O artigo de J. M. Fernandes sobre o livro de Zita Seabra (“Foi Assim”) publicado no “Público” de ontem (Ypsilon), e a referência que Zita faz nesse seu livro, citada por JMF, a Cita (ou Sita) Vales, “obrigou-me” a recorrer à net para um pequeno refrescamento sobre o que ficou conhecido como os acontecimentos de 27 de Maio de 1977 em Angola, que culminaram no fuzilamento de milhares de angolanos entre os quais Cita, Nito Alves e José Van Dunen (ver aqui, aqui e aqui). Várias questões me impressionaram e outras se me interrogaram:
Em primeiro lugar, o insuficiente esclarecimento, pelo menos em Portugal, sobre efectivo papel do PCP nos acontecimentos e, portanto, nos massacres que se lhe seguiram como sua consequência. Não admira: estava-se ainda muito perto do 25 de Abril (três anos depois), e do 25 de Novembro, e fazê-lo iria certamente agitar algumas questões sensíveis e politicamente inconvenientes. Percebo-o. No entanto, seria hoje em dia deveras interessante fazê-lo, pois o MPLA, muito ligado a uma elite angolana branca, mestiça, negra e urbana que se movimentava no eixo Luanda/Lisboa, era o movimento de libertação (e estou a falar de todas as colónias) onde a influência portuguesa e do PCP seria mais evidente. Por outro lado, a história e histórias ligadas ao chamado golpe de Nito Alves parecem constituir uma oportunidade interessante para o estudo de algumas eventuais contradições (?) entre os interesses dos aliados soviético e cubano, aqui e ali afloradas. Uma sugestão a alguns historiadores. José Pacheco Pereira, por exemplo
Em segundo lugar, numa época de glorificação das ideologias, o modo como essas mesmas ideologias aparecem apenas como vaga justificação, passe um ou outro idealismo que surge como ingénuo e fora de contexto, para aquilo que é, efectivamente, apenas uma nua e crua luta pelo poder. Só isso: a luta por um poder que, em África, se assume quase sempre como uma questão de sobrevivência.
Passando a Cita Vales, a primeira coisa que me chocou foi o fanatismo que parece ter sido um fio condutor da sua personalidade ao longo dos anos. Não querendo entrar no lugar comum, que separa a rapariga que “não perde uma missa e coloca pedras nos sapatos para se martirizar”, que “espalha santos por portas e janelas, soldados “canonizados” para defender a sua casa dos terroristas” e a que declara, prisioneira na sede da DISA, quando lhe oferecem comida, “a um comunista não se lhe dá leite, dá-se-lhe porrada”? Nada separa e tudo talvez une: uma arrogância gratuita, uma imaginada superioridade moral mais evidente em situações de fraqueza extrema, de medo e de impotência.
Por outro lado, a sua beleza física, frequentemente evocada em tudo o que sobre ela se escreve - o que não espanta dado essa ser característica escassa no movimento estudantil da primeira metade dos anos setenta do século que passou – parece ter constituído elemento fundamental na sua ascensão política e na luta pelo poder. Não apenas pelo facto de parecer ter posto essa beleza física e o tráfico sexual ao serviço da sua ascensão política - na luta pelo poder - o que é comum na sociedade e nas organizações, mas, muito principalmente, por o ter feito em organizações de cariz marxista-leninista, o que pode aparentar ser algo contra-natura e dessa beleza ser, também, por si só, arma da sua afirmação pela diferença, de marcação do seu território. Daí que essa sua característica possa ter exercido algum fascínio sobre alguém simultaneamente tão semelhante e dissemelhante nesse ponto (Zita Seabra), mas para quem o poder era também um objectivo facilitado pela ausência de afectos e que decidiu prosseguir esse caminho fora do PCP quando este se tornou ferramenta inadequada a tal desígnio e a
oportunidade surgiu. Não admira, assim, que Cita seja, segundo JMF, a única referência afectiva do livro de Zita Seabra, a ponto de ter intercedido por ela junto de Álvaro Cunhal depois dos acontecimentos de 27 de Maio – sem sucesso, aliás. Um momentâneo sinal de fraqueza ou a defesa de um outro eu a que aspirava? Conhecendo o resto da história, inclino-me para a segunda hipótese.
Em primeiro lugar, o insuficiente esclarecimento, pelo menos em Portugal, sobre efectivo papel do PCP nos acontecimentos e, portanto, nos massacres que se lhe seguiram como sua consequência. Não admira: estava-se ainda muito perto do 25 de Abril (três anos depois), e do 25 de Novembro, e fazê-lo iria certamente agitar algumas questões sensíveis e politicamente inconvenientes. Percebo-o. No entanto, seria hoje em dia deveras interessante fazê-lo, pois o MPLA, muito ligado a uma elite angolana branca, mestiça, negra e urbana que se movimentava no eixo Luanda/Lisboa, era o movimento de libertação (e estou a falar de todas as colónias) onde a influência portuguesa e do PCP seria mais evidente. Por outro lado, a história e histórias ligadas ao chamado golpe de Nito Alves parecem constituir uma oportunidade interessante para o estudo de algumas eventuais contradições (?) entre os interesses dos aliados soviético e cubano, aqui e ali afloradas. Uma sugestão a alguns historiadores. José Pacheco Pereira, por exemplo
Em segundo lugar, numa época de glorificação das ideologias, o modo como essas mesmas ideologias aparecem apenas como vaga justificação, passe um ou outro idealismo que surge como ingénuo e fora de contexto, para aquilo que é, efectivamente, apenas uma nua e crua luta pelo poder. Só isso: a luta por um poder que, em África, se assume quase sempre como uma questão de sobrevivência.
Passando a Cita Vales, a primeira coisa que me chocou foi o fanatismo que parece ter sido um fio condutor da sua personalidade ao longo dos anos. Não querendo entrar no lugar comum, que separa a rapariga que “não perde uma missa e coloca pedras nos sapatos para se martirizar”, que “espalha santos por portas e janelas, soldados “canonizados” para defender a sua casa dos terroristas” e a que declara, prisioneira na sede da DISA, quando lhe oferecem comida, “a um comunista não se lhe dá leite, dá-se-lhe porrada”? Nada separa e tudo talvez une: uma arrogância gratuita, uma imaginada superioridade moral mais evidente em situações de fraqueza extrema, de medo e de impotência.
Por outro lado, a sua beleza física, frequentemente evocada em tudo o que sobre ela se escreve - o que não espanta dado essa ser característica escassa no movimento estudantil da primeira metade dos anos setenta do século que passou – parece ter constituído elemento fundamental na sua ascensão política e na luta pelo poder. Não apenas pelo facto de parecer ter posto essa beleza física e o tráfico sexual ao serviço da sua ascensão política - na luta pelo poder - o que é comum na sociedade e nas organizações, mas, muito principalmente, por o ter feito em organizações de cariz marxista-leninista, o que pode aparentar ser algo contra-natura e dessa beleza ser, também, por si só, arma da sua afirmação pela diferença, de marcação do seu território. Daí que essa sua característica possa ter exercido algum fascínio sobre alguém simultaneamente tão semelhante e dissemelhante nesse ponto (Zita Seabra), mas para quem o poder era também um objectivo facilitado pela ausência de afectos e que decidiu prosseguir esse caminho fora do PCP quando este se tornou ferramenta inadequada a tal desígnio e a
oportunidade surgiu. Não admira, assim, que Cita seja, segundo JMF, a única referência afectiva do livro de Zita Seabra, a ponto de ter intercedido por ela junto de Álvaro Cunhal depois dos acontecimentos de 27 de Maio – sem sucesso, aliás. Um momentâneo sinal de fraqueza ou a defesa de um outro eu a que aspirava? Conhecendo o resto da história, inclino-me para a segunda hipótese.
3 comentários:
Até neste ponto das suas referências à Sita Vales, a Zita Seabra procede a uma espécie de «representação».
A Zita Seabra sabe mas não diz de quem partiu a iniciativa do golpe de 27 de Maio e de que os primeiros mortos (a começar por Saidy Mingas) pertenceram ao lado não nitista.
A Zita Seabra sabe que todos ou quase todos os comunistas que conheceram em Portugal mais de perto a Sita Vales sentiram uma grande tristeza e mágoa pelo seu trágico fim.
A Zita Seabra sabe perfeitmente que naqueles dias a principal calúnia que o PCP precisava de contrariar era a de que o PCP (via Sita)e outros estava «metido» no golpe de Nito Alves (um esquemático de meter pena mesmo considerando aqueles tempos).
E sobretudo a Zita Seabra sabe mas nunca conta aquilo que sempre contou a alguns camaradas seus com quem tinha mais confiança pessoal: ou seja, que sempre que Sita Vales vinha a Portugal e a visitava e ao seu marido, o que os dois faziam era procurar vivamente contrariar a exaltação «revolucionária» de Sita Vales e apelar ao seu bom senso e calma no quadro da situação angolana.
O conteúdo deste comentário significa obviamente que sei do que estou falar mas, por enquanto, a assinatura é falsa.
Meu caro Joaquim Fragoso:
Só hoje li o seu comentário, que mtº agradeço. Era muito interessante que quem teve conhecimento de factos e acontecimentos que permitissem fazer uma análise histórica do "27 de Maio" estivessem dispostos a narrá-los.
Cumprimentos e obrigado pela sua visita.
Quando Sita vinha a Portugal?
Gostava muito de saber quando, entre Junho de 75 e Maio de 77, é que a Sita Valles veio a Portugal.
Acho que Joaquim Fragoso poderia revelar isso pois parece-me inofensiva essa informação, e para alguns bastante útil. Por favor.
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