terça-feira, julho 03, 2007

Um país de tristes, uma tristeza de país (8)

Quem atender ao que se vê, escreve e ouve, deve julgar que o futuro da pátria (assim mesmo, à velho republicano “reviralhista”) dependerá da realização ou não do referendo ao tratado europeu. Uma pergunta muito simples: se houver referendo e os portugueses votarem não, o que acontece a seguir? Fico a aguardar resposta... Mas, por acaso, sabem o que aconteceu ao aprendiz de feiticeiro?

5 comentários:

Eurydice disse...

Caro JC, o seu argumento espanta-me!
Então mas não é importante que em democracia os cidadãos se manifestem nestas questões relevantes? Devemos pôr o carro à frente dos bois, isto é: os eventuais resultados à frente do princípio?
Por outras palavras: não devíamos procurar uma versão do tratado compatível com a expressão da vontade do povo? Uma versão capaz de ganhar a aprovação dos cidadãos europeus?
Posso compreender que seja contra o referendo, mas o argumento que usa não me soa bem. Por uma questão de princípio.

JC disse...

Vou tentar ser sucinto. Não é fácil.
Por princípio sou contra as democracias referendárias e, ainda mais, os regimes plebiscitários, sempre campo aberto à demagogia e populismos mais rasteiros. Por alguma razão eles são apanágio de regimes caudilhistas, com mais ou menos democracia, e a V República do general De Gaule é disso um bom exemplo. Pela mesma razão os referendos são escassos ou inexistentes das democracias mais evoluídas - excepto a nível local - como as dos países do norte e centro da Europa. A nível nacional, admito-os em certas situações-limite, transcendentais mesmo, como a independência de um país, por exemplo. Admito-o também a nível local, com mais frequência, face a questões simples e muito concretas e tangíveis do dia a dia dos habitantes locais. A democracia, tal como a conhecemos, é baseada no voto representativo e em checks and balances que permitem controlar o comportamento dos eleitos. Para além desses instrumentos, os cidadãos têm hoje ao seu dispor uma série cada vez maior de mecanismos de influência e controle dos eleitos, entre eleições, como nunca tiveram no passado, e não vale a pena descrevê-los. Isso não acontece num referendo: uma vez votado... Para além disso, a convocação de um referendo (ou de qualquer eleição) pressupõe estarmos em situação de aceitar o seu veredicto, qualquer que ele seja e quaisquer que sejam as suas consequências. Isso teria acontecido quando da adesão,ou até antes da entrada na zona Euro, por exemplo, mas pergunto: Portugal estaria em condições de, hoje em dia, aceitar um Não? Quais seriam as suas consequências para o país? É que se não estiver nessas condições,mais vale estar quieto do que assistir no aftermath a ginásticas e números de prestidigitação para alterar os resultados repetindo o referendo.
O problema ainda é maior quando v. referenda uma questão transnacional país a país. Os cidadãos tendem a votar não em função do que se quer aprovar ou rejeitar mas por questões de política interna que nada têm a ver com a pergunta do referendo.
Bom, espero ter sido esclarecedor qb. É que isto da democracia referendária tem que se lhe diga.

Eurydice disse...

Creio que fiquei a perceber melhor o seu ponto de vista.
Mas também me parece que acabou a pôr o dedo nas feridas da União. Começou coxa, como podemos espantar-nos que não ande? Pôs também o dedo nas contradições do actual sistema político ocidental. Receio que a democracia se esteja a devorar por dentro!... Não há verdadeiro poder de decisão dos cidadãos, não há verdadeiro esclarecimento sobre as questões essenciais, não há genuína representatividade. Sejamos claros: os partidos começam a não representar ninguém a não ser os seus próprios interesses. Parecemos puppets on a string!
Onde é que isto nos deixa, meu Deus?!

JC disse...

Apenas umas notas:

Nunca na histórias das democracias os cidadãos tiveram tanto poder e estiveram tão esclarecidos sobre as questões essenciais (veja, por cá, o caso do novo aeroporto e do aborto).
Por outro lado, os partidos representam - e sempre representaram - interesses. Dantes representavam, ou pretendiam representar, classes sociais: nas democracias nórdicas os partidos à direita da social democracia (apelidados de partidos burgueses) eram o partido agrário (não me lembro se o nome era exactamente este) e por aí fora. Agora representam outro tipo de interesses e compete aos governos fazer a síntese dos mesmos. É assim nas democracias. Quanto á genuína representatividade... Tem alguma dúvida sobre a legítima representatividade de Valentim Loureiro,Fátima felgueiras, Isaltino Morais ou... Pinto da Costa? infelizmente, eu não tenho!
Cumprimentos

Eurydice disse...

Pois...é esse lado Pinto, Felgueiras, Valentim e Isaltino, o dark side of the force, que me soa muito mal.
A mim parece-me sinal de autofagia da liberdade como fundamento da organização social...
Isto parece-me um caos a caminho da dissolução.