quinta-feira, maio 14, 2009

Alguns mitos do futebol português e o "it man" de momento

Nos últimos vinte anos só dois treinadores portugueses têm exercido com continuidade a sua profissão no 1º mundo futebolístico: José Mourinho, com o sucesso reconhecido, e, ao nível mais modesto de uma 2º divisão europeia e sem grandes vitórias mas também sem inêxitos marcantes, Fernando Santos. Todos os restantes, com maior ou menor sucesso, dispersam-se pelos 3º, 4º e 5º mundos futebolísticos, dos Emiratos a África, do Vietnam a sabe-se lá mais onde. Experiências romenas e outras que tais revelaram-se esporádicas e acabaram sem honra nem glória para todos eles. Esta é a realidade do mercado e estes são os factos, e é neles que nos devemos basear para aquilatar da qualidade dos profissionais em causa.

Vai por aí uma onda (direi mais, um autêntico tsunami) em favor dos treinadores portugueses, falando da “especificidade do nosso futebol” , etc, etc. Nada mais falacioso. O futebol português não é nem mais nem menos específico que o espanhol, o inglês, o francês, o alemão e assim sucessivamente: todos apresentam características próprias, embora a globalização os tenha feito aproximar bastante nos últimos tempos. Isso não impede que treinadores espanhóis e franceses tenham sucesso em Inglaterra, holandeses em Espanha, na Alemanha e um pouco por todo o lado (Rússia, Coreia), italianos em Inglaterra, na Áustria e por aí fora. Portugal, por exemplo, na evolução do seu futebol e nos resultados alcançados, muito deve a um sueco (Eriksson), a um inglês (Robson), a um austro-húngaro (Guttmann), etc, etc. Aliás, foi a importação de treinadores de outras escolas uma das causas da evolução do futebol britânico, e é também essa uma das bases em que assenta o êxito da Premiership, longe do "kick and rush" de antanho. O resto nada mais é do que uma tosca tentativa de proteccionismo da parte de uma classe profissional (a dos treinadores portugueses) que não consegue ter êxito num mercado aberto e concorrencial.

Em Portugal raramente se analisam as causas específicas que podem estar na origem de um treinador conseguir bons resultados na época X no clube Y. Mal isso acontece o tal treinador é de imediato elevado à categoria de estrela em ascensão, de “it man" do momento. Aconteceu assim com Jaime Pacheco (lembram-se?), depois de ter “levado” o Boavista ao título de campeão nacional e a família Loureiro o clube à bancarrota. Nunca mais Jaime Pacheco conseguiu qualquer tipo de sucesso, por pequeno que fosse, o que só para os distraídos (prefiro chamar-lhes assim) poderá constituir uma surpresa. Outro exemplo? Alguém tenta analisar com seriedade e isenção o percurso de José Maria Pedroto (elevado á categoria de “mestre”), um treinador que estava no Vitória de Setúbal quando a região era a mais beneficiada com o “boom” económico da época e a “lei da opção” impedia as livres transferências de jogadores e no FCP quando a conjuntura política, social e económica estava reunida para “levar ao colo” o clube? Teria tido o mesmo sucesso (no V. de Setúbal ele foi muito relativo) em outros clubes? Num projecto diferente – o da selecção nacional – nunca o teve, o que deveria levar muita gente a interrogar-se.

Existem treinadores para clubes pequenos e outros para clubes grandes? Claro que, dito deste modo, isso não é verdade. Mas existem treinadores que “encaixam” num projecto, numa “cultura de clube”, num determinado tipo de mentalidade e "way of doing the things" e não encaixam noutro. Ou até projectos que, pela sua consistência, facilmente integram em si um qualquer treinador dentro de limites bastante alargados: será este o caso do FCP. O mesmo acontece nas empresas, com funcionários, gestores e executivos, onde o chamado “hire and fire” (contrata e despede) é normalmente visto como sintoma de que algo vai mal. Daí as empresas mais conceituadas serem extremamente criteriosas na contratação dos seus quadros. Um exemplo? Na situação actual do SCP, em função do enfoque na gestão financeira e numa política de recursos humanos que privilegia a formação, o que não lhe permite competir com orçamentos idênticos aos dos seus rivais, Paulo Bento é o homem certo no lugar certo. Sê-lo-ia em circunstâncias diversas, embora no mesmo clube?

Passemos ao meu clube. Luís Freitas Lobo afirma que o SLB necessita de um treinador português porque este entenderá melhor a grandeza e o passado do clube e, assim, perceberá melhor que tem de ganhar e não contentar-se com o segundo ou terceiro lugares. É o “rabo a abanar o cão”!, pois é o clube, as suas direcção e administração, que têm de fixar, de acordo com o treinador, seja ele português, espanhol ou do Burkina Faso, os objectivos finais e parciais e proporcionar condições para que eles sejam atingíveis. E é em função destes, e não do passado eventualmente glorioso, que tem de agir e gerir. O problema do SLB é exactamente o inverso: os objectivos são marcados e definidos por esse passado glorioso e não pelas condições concretas da actualidade, existindo portanto uma incompatibilidade entre objectivos e condições para os alcançar! É - tem sido - o desastre!

E, por último, vem o “it man" de momento, um tal Jorge Jesus com nome de Messias e com o qual Luís Filipe Vieira – dizem os jornais – tem falado, qual D. Camillo quando Peppone resolve causar-lhe preocupações de monta. Que percurso pode apresentar? Bom, uma boa época com o Belenenses, sem dúvida, e um percurso dentro das expectativas (nem acima nem abaixo) com o Sporting de Braga, face à dimensão e orçamento do clube. Lutar pelo 4º lugar com os clubes da Madeira e atingir os ¼ de final da UEFA seria o expectável face aos apoios e orçamento (o Sp. de Braga é, de facto, pertença da 3ª maior Câmara Municipal do país) de que o clube dispõe. Resta a pergunta: e o Belenenses? Será que o projecto de que foi rosto visível e bem sucedido no Restelo tem algo que ver com aquilo que vai encontrar no SLB e este pretende. Será que não foi apenas fruto de circunstâncias próprias e conjunturais que pouco terão a ver com a competência do treinador? Será que Jorge Jesus e a sua escassíssima experiência internacional “encaixam” na política de recursos humanos do clube? A personalidade e o perfil pessoal e profissional do técnico são as mais adequadas ao que vai encontrar? Perguntando de outro modo: um gestor ou executivo de uma multinacional pode ter igual êxito numa empresa de índole familiar, e inversamente? Pode gerir igualmente bem e com êxito semelhante em Nova Iorque ou em Antananarivo? Jorge Jesus até poderia (poderá?) vir a ser o homem certo, mas estas são algumas das questões que deveriam ser colocadas e, infelizmente, não vejo ninguém preocupar-se muito com o assunto.

2 comentários:

Vic disse...

Meu caro JC

O problema do SLB é viver demasiado em função do "passado glorioso". Ainda por cima, de um passado demasiado longínquo, uma vez que se apurarmos os resultados dos últimos 10 anos - quase um geração, portanto - esse passado revela-se extremamente pobre. Senão vejamos:
FCP - 6 campeonatos, 4 taças de Portugal e 4 Supertaças
SCP - 2 campeonatos, 3 taças de Portugal e 4 Supertaças
SLB - 1 campeonato, 1 taça de Portugal e 1 Supertaça
(e veja que deixo de fora as 3 taças europeias/mundiais conquistadas pelo FCP).

Este é, quanto a mim, e na realidade o grande problema do Benfica. Isto e o desejo incontrolável de se tornar numa força hegemónica - tal como já foi, e como é agora o FCP - aliado aos ódios fomentados contra o ex-aliado e amigo do Norte (do LFV, não do SLB, claro).
E enquanto for assim, nada de bom resultará porque toda a gente já viu que para utilizar a estratégia do inimigo externo a LFV falta-lhe a estaleca e a inteligência do seu arqui-inimigo, pelo que sairá sempre derrotado, e a cada ano mais ressabiado.
Claro que a mim, adepto do SCP, tal pouco me diz. Nunca me interessaram supremacias no que quer que fosse. O que eu gostava mesmo era de ver os 3 (e outros todos, porque não?) disputarem campeonatos e taças com lisura, sem ódios exacerbados, e que ganhasse o melhor.

Mas quanto a treinadores, deixe que lhe diga que é uma injustiça esquecer o grande trabalho de Manuel José no Egipto. Tal como o é reduzir o trabalho de J. Jesus aos últimos 2 anos. O JJ tem um passado de grande trabalho, cheio de empenho. O grande problema de Jesus é que não é um comunicador - menino pobre, criado na rua, no pontapé na chincha, (creio que não terá mais do que a 4ª classe) - e tal tem-lhe vedado o acesso a outros voos. As suas gaffes (mais pontapés na gramática) são conhecidas, mas também as de Fernando Cabrita o eram (quem não se lembra daquela na cabina da selecção nacional "Vamos a eles que nem Tarzões") e tal não o impediu de ser treinador do SLB e até Seleccionador Nacional.
Na minha opinião, Jorge Jesus é hoje em Portugal e tacticamente(não só hoje mas já há uns anos) o melhor treinador a exercer em Portugal E no banco, raramente falha uma substituição. Creio mesmo que se não fez mais este ano o Braga, tal se deve ao papael demasiado activo do Presidente do clube na gestão da equipa. Problema a que se sujeita ver repetido, se se decidir a vir para o Benfica.
Coisa que, sinceramente, espero que não aconteça, para meu sossego e de todos os sportinguistas

Abraço

JC disse...

1. Tem razão quanto ao SLB viver demasiado em função do passdado glorioso.Digo isso no "post".
2.Acho que a "questão" Benfica interessa mais aos sportinguistas do que eles pensam. Como por aqui já afirmei, apenas a desastrosa gestão do SLB tem permitido o relativo êxito da actual estratégia do SCP.
3. Fernando Cabrita? Eram outros tempos...
4. Mas oh! meu caro VdeAlmeida, o Egipto é do 3º mundo futebolístico!
5. As substituições, sobrevalorizadas em Portugal por via da tradicional faceta do desenrascanço e por serem a parte visível da actuação dos treinadores, são apenas um pormenor.Se formos ver, quantas vezes efectivamente ganham jogos alterações tácticas a meio dos mesmos?
Abraço