock, sobre os de Leninegrado, a cidade culturamente mais activa, tinham necessidade de editar clandestinamente as suas obras.

LT

JC disse...

Tentativa de enquadramento e vigilância?