domingo, janeiro 09, 2011

Erros e contradições na campanha de Alegre

Ao centrar os seus ataques a Cavaco Silva, no caso SLN/BPN, fundamentalmente em questões de ordem circunstancial (a quem comprou e a quem vendeu; quais os preços na altura praticados; forte valorização sofrida pelas acções negociadas; sabia ou não das desconfianças suscitadas pelo modo como o Banco era gerido, etc), tendo como objectivo lançar a desconfiança sobre a honorabilidade do candidato adversário e assim abdicando de o fazer de um ponto de vista político mais global e sustentado (o negócio só se torna possível pelo estreito relacionamento construído entre os homens da SLN/BPN e Cavaco Silva durante os governos deste e quando o Estado, com a conivência tácita do então primeiro-ministro, foi utilizado por grupos emergentes pouco escrupulosos como trampolim para a ascensão social e para negócios nas margens da licitude, em vez de o ter sido para a efectivação das reformas necessárias ao desenvolvimento de um país mais competitivo e de uma estrutura empresarial mais moderna e autónoma), a candidatura de Manuel Alegre comete dois erros e evidencia uma das suas contradições fundamentais.
  1. Em primeiro lugar, não fora a provinciana arrogância moral de Cavaco Silva e a sua pouca frontalidade de carácter e mediocridade enquanto político o terem conduzido a uma gestão desastrosa do assunto (autênticamente “com os pés”), como aliás já tinha acontecido nos casos das “escutas”, do Estatuto dos Açores e, até, no modo como se comportou para com a oposição numa das suas visitas à Madeira, e Alegre teria ficado rapidamente com algo vazio entre mãos. Para tal, bastaria Cavaco Silva tivesse respondido com naturalidade às perguntas colocadas, e cujas respostas já eram conhecidas através de investigação do jornal Expresso”, assumindo que poderia ter sido mais cuidadoso quando da efectivação do negócio, etc, etc. Não lhe sendo conhecidos outros “telhados de vidro” do género, o assunto morreria por aí. Mas, parafraseando José Mário Branco, “pode alguém ser quem não é?” Neste ponto, foi essa a sorte de Alegre.
  2. Em segundo lugar, sendo Alegre um político muito experimentado e nunca tendo assumido, nem de perto nem de longe, responsabilidades políticas no país semelhantes às de Cavaco Silva, podendo, por tal razão, apresentar-se como quase isento de responsabilidades pelo “estado a que isto chegou”, era nesse terreno (o político) que a discussão lhe seria sempre mais favorável. Assim , ao atacar Cavaco Silva em questões de honorabilidade e carácter, possibilitou que a candidatura adversária lançasse o seu contra-ataque baseada em questões idênticas (campanha BPP), onde Alegre manifestamente poderá ter cometido uma pequena ilegalidade (um deputado não pode participar em campanhas publicitárias) e onde se explicou “metendo os pés pelas mãos”. É um caso de pouca ou nenhuma gravidade, mas não se livrou de assunto ter sido lançado pela candidatura e pelos “media” favoráveis a Cavaco Silva (e são quase todos...) como “equivalente” perante a opinião pública - e o facto de se tratarem de duas entidades bancárias ajuda à confusão.
  3. Por fim, a candidatura de Alegre evidencia também aqui uma das suas contradições essenciais. Para atacar politicamente Cavaco Silva pela quase ausência de reformas significativas efectuadas no decurso dos seus mandato como chefe do governo, no sentido de tornar o país mais competitivo e dotado de uma estrutura empresarial mais moderna e de um empreendedorismo mais autónomo e dinâmico, Manuel Alegre não poderia estar, como está, refém de quem se opõe a esse mesmo livre empreendedorismo, por um lado, e, por outro, daqueles que sempre se manifestaram contra questões como o aumento da idade da reforma, mudança no sistema de cálculo das pensões e, no primeiro governo de José Sócrates, às reformas que ministros como Correia de Campos e Maria de Lurdes Rodrigues tentaram levar a cabo para salvaguarda do essencial do Estado Social, pelo qual o candidato se diz bater e eu próprio considero um avanço civilizacional. Para tal, seria necessário uma candidatura que partisse da esquerda moderada ou do centro-esquerda, agregando, a partir daí, toda a esquerda e até alguns sectores menos conservadores do centro-direita. Coisa que a candidatura de Manuel Alegre positivamente não é nem consegue fazer. Uma lástima...

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