sexta-feira, março 26, 2010

Ainda o acordão do Conselho de Justiça da FPF ou o rabo a abanar o cão

Reza o acordão do “douto” Conselho de Justiça da FPF: “não é muito líquido ou satisfatório o enquadramento” (dos stewards nessa categoria de “público”). Mas, acrescenta, tem pelo menos um mérito: “...conduz a uma punição sem excesso”

Quer dizer: não estando a categoria de steward consagrada na lei, em vez de se procurar, nessa mesma lei, o enquadramento que dela mais se aproxime aplicando, de seguida e em conformidade, a penalização prevista (aceitando eventualmente levar em linha de conta, como circunstância atenuante, essa condicionante), considera-se, à partida e arbitrariamente, o castigo aplicado pelo Conselho de Disciplina da Liga como excessivo (porquê? com que fundamento?) e é em função dessa conclusão apriorística que se vai procurar o enquadramento legal que a justifique. O caso é ainda mais escandaloso porque o próprio Conselho de Justiça cita como positivo o caso da lei francesa, que prevê para casos semelhantes, incluíndo agressões a elementos do público, uma moldura penal de oito jogos a dois anos de suspensão!

Brilhante! É o rabo a abanar o cão, a chuva a cair para cima.

14 comentários:

Anónimo disse...

A questão centra-se, como refere , na falta de enquadramento legal ou clara definição do estatuto jurídico-desportivo dos chamados “Stewards”, os quais, sem tal estatuto, sequer deveriam marcar presença num qualquer recinto desportivo ( sem culpa alguma destes).

Não havendo um estatuto que defina a sua natureza, nomeadamente, que os equipare a intervenientes do jogo, a público ou outro regime que seja, e, tratando-se de uma sanção ou pena por uma agressão de jogador a um destes sujeitos sem estatuto, deverá aplicar-se o princípio do tratamento mais favorável para o infractor, um muito antigo princípio geral obrigatório para todo o normativo sancionatório, já que não cabe aos órgãos disciplinares nem aos órgãos de recurso estabelecer esse faltoso enquadramento dos “Stewards”, mas tão só aplicar obrigatoriamente uma das sanções previstas a um facto tipificado cometido, o que afasta a total impunidade.

Sendo a agressão a um elemento do público sanção menos gravosa para o jogador ( embora por razões que se desconhecem ) é esta a mais adequada, também a única que, muito dificilmente ,seria contestado com sucesso.

Assim, ( e por muito que me custe a admiti-lo ) a razão está do lado desta última decisão

Todavia, convenhamos , o Caro JC disse tudo “A confusão ou a ausência de estatuto e legislação só serve os prevaricadores e quem gosta de chafurdar na lama. Só apetece mesmo vomitar”

E não será de espantar que o pedido de indemnização anunciado pelo FCP venha a colher vencimento.

Porém, ficam perguntas no ar:

Quem são os (i)responsáveis das organizações desportivas que permitem a presença nos estádios de uns sujeitos chamados “Stewards” sem enquadramento jurídico-desportivo concretamente definido ?

Quando se definirá, por via regulamentar, um estatuto para os “Stewards” ( e os jornalistas) ?

Continuarão os “Stewards”nos estádios sem a concretização de tal estatuto ?

Entretanto ainda se permitirá a ocorrência de casos semelhantes para chamar a atenção de tal lacuna ?

Parece mais fácil prever o resultado de um jogo de futebol que consegue, mesmo assim, ser menos arbitrário que a resposta a isto.

JR

Anónimo disse...

Só mais dua questões :

Porque será que, do ponto de vista jurídico-desportivo estatuído, uma agressão de um jogador a um espectador pagante, o elemento essencial de um qualquer espectáculo, vale muito menos que uma agressão a um interveniente do jogo ?

Porque é tão longo o tempo que medeia uma decisão disciplinar desportiva e o desfecho do recurso a esta mesma decisão, tendo em conta que os jogadores em causa podem custar milhões aos respectivos clubes e são até tidos como de profissão de desgasre rápido, sem falar na obrigatória neutralidade desportiva que estas decisões, se demoradas, poderão condicionar ?
Uma quinzena (uma semana para cada uma das decisões) não bastaria, por exemplo, para definir uma de duas sanções possíveis ?

JR

JC disse...

Caro JR: penso que os "stewards" podem enquadrar-se perfeitamente na categoria "delegados ou outros intervenientes no jogo com direito de acesso ou permanência no recinto desportivo". Foi isso que considerou o C.D. da FPFP. Agora "público"? É, pura e simplesmente, ridículo!
Já agora, transcrevo: "Agentes: os dirigentes e funcionários dos clubes, jogadores, treinadores, auxiliares-técnicos, árbitros e árbitros assistentes, observadores dos árbitros e delegados da Liga, médicos, massagistas e, em geral, todos os sujeitos que participem nas competições profissionais organizadas pela Liga ou que desenvolvam actividade, desempenhem funções ou exerçam cargos no âmbito dessas competições."
Não será suficiente?

Stradivarius disse...

O que diz a lei:

"(...) os promotores dos espectáculos desportivos passam a poder recorrer a pessoal devidamente treinado e qualificado, que, funcionando na dependência operacional da estrutura de segurança, colabora e apoia a organização dos espectáculos desportivos, assegurando que estes decorram num ambiente confortável, seguro e de perfeita normalidade e harmonia.
(...)"

Todo o texto:
http://www.iapmei.pt/iapmei-leg-03.php?lei=1468

Anónimo disse...

Sem dúvida que, no plano teórico ou abstracto, faz muito mais lógica que os “Stewards” sejam enquadrados nessa qualificação de “intervenientes” em paralelo com os referidos, do que “público”.
É até muito provável que uma futura clarificação regulamentar (para quando ?) os enquadre como uma espécie desse mesmo género.

O problema é que, por enquanto, a palavra “Steward” não se encontra lá, assim como também não se encontra enquadrado como “público”, ou seja, não se encontra em nenhuma das categorias.

Como não cabe à entidade de recurso, ou à entidade disciplinar definir a respectiva qualificação nem tipificar normas sancionatórias por analogia, coisa que é proibida no ramo normativo sancionatório, tem de se atender ao princípio do tratamento mais favorável para o infractor ( o que do ponto de vista racional também é coerente pois também é hipótese possível que um futuro regulamento os enquadre como “público”- no futebol tudo é possível "-)

Melhor dizendo, mesmo que a entidade que julga , pretendesse ou entendesse mais coerente do mero ponto de vista lógico e ou abstracto, o enquadramento na categoria de “interveniente”, como até se pode presumir de parte conhecida do acórdão,( e tal como nós entendemos) ) todavia, não o poderia fazer, porque se encontra impedida de recorrer à analogia e tem de aplicar o princípio do tratamento mais favorável, isto tudo porque o vocábulo “Steward” não existe em nenhuma das categorias.
Se o fizesse o acórdão poderia ser considerado nulo por contrário à lei.

A aplicação do princípio do tratamento mais favorável para o infractor também ocorre quando, entre o momento da práctica do facto e o momento do julgamento existem duas leis (uma ao tempo do facto outra ao tempo do julgamento) com penas diferentes. Neste último caso aplica-se sempre a mais favorável para o infractor.

Este princípio do tratamento mais favorável é uma conquista civilizacional que pretende evitar leis mais penosas feita à medida do um determinado infractor, coisa que ocorreu em inúmeros exemplos históricos.

JR

Stradivarius disse...

... e não são "stewards", são Assistentes de Recintos Desportivos, vulgo A.R.D.

JC disse...

Mas, meu caro, é necessário a nomeação, extensiva, de todas as categorias? Isso é algo impossível de ser expresso na legislação... Exactamente por isso a lei nomeia "Agentes: os dirigentes e funcionários dos clubes, jogadores, treinadores, auxiliares-técnicos, árbitros e árbitros assistentes, observadores dos árbitros e delegados da Liga, médicos, massagistas e, em geral, todos os sujeitos que participem nas competições profissionais organizadas pela Liga ou que desenvolvam actividade, desempenhem funções ou exerçam cargos no âmbito dessas competições."
Repito: "em geral, todos os sujeitos que participem nas competições profissionais organizadas pela Liga ou que desenvolvam actividade, desempenhem funções ou exerçam cargos no âmbito dessas competições."
Não sou jurista (apenas tive algumas cadeiras de direito no meu curso de economia)... mas, que raio!!!, caro JR, parece -me que esta definição não deixa dúvidas. Então e os apanha-bolas, as meninas da Sagres, etc, tb precisam de ser explicitamente nomeados? Já agora - e no limite -se um jogador agredir um cão- polícia? É público, é agente desportivo? Desculpe lá, mas só com o ridículo se pode combater o ridículo!
Sim, eu tb sei que não é "steward" mas ARD. Mas, meu caro, com essa só me faz lembrar o Nogueira de Brito e o Vera Jardim quando nos acusavam - a nós, alunos de economia - de não termos linguagem jurídica... Por favor, poupe-me...
Cumprimentos

Anónimo disse...

Não quero deixar de poupar o Caro JC (salvo seja), mas o meu intuito foi só dar a minha visão do assunto, no caso, concordante com a decisão do Conselho de Justiça, e explicar porquê, só possível recorrendo um pouco ao “calão” jurídico, - peço desculpa se abusei - onde até me absti de dar a designação jurídica dada pela lei desportiva aos “Stewards”, justamente para não confundir , já que estes elementos têm nas costas esta última designação.

Mas, uma coisa é a lei prever genericamente esta categoria ou parte das outras que cita,
disciplinando a sua função no recinto desportivo, outra coisa é prever uma sanção quando um elemento destas categorias é agredido coisa que não havia em relação aos “Stewards”(continuo a preferir chamar-lhes esta designação, mas, leiam o significado de A.R.D. para sermos mais rigorosos) matéria sancionatória esta que só existe claramente especificada para os intervenientes do jogo ou público

Por exemplo, se um jogador ( desmiolado de todo ) agredir a menina da publicidade , a sanção terá de ser, igualmente, a mais favorável para o infractor, ou seja, como de público se tratasse.

Como é evidente e muito bem refere, não tem de haver uma enumeração exaustiva de todas as categorias, quando se trate de sancionar um facto punível de tal forma que o legislador, para efeitos sancionatórios, só parece só ter especificado os referido ”público” e “intervenientes no jogo”.

Mas, convenhamos, não deveria ter o legislador ter regulado também aspecto sancionatório em relação aos Stewards já que estes assumem uma justificada relevância no estádio?

Cumprimentos
JR

Anónimo disse...

errata :"abstive" em vez de "absti"
JR

JC disse...

Claro que devia, caro JR, até pq os "stewards" são hoje em dia um elemento importante e indispensável na organização dos jogos. Mas o que nos opõe é que, para mim, embora não especificamente nomeados,eles estão incluídos na categoria "em geral, todos os sujeitos que participem nas competições profissionais organizadas pela Liga ou que desenvolvam actividade, desempenhem funções ou exerçam cargos no âmbito dessas competições." O mesmo acontecerá c/ as promotoras de Sagres, os tratadores da relva, etc, etc.
É impossível descrever exaustivamente todas as funções, caso contrário teríamos de estar quase permanentemente a modificar a lei consoante se alterassem aspectos organizativos. Daí o legislador ter optado por esta formulação.
cumprimentos

JC disse...

Já agora, JR: embora não sendo jurista, acho esta discussão interessante. Tb reveladora (desculpe lá) do que é o Direito e por que caminhos se move!

Stradivarius disse...

"(...)
3.º
Funções
Os assistentes de recinto desportivo desempenham as seguintes funções:
a) Vigiar o recinto desportivo e anéis de segurança, cumprindo e fazendo cumprir o regulamento de utilização do recinto pelos espectadores;
b) Controlar os acessos, incluindo detectar e impedir a introdução de objectos e substâncias proibidas ou susceptíveis de possibilitar actos de violência;
c) Controlar os títulos de ingresso e o bom funcionamento das máquinas destinadas a esse fim;
d) Vigiar e acompanhar os espectadores nos diferentes sectores do recinto bem como prestar informações referentes à organização, infra-estruturas e saídas de emergência;
e) Prevenir, acompanhar e controlar ocorrências de incidentes, procedendo à sua imediata comunicação;
f) Orientar os espectadores em todas as situações de emergência, especialmente as que impliquem a evacuação do recinto;
g) Acompanhar, para colaboração na segurança do jogo, grupos de adeptos que se desloquem a outro recinto desportivo;
h) Inspeccionar as instalações, prévia e posteriormente a cada espectáculo desportivo, em conformidade com as normas e regulamentos de segurança;
i) Impedir que os espectadores circulem, dentro do recinto, de um sector para outro;
j) Evitar que, durante a realização do jogo, os espectadores se desloquem dos seus lugares de modo a que, nomeadamente, impeçam ou obstruam as vias de acesso e de emergência.(...)"

Anónimo disse...

Não duvido, não posso negar que hajam imensos problemas no Direito.

Assim como os haverá noutros ramos.do conhecimento.
Por exemplo - e me descupe - tendo a Economia um estatuto de ciência, como tal estabelecendo relações de causa e efeito sobre os fenómenos das relações económicas (que eu também estudei a nível de curso superior de Economia, para além de cadeiras próprias do Direito), causa-me uma grande estranheza que, apesar dos avisos e da análise feita por alguns ( Paul Krugman à cabeça in “A economia da depressão” ) a inteligência económica mundial pouco tenha feito ou produzido em ordem a evitar a actual crise financeira que irrompeu com uma voracidade só comparável com a Grande Depressão.

Bem por contrário, foi criando instrumentos.cada vez mais voláteis, como os derivados e os “hedge funds” desregulamentando e afastando de todo um sistema fundado em critérios mais seguros e sãos, que apenas tinham provado não estarem imunes aos chamados ciclos económicos.

Uma má decisão de um julgador pode afectar uma só categoria de interesses. Mas as más decisões económicas podem ….

Com os cumprimentos

JR

JC disse...

JR: tem razão, claro. E, deixe-me acrescentar, traduzi o George Soros para português nos anos 90, por isso, a história dos "hedge funds" é-me bem familiar. Mas o que mais me incomoda no Direito - a mim, que fiz toda a sua vida profissional na gestão, algo bem mais exacto e "terra a terra" - é que parece sempre existir a possibilidade de interpretar e enquadrar um qualquer facto, de forma legítima, de uma determinada forma e do modo contrário. Convenhamos...