sexta-feira, março 22, 2013

José Sócrates na RTP

  1. A chegada de José Sócrates a comentador político televisivo deveria ser pretexto para discussão aprofundada do tema "ex-dirigentes partidários transformados em comentadores televisivos", ou seja, gente com uma agenda política própria transformada em estrela do espectáculo e a quem é oferecida antena mediática. Comentário político é bem outra coisa e deveria ser exclusivo de jornalistas (especializados nas diversas áreas), académicos e politólogos. Infelizmente, a tradicional "fulanização" da política e a histeria "anti-socratista" impede tal coisa. Lamento.
  2. A RTP é "serviço público de televisão" e como tal deve prescindir de tal coisa? Bom, teoricamente deveria ser esse o caso, mas, para além de me parecer o problema está a ser também aqui "fulanizado" (se o nome fosse outro ninguém o levantaria), o tal serviço público", que não está definido mas não me parece possa excluir o debate político, social, cultural e de temas económicos, não pode ser transformado numa televisão "sem cor e sem cheiro", até porque a RTP, com as limitações já conhecidas no tempo que pode preencher com publicidade, não pode deixar de competir em termos de audiências, sem que essa competitividade signifique a disseminação de "Preços Certos" ou a tablóidização da informação. Caso contrário, não só nunca poderá cumprir com as obrigações que o serviço público lhe impõe, como muito menos financiar os seus custos de funcionamento. E depois, claro, lá viria a "lenga lenga" de que o país não poderia suportar tal coisa.
  3. José Sócrates, talvez o cidadão português mais investigado dos últimos anos, não é suspeito, acusado ou sequer indiciado de qualquer crime ou acto ilícito. Não concordando eu com a figura do "comentador/ex-dirigente partidário", muito menos submetendo-me às decisões dos julgamentos populares do Correio da Manhã e quejandos, tem tanto direito a sê-lo como Marques Mendes, Rebelo de Sousa, Jorge Coelho, António Vitorino and so on. Tem responsabilidades políticas na situação actual do país? Terá, tal como Durão Barroso (presidente da Comissão Europeia), António Guterres (Alto Comissário da ONU para os refugiados) e Cavaco Silva (Presidente da República). Tem-nas em maior grau do que qualquer destes seus antecessores? Disso já tenho sérias e fundadas dúvidas, ousando mesmo considerar que, apesar de alguns erros e outras tantas opções erradas que fui apontado, o primeiro governo de José Sócrates (disse, "o primeiro") terá sido mesmo o melhor governo de Portugal desde o "bloco central" de Soares, Mota Pinto e Hernâni Lopes, que preparou a adesão do país à então CEE. As pessoas teimam em ver a árvore e esquecer a floresta.
  4. Estamos perante uma armadilha preparada pelo governo e pelo ministro Miguel Relvas contra Seguro e contra o PS? É provável, mas tendo em atenção os "tiros no pé" e acções dignas de "aprendiz de feiticeiro" do ministro Relvas e do actual governo, ficaria bastante admirado se desta vez acertassem. Além do mais, José Sócrates é um homem suficientemente frio e inteligente e um político com experiência suficiente para não se deixar cair na "esparrela". Para já, este seu "comeback" terá também jogado o seu papel numa decisão do PS e de Seguro que em nada favorece o actual governo: a decisão do partido de avançar com uma moção de censura, transmitindo para a opinião pública uma pouco comum (pelo menos, nos últimos tempos) agressividade política e unidade partidária. Acho que quem, numa típica atitude "wishful thinking", espera José Sócrates assuma de modo prioritário um papel  de desestabilização do PS e de radical criticismo face ao Presidente da República arrisca-se a estar a pensar de forma demasiado imediatista.
  5. A presença televisiva de José Sócrates irá fazer avivar nos portugueses a imagem dos "responsáveis pela crise", ele próprio e o PS? Enfim, passada a fase da novidade e do auge da cruzada anti-socratista (assim, pelo menos, deixarão de se preocupar como o modo como se sustentava em Paris), que durará pouco e se transformará, rapidamente, numa espécie de vanguarda mais ou menos radical e folclórica ao estilo "31 da Armada", "Hare Krishna ou "Amigos de Olivença", penso que a presença de José Sócrates em Portugal e nas televisões acabará por contribuir, a prazo, para alguma distensão e normalização do ambiente e convivência democráticas, o que, excepto para os tais radicais, só poderá ser de saudar. Eu, desde já saúdo seja essa a consequência.  

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